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Determinação e uso das rendas minerais: o calcanhar de aquiles das economias de base mineira

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 133-138)

51 SACHS, J D & WARNER, A M op cit

2.3.1 Determinação e uso das rendas minerais: o calcanhar de aquiles das economias de base mineira

Bomsel (1992) estudou 15 países de base mineira (minerais não-energéticos). O critério de seleção foi o peso no total das exportações nacionais ser maior de 40%. Com base nesse estudo, ele afirma categoricamente que os países exportadores de bens minerais (Marrocos, Mauritânia, Papua Nova Guiné, Guiana, Peru, Bolívia, Togo, Chile, Jamaica, Libéria, Botswana, Nigéria, Zaire, Guiné, Zâmbia e Suriname) são menos diversificados, mais endividados e apresentam menor renda per capita do que grandes países em desenvolvimento (Índia e Brasil) ou que países de base mineira industrial (Austrália ou África do Sul). A razão para esse quadro sombrio resulta do mau uso dos rents, ou rendas minerais. Bomsel define renda mineral como:

[...] renda econômica é o excedente obtido pelos fatores de produção que vai além do mínimo ganho necessário para induzir o seu emprego. Renda mineral, portanto, é o excedente obtido com um depósito mineral além do mínimo ganho requerido para atrair o capital e outros fatores de produção

necessários para desenvolver e explotar um depósito. (BOMSEL, 1992, p. 62).

Para Bomsel (1992), o excedente surge porque as commodities minerais são comercializadas no mercado internacional a um preço que reflete o equilíbrio entre a oferta e a demanda, e não os custos de produção. Os custos de produção, por sua vez, variam de acordo com a escolha das técnicas de extração e com a qualidade das jazidas.

A renda mineral pode ser dividida em dois componentes: 1) a diferença entre os preços de mercado e os custos de produção (considerado o mais alto custo do produtor marginal); 2) a diferença de custos entre os produtores. Portanto, a renda mineral pode variar de negativa a muito elevada. Em 1988, por exemplo, quando o preço do cobre estava a US$ 1,30 por libra, a renda mineral do Chile era de aproximadamente US$ 0,80 por libra; já em Zâmbia, a renda era de apenas US$ 0,30 por libra. Essa diferença profunda refletia a qualidade diferencial das jazidas.

Bomsel (1992) considera a renda mineral como uma transferência do consumidor para o produtor. A magnitude dessa transferência depende, além da qualidade das jazidas, da eficiência com que os depósitos são desenvolvidos e efetivamente utilizados. Para Prébisch e Singer apud Bomsel (1992), os ganhos de produtividade obtidos pela mineração, ou por outro produto primário qualquer, são em grande parte transferidos para os consumidores, sob a forma de baixos preços, possibilitados pelos ganhos do setor exportador.

Para Bomsel (1992, p. 65), o desenvolvimento econômico nos países mineradores depende da geração e do uso das rendas mineiras. Mesmo nos casos das minas que estão nas mãos do setor privado, o Governo tem um papel crítico: ele determina o regime fiscal e a legislação mineira que decide a magnitude e a partilha das rendas, além das regras de alocação e distribuição das rendas mineiras no âmbito do setor público.

Mais do que a determinação do montante da renda mineral, é o uso que se faz dessas rendas o ponto mais nevrálgico sobre as possibilidades de desenvolvimento de uma região de base mineira. Autores clássicos da área da economia dos recursos não- renováveis, como Hartwick57 (1975), por exemplo, defendem a tese de que as rendas minerais devem ser usadas em investimentos que gerem riqueza alternativa, para substituir o patrimônio mineral esgotável. Hartwick demonstra que o custo de uso, ou renda da

57 John Hartwick virou referência no tema da reinversão das rendas mineiras em recursos

reprodutíveis com o artigo Intergenerational equity and the investing of rent from exhaustible

escassez, resultante da extração dos minerais, deve ser reinvestido em outras formas de capital, com a finalidade de manter o nível de produção econômica e, assim, preservar o nível de bem-estar social já adquirido. Na mesma linha de argumentação, Sollow (1993) enfatiza que se “sustentabilidade” é algo mais que uma “expressão emotiva”, a sua proposta deve estar relacionada à preservação da capacidade produtiva para um futuro indefinido. Isso só seria compatível com o uso de recursos não-renováveis se toda a sociedade substituísse o uso desses recursos por algo distinto.

Eggert (2000) ressalta que, do ponto de vista da sustentabilidade econômica, a efetiva contribuição da atividade mineral depende, a) da riqueza mineral gerada; b) do reinvestimento em outras atividades para a manutenção do nível de bem-estar social, quando a atividade mineral se encerrar; e c) das políticas governamentais para controle dos potenciais efeitos macroeconômicos negativos.

Seguindo os preceitos de Hartwick (1975), Mikesell (1994) propõe a reinversão anual do capital mineral exaurido em capitais reprodutíveis e em tecnologias. Para ele, as rendas de um projeto mineral são as receitas da venda do minério menos os custos com a mão de obra e com capital associados ao projeto. Poupando uma parcela da renda mineira anual líquida e acumulando um determinado montante anual a uma taxa de juros compostos, pode ser criado um fundo suficientemente grande para garantir às futuras gerações uma receita líquida equivalente às rendas minerais, mesmo após a exaustão da mina. Para tanto, será necessário apenas poupar e reinvestir o valor presente dessa receita líquida anual, mas desde que as futuras gerações não necessitem fazer retiradas do fundo antes da exaustão das reservas minerais. Se toda a receita líquida anual for poupada e acumulada a uma taxa de juros compostas, a geração presente não receberá rendas líquidas da mineração e as gerações futuras herdarão uma soma de capital muito maior do que a recebida pela atual geração.

Para determinar o montante da renda mineral que deve ser poupada e reinvestida anualmente, Mikesell (1994) parte do conceito de renda líquida, de acordo com o cálculo proposto por El Serafi, no qual:

R = renda líquida anual do proprietário do depósito mineral X = componente renda mineral (receitas menos custos)

R – X = componente exaustão do capital. É a parcela que deve ser poupada e reinvestida; equivale ao valor presente líquido de R.

Assim:

R – X = R/(1 + r)n => onde r é a taxa de juros e n é vida útil da reserva mineral, medida em número de anos.

Dessa forma:

X = R - R/(1 + r)n

Então, o valor presente líquido (VPL), que deve ser investido anualmente, é expresso pela seguinte fórmula:

R (1 – (1/(1 + r)n ) = R – (R/ (1 + r)n ) = X

onde o valor presente de R por ano, a taxa r por n anos, é igual a X/r. Esse montante permitirá gerar uma renda anual perpétua de X, quando as reservas minerais estiverem exauridas. Assim, o valor do capital dos depósitos mineraisé mantido ao longo do tempo58.

Quanto maior a vida útil da jazida e quanto maior a taxa de juros, menor será a proporção de R necessária para poupar. Essa proporção declina rapidamente com o aumento da vida útil da reserva, n. Se n é 50 anos e se as outras variáveis permanecem estáveis, a proporção que deve ser poupada anualmente diminui. Quanto ao preço que dever ser adotado para o cálculo de R, se o preço atual de mercado ou algum preço futuro esperado, o autor sugere considerar o preço corrente ou o preço médio dos três últimos anos.

Mikesell (1994) indaga: como ter certeza que R – X será poupado e reinvestido a cada ano de forma que n nunca se aproxime de zero e que os preços dos minerais não disparem? Para ele, a maioria das companhias mineradoras quer preservar o seu capital para permanecer no negócio. Portanto, elas devem poupar, a cada ano, o suficiente para manter o valor do capital de seus ativos, ao invés de pagar aos seus stockholders quantias que se traduzem na exaustão da reservas.

Para o vice-presidente do International Financial Corporation (IFC59), organização financeira vinculada ao Banco Mundial, “o manejo das rendas dos recursos naturais, em geral, e do petróleo, em particular, tem emergido como uma questão-chave para o

58 Mikesell (1994) apresenta um exemplo numérico, a fim de facilitar o entendimento. Se: R =

U$250.000 por ano

Vida útil (n) = 20 anos R (taxa de juros) = 10%,

Aplicando a fórmula acima, verifica-se que: O valor R por 20 anos é de U$2.130.000 R – X , ou R/ (1 + r)n = U$37.000 A renda anual X é de = U$213.000

Portanto, o valor que deve ser poupado e reinvestido anualmente, à taxa de juros de 10% por 20 anos, R –X, é igual U$2.100.000, possibilitando uma renda perpétua de U$213.000.

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World Bank. Petroleum Revenue Manegement Workshop.Washington (DC): March, 2004

desenvolvimento”. O bom ou mau uso das rendas pode ser o divisor de águas entre um quadro de pobreza no meio da abundância de recursos (paradox of plenty) e uma perspectiva sustentável de desenvolvimento. No entanto, acrescenta que o bom gerenciamento das rendas mineiras está condicionado a diversos pré-requisitos, entre os quais a capacidade institucional, considerado o fator decisivo. Esta, na sua visão, depende da boa governança.

Para incentivar a boa governança, o Banco Mundial tem exigido em suas linhas de financiamento programas de ajuda à criação e ao fortalecimento de capacidade institucional. O BM recomenda também que as companhias mineradoras deixem totalmente transparentes as contribuições, auxílios, taxas e impostos que repassam aos cofres públicos. Essa atitude é considerada uma prática sustentável que deve ser premiada pelos organismos financeiros e incluída nos critérios de elegibilidade de financiamento.

O Quadro 9 sintetiza as principais recomendações de práticas sustentáveis incentivadas pelo Banco Mundial para diferentes grupos de interesse em torno da mineração.

agente recomendações do

Banco Mundial Argumento

tipo de prática sustentável Companhias Mineradoras Deixar plenamente transparentes todos os repasses feitos aos Governos.

Induzir novos níveis de responsabilidade. Transparência no pagamento. Governos Construir instituições fortes. Implementar regulação ativa. Induzir a responsabilidade no uso das rendas

minerais e sistemas de regulação eficientes.

Transparência no recebimento e no gasto. Prestação de contas das rendas mineiras separada de outras fontes.

Comunidades Locais

Fortalecer as comunidades locais para que elas entendam os mecanismos de receitas e despesas públicas.

Envolver a sociedade civil no bom uso das rendas. Monitorar as contas públicas. Agências de Financiamento Transformar o financiamento em um instrumento efetivo de combate à pobreza. Induzir práticas sustentáveis. Vincular a concessão de empréstimos - tanto para o setor público quanto privado – às práticas sustentáveis.

Quadro 9: Recomendações de práticas sustentáveis feitas pelo Banco Mundial quanto ao uso da rendas mineiras

Fonte: World Bank (2004)

Conceitos como “capacidade institucional” e “boa governança” têm sido amplamente adotados como importantes ingredientes para uma estratégia de desenvolvimento

sustentável, mas muitas vezes eles são destituídos de seu real significado. Por conseguinte, as recomendações baseadas neles são frágeis. É correta a percepção do Banco Mundial de que boas instituições são pré-condições para a prática de boas políticas. No entanto, qual o significado e a melhor forma de construir instituições governamentais fortes? Conforme verificado na seção 1.4, essa questão é o foco na análise institucionalista. Ela conduz a dois tipos de respostas: 1) boas instituições dependem de capital social que, por sua vez não se forma do dia para a noite, é produto da história (explicação de longo prazo) e 2) não se sabe exatamente como se dá essa trajetória no curto prazo.

Nesse sentido, as iniciativas do Banco Mundial são válidas, mas estão longe de ser “a” solução. O desenvolvimento sustentável, conforme afirma Boisier é, acima de tudo, uma “emergência sistêmica”, pois muitas forças se conjugam para a sua materialização.

2.3.2 Reforçar e adicionar valor às comunidades mineiras, historicamente

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 133-138)

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