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Sustentabilidade forte e a inadequação do critério de eficiência

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 88-92)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.5 AS PROPOSTAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.5.2 Sustentabilidade e suas derivações

1.5.2.3 Sustentabilidade forte e a inadequação do critério de eficiência

Os defensores do primado da sustentabilidade forte usam dois conjuntos de argumentos para se contrapor às receitas sugeridas pela sustentabilidade fraca, de acrodo com Faucheux & Nöel (1995, p. 335):

1) há incertezas a respeito dos principais indicadores apresentados pela escola da sustentabilidade fraca, quais sejam: valor de elasticidade de substituição, taxa de progresso técnico e valor da renda de escassez;

2) existe uma assimetria fundamental entre o capital manufaturado e o capital natural no que se refere à irreversibilidade do seu uso.

A sustentabilidade forte incorpora uma aversão à incerteza e uma preferência pelo “princípio da precaução” nas tomadas de decisão sobre questões que envolvam o uso de recursos naturais e ambientais. Essa preferência por opções mais prudentes visa permitir a preservação dos potenciais de escolha das futuras gerações. (FAUCHEUX & NÖEL, 1995, p. 336).

As principais teorias representantes dessa abordagem são 1) as interpretações conservacionistas - Herman Daly (1985, 1996, 1997) e Cleveland e Ruth (1997) - e 2) as análises da Escola de Londres – Pearce & Atkinson (1992).

A primeira visão defende a manutenção do estoque de capital natural (estado estacionário), para essa corrente é importante desenvolver indicadores de sustentabilidade não-monetários, baseados em medidas físicas materiais e energéticas24. Essa percepção não aprofunda a discussão a respeito das implicações das propostas de taxas de crescimento econômicos e demográficos nulas.

As hipóteses de modelo de desenvolvimento sustentável de Daly apud Faucheux & Nöel (1995, p. 337) são as seguintes: 1) a taxa de desconto é nula, pois o direito das gerações futuras é o mesmo das gerações presentes; 2) a elasticidade de substituição entre o capital reprodutível e o capital natural é nula, já que as funções de produção têm fatores complementares e não substitutos (o capital manufaturado não é independente do capital natural, pois este cumpre as funções de sobrevivência que não podem ser substituídas pelo capital manufaturado, por exemplo, a camada de ozônio). A tese essencial de Daly é que nos encontramos em um mundo onde o fator limitador já não é mais o capital criado pelo homem, mas sim o capital natural; 3) O progresso técnico apenas pode ter impactos extremamente limitados no que respeita ao capital natural; 4) Os preços das rendas de escassez não têm qualquer significado; em matéria de gestão de capital natural, o mercado deve ser substituído por instituições encarregadas de regulamentar o seu uso e de elaborar indicadores biofísicos; 5) O desenvolvimento sustentável é definido como o desenvolvimento máximo que pode ser atingido sem diminuir os ativos de capital natural da nação, que são os seus recursos de base.

Cleveland & Ruth (1997, p.158) seguem os preceitos de Georgescu-Roegen’s e sua devastadora crítica aos fundamentos da economia convencional. Para esses autores, a substituição entre o capital natural e capital construído pelo homem deve ser restrita devido ao pouco conhecimento do papel desempenhado pelos serviços ecossistêmicos. O atual nível de desenvolvimento tecnológico é também insuficiente para fazer face à depleção dos os recursos não-renováveis como os combustíveis fósseis, por exemplo; as tecnologias renováveis que têm sido saudadas como uma panacéia, muitas delas não passam nos testes rudimentares de energia líquida e exigências ambientais. Essa visão é compartilhada pela escola da Economia Ecológica, que será vista a seguir.

24 Esse tipo de proposição encontra total amparo nos fundamentos da segunda lei da termodinâmica.

De acordo com essa lei, o processo econômico é considerado como uma transformação contínua da baixa entropia em direção à alta entropia. Isto significa que toda a energia utilizada pelo sistema econômico reaparece inevitavelmente após a produção, sob uma forma degradada (fumaça, cinzas, resíduos, lixo etc.), ou seja, enquanto poluição. Daí o interesse em recorrer a indicadores energéticos a fim de monitorar simultaneamente o esgotamento da energia e das matérias-primas e a criação de desperdícios pelo sistema econômico. (FAUCHEUX & NÖEL,1995, p. 347)

Esses autores, todavia, fazem concessão para o caso dos países pobres, conforme pode-se contstatar pelas declaraçãoes de Daly (Box 2).

BOX 2 - O pensamento de Herman Daly

De acordo com Daly (1996), “é impossível à economia mundial crescer sem pobreza e degradação ambiental. Por outras palavras, o crescimento sustentável é impossível”. Para ele é “politicamente muito difícil admitir que o crescimento, com as suas quase religiosas conotações de bem supremo, tenha de ser limitado. Mas é precisamente a não-sustentabilidade do crescimento que torna premente o conceito de desenvolvimento sustentável”. Para Daly (1996) crescimento “significa aumentar naturalmente no tamanho, com a adição de material, através da assimilação ou aumento”; já desenvolvimento “significa expandir, ou realizar o potencial de: fomentar gradualmente para um estádio mais pleno, maior, ou melhor,”. Acrescenta que “quando alguma coisa cresce, fica maior. Quando algo se desenvolve, fica diferente!”. Dessa forma, a proposta de desenvolvimento sustentável é uma adaptação cultural feita pela sociedade à medida que se percebe a emergente necessidade de não-crescimento.

Muito embora as análises de Daly estejam associadas à propagação das idéias de crescimento zero ou mesmo de decrescimento econômico, ele tem uma visão bastante realista a respeito das assimetrias do desenvolvimento global e da necessidade de crescimento econômico das regiões pobres do mundo. Isso ficou bem evidente no seu clássico discurso, quando abandonou a carreira de economista-chefe do Banco Mundial, em 1994. Nesse discurso, Daly oferece quatro recomedações para que o Banco Mundial consiga ser um agente difusor do desenvolvimento sustentável. São as seguintes as suas recomendações (DALY, 1997):

Não considerar como receita o consumo do capital natural. Contabilizar o capital natural como um bem gratuito pode ter feito algum sentido no mundo vazio de antigamente, mas no planeta “cheio” de hoje isto é claramente anti-econômico.

2 - Taxar menos o trabalho e a receita e taxar mais o fluxo de recursos naturais. O sistema atual incentiva as empresas a diminuírem o número de empregados e substituir mais capital e fluxo de recursos enquanto for possível. Seria melhor economizar no fluxo dos recursos, pelo alto custo externo do seu próprio esgotamento e por causa da poluição gerada e, ao mesmo tempo, utilizar mais mão-de-obra, pelos benefícios sociais decorrentes da redução do desemprego. Ao mudar a base de impostos em direção ao fluxo de recursos, induz-se uma maior eficiência neste fluxo e internaliza-se, ainda que grosseiramente, as externalidades da exaustão destes recursos e da poluição. Esta mudança deveria, antes de mais nada, ser iniciada nos países do Norte. De fato, o próprio desenvolvimento sustentável deveria ser estabelecido em primeiro lugar nestes países. É um absurdo esperar qualquer sacrifício em direção à sustentabilidade no Sul se medidas similares não

tiverem sido tomadas no Norte. A maior fraqueza do Banco, ao propalar o desenvolvimento sustentável, é que ele só tem

influência no Sul, não no Norte. O Banco deve achar alguma forma de afetar o Norte também. Os países nórdicos e a Holanda já começaram a serem afetados.

3 - Maximizar a produtividade do capital natural no curto prazo e investir no aumento de seu suprimento no longo prazo. Para obter recursos renováveis e não-renováveis, é necessário investimento para fortalecer a produtividade do fluxo de recursos. Aumentar a produtividade dos recursos é também um bom substituto para novas descobertas de depósitos. A incapacidade do Banco de cobrar dos usuários os custos do capital natural certamente desestimula investimentos em projetos de recuperação desse capital natural.

4 - Abandonar a ideologia de integração econômica global pelo livre comércio, livre mobilidade de capital e crescimento baseado na exportação, em favor de uma orientação mais nacionalista, que procure desenvolver produção doméstica para mercados internos como primeira opção, recorrendo ao comércio internacional quando isso for claramente muito mais eficiente.

Um dos principais representantes da Escola de Londres é David Pearce (1992). Essa escola teve o mérito de avançar na proposição de articular a preservação ambiental às

exigências do crescimento econômico. Porém, seus resultados podem conduzir tanto à recomendação prescrita pela sustentabilidade fraca como aos preceitos da sustentabilidade forte.

A Escola de Londres admite a substituição entre os recursos naturais e outras formas de capital (manufaturado e humano); porém, reconhece que há limites para esta substituição, por causa da “multifuncionalidade”25 do “capital natural não-mercantil”26 e da escala do prejuízo potencial que essa substituição gera (reversível ou irreversível).

O capital natural, cuja degradação é reversível e se manifesta em pequena escala, pode ser tratado por intermédio de critérios tradicionais de eficiência econômica. Mas, para aqueles capitais cujo uso gera irreversibilidade e atinge grande escala, deveria haver limitação prévia. É nesse sentido que a Escola de Londres defende a necessidade da preservação de um limite mínimo de “capital natural crítico”.

A hipótese de substituição entre capital manufaturado e capital natural é considerada pertinente quando as funções econômicas e produtivas do capital natural estão relacionadas. Todavia, quando as funções sobrevivência do capital natural estão em jogo, esta hipótese deve ser abandonada em proveito da complementaridade. (FAUCHEUX & NÖEL, 1995, p. 360).

A partir dessa proposição, emerge a questão de saber qual o limite de capital natural crítico que deve ser mantido, uma vez que os critérios provenientes tanto da sustentabilidade fraca quando da sustentabilidade forte não oferecem respostas adequadas. Para a Escola de Londres, o “capital natural crítico deve estar submetido às normas mínimas de salvaguarda”, que se exprime por três “barreiras ecológicas”, são elas: 1) a taxa de utilização dos recursos naturais renováveis não pode exceder a sua taxa de renovação; 2) os recursos exauríveis devem ser extraídos a uma taxa que permita a sua substituição por recursos renováveis; e 3) as emissões de desperdícios devem ser inferiores à capacidade de assimilação do meio. Os modelos existentes (FAUCHEUX & NÖEL, 1995, p. 362 - 365) revelam que apenas os critérios de eficiência de mercado não permitem o alcance da sustentabilidade.

25 Um mesmo recurso pode exercer funções econômicas, recreativas, biológicas, de tratamento da

poluição etc. Um exemplo disso é um riacho. O progresso técnico não pode se aplicar uniformemente a todas essas funções.

26 O capital natural pode também ser classificado como: mercantil (há um mercado definido) e não-

mercantil (não há um mercado definido). Essa classificação pode contribuir para hierarquizar o grau de substituição entre eles. Por exemplo, pode-se substituir petróleo por álcool, mas não há um substituto para a camada de ozônio.

A principal crítica feita à Escola de Londres é de que ela não dedicou atenção necessária aos problemas da medida do estoque de capital natural crítico a ser preservado. Segundo David Pearce e sua equipe,

[...] a medida física do estoque de ativos naturais é problemática devido à dificuldade que existe em homogeneizar unidades de medidas físicas heterogêneas. Efetivamente, é difícil associar quantidades físicas expressas em unidade diferentes. Por exemplo, se o estoque de madeira aumentar, ao mesmo tempo que as reservas de petróleo diminuírem, como é que se pode afirmar que o estoque de ativos naturais aumentou, diminuiu

ou permaneceu o mesmo? De igual modo, se as emissões de CO2

diminuírem enquanto as de SO2 aumentarem, como é que se pode afirmar

que o estado do meio ambiente melhorou, se degradou, ou permanece o mesmo? (PEARCE apud FAUCHEUX & NÖEL, 1995, p. 366)

Dadas essas dificuldades, uma alternativa possível é a avaliação monetária. No entanto, esta recai no mesmo receituário da sustentabilidade fraca e dissocia a fixação dos objetivos ambientais, determinada em termos físicos, dos meios necessários para alcançá- los. Nesse sentido, de acordo com Faucheux e Nöel (1995, p. 367), o quadro do modelo de desenvolvimento sustentável da Escola de Londres oscila em torno de duas possibilidades:

1. se as barreiras incidentes sobre o capital natural crítico são determinadas unicamente em termos físicos, então haverá uma tendência para a sustentabilidade forte;

2. se as barreiras incidentes sobre o capital natural crítico são determinadas unicamente em termos econômicos, então haverá uma tendência para a

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 88-92)

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