• Nenhum resultado encontrado

A “quadratura do círculo” e o “prodequisus”, em Altvater

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 67-71)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.3.6 A “quadratura do círculo” e o “prodequisus”, em Altvater

Em contraposição aos que defendem a idéia de que grandes teorias sobre desenvolvimento tornaram-se obsoletas e que se deve privilegiar pequenos estudos de caso comparativos (“resignação teórica”), Altvater (1995, p. 17) defende a tese da imprescindível necessidade de seguir a linha da “grande teoria”. Ao menos, se deve apreender o panorama

social mundial que é objeto das propostas de projetos de desenvolvimento e de política ambiental, pois, para Altvater “a ignorância teórica é articulada à arrogância prática”.

Altvater (1995, p. 295) rejeita as teses, muito comuns no debate ambiental e nas propostas de políticas de desenvolvimento, de que a miséria, a falta de eficiência e de participação ou a ausência de instituições da sociedade civil seriam responsáveis pelos danos ao meio ambiente. Para ele a pobreza é apenas o reverso da afluência e as “relações caóticas” constituem somente o outro lado da coerência e da ordem.

Embora as teses de Altvater revelem forte influência marxista e do paradigma da termodinâmica, ele considera que as atuais teorias não podem simplesmente remeter às categorias tradicionais, ou ampliá-las ‘trans e interdisciplinarmente’.

Ao contrário, impõe-se a formação de um novo discurso, a produção teórica de novas distinções, apropriadas para ordenar a multiplicidade dos processos de desenvolvimento no fim do século XX, possibilitando sua reprodução categorial. A questão ecológica é uma questão social; e hoje a questão social pode ser elaborada adequadamente apenas como questão ecológica. (ALTVATER, 1995, p. 18)

Altvater vê com bastante ceticismo a possibilidade de regiões periféricas trilharem uma rota de desenvolvimento e, ainda por cima, sustentável. Para ele, desenvolvimento significa industrialização15, e

[...] sistemas industriais não constituem apenas artefatos técnicos que podem ser levados de um local a outro pela transferência de tecnologia (...) são complexos modos técnicos, sociais, econômicos, culturais, políticos e ecológicos de regulação e produção, em cada região, no espaço nacional e no sistema global em conjunto. (ALTVATER, 1995, p. 25-26).

Altvater (1995, p. 28) reforça a idéia de que a industrialização é um “bem oligárquico”16. Nesse sentido, as sociedades industriais só podem ter as benesses que usufruem, enquanto o mundo não-industrializado assim o permanecer.

15

Essa visão é totalmente questionada por Giovanni Arrighi, para o qual “essa conceituação se baseia num número de suposições extremamente questionáveis, tanto por razões apriorísticas quanto históricas. A primeira suposição questionável é que ‘industrialização’ é o equivalente de ‘desenvolvimento’ e que o ‘núcleo orgânico’ é o mesmo que ‘industrial’. É interessante que essa suposição atravesse a grande linha divisória entre as escolas da dependência e da modernização. Para ambas as escolas, “desenvolver-se” é “industrializar-se”, por definição. Desnecessário dizer, as duas escolas discordam vigorosamente a respeito de como e por que alguns países se industrializaram e outros não, ou se desindustrializaram, mas a maioria dos profissionais aceita como verdadeiro que desenvolvimento e industrialização são a mesma coisa” (ARRIGHI, 1997, p. 208)

16 A distinção entre riqueza “democrática” e “oligárquica” é atribuída a Roy Harrod (1958) apud Arrighi

(1997, p. 216). Para ele, “a riqueza democrática é o tipo de domínio sobre os recursos que, em princípio, está disponível para todos, em relação direta com a intensidade e eficiência de seus esforços. A riqueza oligárquica, em contrapartida, não tem qualquer relação, com a intensidade e

Portanto, segundo Altvater, é impossível universalizar o padrão de consumo que a sociedade capitalista afluente produziu no Norte, ordeiro, desenvolvido e industrializado, ao Sul, agrário, subdesenvolvido, desordenado e caótico. Para Altvater, esse padrão se baseia em um elevado consumo energético e material; precisa de sistemas de transformações eficientes e inteligentes e precisa realizar e organizar nesta base uma prática de vida ao estilo europeu-ocidental, com os correspondentes modelos ideológicos e de pensamento e instituições políticas e sociais reguladoras.

Nesses moldes, para Altvater, pensar em um desenvolvimento que seja compatível com o meio ambiente é uma quimera. As razões que ele aponta são: 1) qualquer estratégia de desenvolvimento, e, portanto, de industrialização, traz conseqüências para o meio ambiente, em todas as regiões do mundo; 2) os recursos naturais e ambientais se esgotam; e 3) a capacidade de suporte da Terra já está alcançando o seu limite. (ALTVATER, 1995, p. 25-29).

Assim, a possibilidade de um desenvolvimento sustentável é veementemente rejeitada por Altvater. Para ele, eficácia ecológica com justiça distributiva e eficiência econômica com base na alta produtividade do trabalho, eis de fato o que seria a quadratura do círculo. (ALTVATER, 1995, p. 304). A sua descrença quanto à perspectiva de uma ordem ao mesmo tempo ecológica, social e democrática vem da certeza da não-adoção, por parte da atual sociedade industrial, de princípios, tais como: igualdade, liberdade, participação, aproveitamento da sintropia, rejeição da entropia, diminuição do consumo de recursos naturais e de descarga de emissões tóxicas, entre outros, que caracterizariam uma sociedade moderna e de baixa entropia. Nesse sentido, para Altvater, conceitos como “ecodesenvolvimento” e “desenvolvimento sustentável” são apenas “fórmulas vazias” (ALTVATER, 1995, p. 282).

Altvater (1996, p. 284) criou o neologismo prodequisus (que é junção dos prefixos dos termos produtividade, eqüidade e sustentabilidade) para denominar a estratégia necessária à criação de uma estrutura social e econômica que considere as restrições sistêmicas que o desenvolvimento sustentável requer. Para ele, “o termo é tão improcedente lingüisticamente quanto o comportamento que pretende descrever ser de ‘difícil realização’ quando não simplesmente impossível”. O prodequisus é, portanto, a expressão do fracasso das teorias e estratégias tradicionais de desenvolvimento, pelas quais se esperava uma prosperidade (individual e social) e partir da industrialização (econômica) e da modernização

eficiência dos esforços de seus receptores e nunca está disponível para todos não importa quão intensos e eficientes são os seus esforços (...) Assim, a luta para conseguir riqueza oligárquica é, portanto, inerentemente auto-fracassada”.

(social e política). Altvater (1995, p. 308) admite que “o prodequisus pode ser até temporariamente bem sucedido, delimitado regional e nacionalmente, mas no plano global trata-se de um projeto estritamente impossível”.

Altvater reforça essa visão afirmando que, historicamente, sempre foi o descaso com a natureza que beneficiou a origem e a expansão capitalista, via o modelo fordismo, que, por sua vez, se baseia no esbanjamento de matérias-primas minerais e energéticas fósseis e no descarte de rejeitos gasosos, líquidos e sólidos. O fordismo forjou toda uma organização social, política e cultural que está profundamente enraizada nas aspirações dos povos, inclusive aqueles que estão nas regiões mais “miseráveis e caóticas da Terra”. Essa “superestrutura” tende a se propagar a despeito de pequenas mudanças na forma de produzir.

As teses deterministas de Altvater (1995), em alguns aspectos, se assemelham às de Bunker (1988). Ambos receberam influência do paradigma da termodinâmica e do marxismo. As economias extrativas de Bunker (1988) podem ser consideradas como as “ilhas de sintropia” de Altvater (1995). Só que, para Bunker, as economias produtivas encarnam a expressão do desenvolvimento, representam o que as economias extrativas não têm possibilidade de alcançar, por causa das peculiaridades de sua configuração. A análise de Altvater é sistêmica e para ele o processo de acumulação global implica que a melhoria de uma região somente possa ocorrer à custa da piora de outra região.

Nesse sentido, é impossível, na visão de Altvater, implementar estratégias de desenvolvimento das ricas regiões pobres, já que a pobreza é o reverso do que está ocorrendo com o lado da afluência. Não há espaço para que uma região periférica possa fazer algo em seu próprio benefício. Ela está inexoravelmente atada aos ditames do que ocorre com o lado “ordeiro”. Ela é reflexa, e não autora de seu destino.

A trajetória histórica e o acompanhamento dos indicadores de desenvolvimento mostram, de fato, um distanciamento cada vez maior entre o Norte e o Sul. No entanto, esse não é o foco de discussão desta tese, mas sim o da possibilidade de desenvolvimento de municípios cuja base produtiva depende da extração de minérios. Quanto a esse aspecto, Altvater até que faz uma concessão e considera factível que alguma região rompa as amarras do determinismo da lógica da acumulação global. Porém, ele afirma categoricamente que qualquer avanço isolado será provisório.

Não obstante a lucidez e a atualidade das críticas de Altvater, não apresenta alternativas para que as regiões periféricas (que abrigam “ilhas de sintropia”) conduzam o

seu processo de desenvolvimento. Para ele, a ecologia é política e, portanto, sua gestão deve ser tarefa do Estado. No entanto, ele afirma também que o Estado não está em condições de compensar o seu estrutural desconhecimento sobre as questões ecológicas. Assim, ele elimina, de antemão, qualquer possibilidade para enfrentar os graves problemas de ordem social, política, econômica e ambiental que a questão do desenvolvimento de economias dependentes da extração de minérios coloca.

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 67-71)

Outline

Documentos relacionados