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As economias extrativas e produtivas, em Bunker

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 62-67)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.3.5 As economias extrativas e produtivas, em Bunker

As teses de Bunker (1988) analisam o (sub)desenvolvimento de regiões dependentes da exploração de seus recursos naturais. Um de seus espaços privilegiados é a Amazônia. Para explicar o processo de subdesenvolvimento dessa região, Bunker parte da crítica às teorias econômicas tradicionais. Ressalta as deficiências das teorias da modernização, das teorias da dependência e das próprias teses marxistas, por seu enfoque excessivo na lógica econômica e no foco exclusivo no trabalho incorporado como fonte de valor.

Na visão de Bunker (1988, p. 21), essas interpretações não permitem tratar a dinâmica interna de uma formação social não-capitalista, das relações de classe, ou da complexa e custosa organização burocrática do moderno estado periférico. Afirma que as teorias de desenvolvimento não reconhecem a absoluta dependência material das economias baseadas na extração dos recursos.

A partir dessa idéia, ele desenvolve o seu conceito de “modo de extração” que se contrapõe à categoria marxista “modo de produção”. Segundo Bunker, “modo de produção” é uma noção ortodoxa que deve ser reformulada para considerar as interdependências ecológicas que ocorrem na base sócio-produtiva, conforme a seguir,

Eu não acredito que nós possamos integrar adequadamente essas perspectivas a menos que sejam remodeladas e incorporadas em modelos ecológicos e evolucionários de mudança social que considerem simultaneamente a dependência física da produção da extração (de recursos naturais) e a interação entre os sistemas regional e global. (BUNKER, 1988, p. 21).

Para Bunker, o conceito “modo de extração” revela as conexões sistêmicas entre a extração de recursos naturais e os fenômenos que ocorrem tanto na “base produtiva” quanto na “superestrutura”, tais como relações de classe, organização do trabalho, sistemas de troca e de propriedade, ações do Estado, dinâmica e distribuição populacional, desenvolvimento da infra-estrutura física, além das crenças e ideologias às quais as organizações sociais moldam o seu comportamento.

Bunker (1988) considera essencial a existência de um modelo teórico14 que considere a seqüência histórica dos efeitos de uma economia extrativa, ou seja, uma economia que depende da extração de seus recursos naturais, vis-à-vis à de uma economia produtiva, cuja base econômica está fundamentalmente assentada na transformação desses recursos naturais. O Quadro 2 , a seguir, é uma tentativa de síntese dos aspectos básicos dessas economias no que se refere a participação de trabalho na formação do valor, ao comportamento em relação aos ciclos econômicos, à trajetória da escala de produção, à distribuição espacial da indústria, aos recursos humanos, à formação de encadeamentos e outros, conforme a perspectiva de Bunker (1988) .

14

elementos comparativos

economias extrativas economias produtivas

Participação de trabalho e capital na formação do valor

baixa Alta

Comportamento em relação aos ciclos econômicos

Auge e colapso (boom and

bust). É possível neutralizar os extremos. Trajetória da escala de produção O aumento da escala de produção provoca aumento de preço dos fatores e estimula o desenvolvimento de substitutos, já que os custos unitários tendem a subir.

O aumento da escala de produção reduz o preço dos fatores e os custos unitários tendem a cair, estimulando o maior consumo do produto.

Distribuição espacial da indústria

Próxima às fontes dos recursos naturais que serão explotados, onde não há externalidades positivas.

Próxima às outras indústrias, que compartilham os custos de infra-estrutura, gerando externalidades positivas e economias de escopo.

Recursos humanos Dificuldade para recrutar

mão-de-obra qualificada.

Mão-de-obra qualificada é facilmente recrutável. Geração de

encadeamentos locais

Poucos. A atividade extrativa gera enclaves.

Muitos encadeamentos. Organização

socioeconômica

Dependente e desarticulada. Economias socialmente articuladas.

Regime de posse da terra e de acesso aos recursos

Importância excessiva. Importância normal.

Papel do Estado Burocracia custosa,

irracionalidades e falhas na intervenção do Estado central nas periferias.

Burocracia moderna, formada por agências especializadas.

Razões da falha/êxito do Estado A exigüidade dos encadeamentos políticos e econômicos e a instabilidade demográfica e infra-estrutural impedem a participação e administração racional do Estado. Além do que não há suficiente oferta energética.

O oposto das economias extrativas.

Dinâmica populacional Sua distribuição limita, ao invés de melhorar, as forças de produção.

O oposto das economias extrativas.

Quadro 2: Economias extrativas e economias produtivas, segundo Bunker

Fonte: baseado em Bunker (1988)

A partir da leitura do quadro acima, fica explícito que, na visão de Bunker (1988), as peculiaridades dos arranjos econômicos, políticos e sociais das economias extrativas as tornam muito mais frágeis e vulneráveis em termos econômicos, institucionais, sociais e ambientais do que as economias produtivas.

No caso das economias extrativas exportadoras, denominadas por Bunker (1988) “desarticulação dependente”, a situação se agrava, por causa da razão trabalho/capital na

composição final do valor ser extremamente baixa. Na fase inicial da produção, essa baixa razão pode induzir um rápido crescimento da renda nacional. Entretanto, esse processo pode ser seguido por um colapso igualmente rápido, na medida em que os recursos facilmente acessíveis se esgotem e requeiram incrementos adicionais de trabalho e capital, sem o correspondente incremento no volume e no valor da produção. O rápido aumento no custo de extração geralmente estimula a pesquisa de substitutos ou de novas fontes de oferta. Ambas as alternativas provocam profundas fraturas na economia da região exportadora. Essa situação é potencializada pela drenagem da energia das economias extrativas para as economias produtivas, agravando a situação das primeiras.

No caso das economias extrativas, Bunker (1988) estabelece ainda uma subcategorização - “periferia extrema”. Nela as condições citadas acima são ainda piores. Nessas “periferias extremas de base extrativa”, é muito baixa a proporção de trabalho e de capital incorporado no valor total da produção, por causa do nível restrito de conexão com outras atividades econômicas e organizações sociais. Mesmo quando os custos da ampliação da escala se elevam, acrescenta Bunker, ainda assim compensa aumentar a escala de produção, uma vez que esses custos representam uma parcela ínfima dos preços finais. Para ele, esse é, por excelência, o caso da produção de commodities minerais.

As economias extrativas provocam o empobrecimento do ambiente do qual as populações locais dependem para sua própria reprodução e para a extração de commodities para o mercado exportador. Bunker (1988, p. 25) adverte que quando um sistema extrativo responde ao crescimento da demanda externa, ele tende a se empobrecer, por três principais razões: 1) pelo esgotamento dos recursos não-renováveis; 2) pela extração dos recursos renováveis para além da sua capacidade de regeneração e, 3) pelo estímulo ao desenvolvimento de sintéticos ou alternativas cultiváveis em outras regiões, em função da brusca alta dos custos unitários da extração material.

Nas economias produtivas, por sua vez, como os empreendimentos ficam localizados próximos uns aos outros, os custos de transporte, de comunicação e de transmissão de energia são rateados entre várias empresas. Novas empresas podem iniciar suas atividades sem ter de assumir os custos totais da infra-estrutura que ela requer. As populações atraídas para esses locais fornecem força de trabalho que pode ser facilmente mobilizada entre as empresas com diferentes taxas e direções de crescimento.

Enfim, para Bunker (1988), as economias extrativas geram configurações próprias em termos de dinâmica populacional, econômica, de infra-estrutura e do conseqüente potencial de desenvolvimento que provocam sérias desarticulações demográficas,

ambientais e infra-estruturais, sem produzir a contrapartida do desenvolvimento socioeconômico. Tudo isso é agravado devido à natureza efêmera dessas economias extrativas, que não possibilitam a formação de organizações sociais e políticas que contribuam para reverter essa situação. Para Bunker (1988), é um fato irreversível a impossibilidade de desenvolvimento Amazônico. Ele afirma que:

De toda a energia extraída durante a longa história amazônica de suprimento de commodities para o mercado mundial, muito pouco foi incorporado em projetos duradouros e valorosos de organização social e de infra-estrutura física, e nem há perspectivas de que isso vá ocorrer no futuro. Pelo contrário, a Bacia Amazônica é uma das áreas mais pobres do mundo e o sistema econômico e social do qual muitos de seus habitantes dependem está seriamente ameaçado pela desestruturação ou extinção. O empobrecimento tende a continuar a despeito e, em muitas instâncias, por causa dos próprios programas governamentais. (BUNKER, 1988, p. 55).

Bunker (1988) critica as teorias tradicionais pelo excesso de importância dada às variáveis econômicas. As suas idéias parecem fortemente influenciadas pelos conceitos da termodinâmica introduzidos no campo econômico por Georgescu-Roegen’s:

[...] matéria e energia, os componentes essenciais da produção, não podem ser criados, apenas transformados, e cada transformação eleva a entropia, ou seja, transforma energia livre em energia humanamente inutilizável. (Georgescu-Roegen’s apud Bunker, 1988, p. 32).

No entanto, Bunker (1988) não incorpora, de fato, essas dimensões no seu modelo teórico de “modo de extração”. Os seus principais marcos analíticos estão ancorados nas esferas econômica (mercado, custo, preço, escala de produção) e política (burocracia estatal, direcionamento das políticas públicas). O seu conceito “modo de extração” se baseia nas condições concretas de reprodução da vida material e, portanto, nos aspectos ligados à operacionalidade da produção, às condições de mercado e outras variáveis econômicas, conforme ele mesmo destaca: “eu proponho que diferentes níveis de desenvolvimento regional resultam da interação entre mudança na demanda do mercado global por commodities específicas e a reorganização local dos modos de produção e extração”. (BUNKER, 1988, p. 21).

Bunker (1988) reconhece que as sociedades humanas dependem de uma combinação de valores naturais e de trabalho complexa e variável. A energia, como uma medida, pode ser aplicada para a mensuração de ambos os tipos de valores, por possibilitar simplificá-los a um denominador comum. No entanto ele admite que:

É forçoso reconhecer que não é possível a realização de um cálculo unidimensional do valor e que a manutenção da vida humana no longo prazo depende do processo de transformação de energia, ao qual nós ainda não estamos bem atentos. Ainda não podemos mensurar todo o

complexo processo de troca de energia na cadeia biótica que forma o ecossistema do qual participamos. (BUNKER, 1988, p. 36).

Bunker pretendeu apresentar uma teoria unificada que abarcasse todas as especificidades de uma economia extrativa. No entanto, dependendo do tipo de recurso natural extraído - renovável ou não-renovável - há diferenças profundas na estruturação econômica, ambiental, social e política em que são geradas. No caso das jazidas minerais, por exemplo, o aumento da escala de produção provoca queda nos preços unitários. Isso contraria um dos pilares de sua tese a respeito da dinâmica das economias extrativas de que o aumento da escala tende a elevar os custos unitários de produção e gerar substitutos.

A sua perspectiva de que as economias extrativas são efêmeras e inviáveis, nem sempre parece coincidir com a realidade. Ele cita o Alaska como um território, baseado em economia extrativa, cuja proteção social e redes de bem-estar são realizadas com muito menos sucesso do que em outras regiões dos EUA (BUNKER, 1988, p. 29). Essa análise não condiz com a articulação institucional criada para o tratamento das rendas petrolíferas e a conseqüente preocupação com a eqüidade intergeracional que se observa naquele Estado norte-americano (ENRÍQUEZ, 2006).

O engessamento em duas categorias – “economias extrativas” e “economias produtivas” - parece minimizar a importância do processo histórico e da trajetória das economias que hoje fazem parte do centro hegemônico, pois elas já foram economias extrativas. Economias como o Canadá, a Austrália, além do próprio EUA, embora tenham desenvolvido outras formas produtivas de maior valor agregado, ainda mantêm uma forte base extrativa e, em muitos casos, ainda são altamente competitivas no mercado internacional de commodities. O que faz com que, naquelas economias, extrair commodities seja uma atividade socialmente importante e, via de regra, estimulada pelos próprios governos? Por que nas regiões periféricas a extração de minérios está, ao contrário, associada ao atraso e ao subdesenvolvimento? É provável, portanto, que as respostas a esses questionamentos não estejam apenas na natureza da base extrativa ou produtiva, mas sim em outras esferas.

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 62-67)

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