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Desafios para a política de assistência social francesa a partir de 2002

Um dos desafios para a política de assistência social e ação social foi a falta de uma definição para a ação social e para o universo das intervenções sociais por elas desenvolvidas. A Lei 2002-2 procurou assentar as bases de uma renovação das ações no campo da “ação social e do médico-social” por meio da reorganização dos estabelecimentos e serviços nele envolvidos.

Essa lei redefiniu as práticas e os alcances das intervenções sociais. No que concerne ao objeto da ação social, o artigo L.116-1 do CASF 83 precisou que os objetivos dela são “promover a autonomia e a proteção das pessoas, a coesão social, o exercício da cidadania, assim como prevenir a exclusão e corrigir seus efeitos”. 84

Os cinco eixos principais fixados pela lei dizem respeito a:

• renovar o status dos estabelecimentos públicos;

• promover e definir os direitos dos usuários dos estabelecimentos médicos e sociais. A lei prevê que as pessoas usuárias desses estabelecimentos podem ter registro de acolhida, carta de direitos e deveres, contrato de estada, o regulamento de funcionamento do estabelecimento ou serviço, o projeto do estabelecimento ou do serviço, e participar no conselho de administração desses serviços ou estabelecimentos;

• definir a missão da ação social desenvolvida por esses estabelecimentos, assim como enquadrar uma nomenclatura dos serviços e os tipos de intervenção. A lei propôs uma definição para os objetivos de coordenação e cooperação, os objetivos de evacuação e da qualidade das prestações, assim como a definição das modalidades de organização;

• melhorar os procedimentos técnicos e de direção desses estabelecimentos. A lei propôs classificar os estabelecimentos segundo um esquema de acolhida temporária ou permanente, com ou sem alojamento, abertos, semi-abertos, que acolhem ou não

83 CASF : Code de l´Action Sociale et des Familles. (Código da Ação Social e das Famílias). Disponível em: www.legifrance.fr.

famílias. Também propôs diversificar os serviços pelo tipo de segmentos e introduziu novas categorias, como a de deficientes idosos, equipes móveis de atenção, serviços domiciliares, departamentos de coordenação terapêutica. Todos eles previstos em uma base legal explícita;

• instaurar uma coordenação entre os diferentes atores da ação social (prefeito, conselho local, nível nacional e estabelecimentos de ação social) para avaliar o esquema de organização desses estabelecimentos levando em conta: a natureza das necessidades, o resumo qualitativo e quantitativo das necessidades atendidas, as perspetivas e os objetivos do desenvolvimento da oferta institucional, a coordenação e a cooperação das ações desenvolvidas. Essa avaliação deveria priorizar: a compatibilidade da autorização de funcionamento outorgada e a proposta apresentada para as autoridades públicas; a duração da proposta; a renovação positiva ou não da proposta; a incorporação de autorizações tácitas; os interesses dos usuários, e a possibilidade de outorgar autorizações experimentais.

CAPITULO 2

ARGENTINA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL

O presente capítulo tem por perspectiva resgatar elementos que contribuam para caraterizar o lugar da assistência social no sistema de proteção social argentino a partir do exame dos arranjos legais e institucionais, e, de outro, das articulações ocorridas nos períodos sob análise, que interferem no comportamento do objeto estudado, de reconhecida legitimidade teórica no campo que nos ocupa, Trata-se de observar, registrar e analisar o processo de institucionalização de práticas de assistência social no espaço de tempo da consolidação do Estado nacional argentino, e a partir do estabelecimento da seguridade social.

A Argentina conta com uma longa história em matéria de proteção social, observável nos indicadores sociais que a colocam entre os países com alto desenvolvimento humano no contexto da América Latina. Foi um país pioneiro no desenvolvimento da seguridade social e atingiu considerável grau de cobertura das suas políticas sociais. Mas, destacadas avaliações ex-post consideram que ainda não se consolidou um sistema de proteção social que elimine as brechas de cobertura e evite a exclusão social no interior do mesmo sistema.

Um desses estudos sobre a proteção social na Argentina foi realizado sob a coordenação de Fabio Bertranou e Damián Bonari, “Proteção Social na Argentina: financiamento, cobertura e desempenho, 1990-2003”. Os autores assinalam que é necessário tomar certos cuidados ao considerar o termo “sistema de proteção social”; pois, a proteção social argentina não chega a se configurar como um sistema com a coordenação e a articulação necessárias para ser qualificado como tal. Pelo contrário, existe um conjunto de esquemas e programas, em distintos níveis de governo e administrados por instituições públicas e privadas de diferentes naturezas e, ainda, sem o suficiente vínculo entre as diversas áreas e suas formas de coordenação. 85

85Cf. Fabio BERTRANOU, Damián BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 1990-2003, 2005, p. 62. Essa publicação contém um diagnóstico geral do esquema

de proteção social em seus diferentes aspectos. O estudo foi promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em diferentes países selecionados da África, América Latina, Ásia e Europa, em parceria com a Secretaria de Política Econômica do Ministério de Economia da República Argentina, e no contexto da proposta de “efetividade da proteção social para todos”. Sob o intuito de que os conteúdos da pesquisa constituam uma ferramenta de difusão e promoção das políticas de proteção social baseadas na evidência

Na busca de atender a essa complexidade, a lógica da exposição deste capítulo estará sujeita a essas particularidades. A perspectiva aqui adotada contempla uma visão ampla da proteção social, e tem como ponto de partida aspectos das primeiras formas assistenciais e seu processo de conformação na consolidação do Estado argentino, envolvendo os conteúdos normativos vigentes na época. Resgata a maneira como a Constituição de 1949 entendeu o social no período de extensão das formas de proteção social aos trabalhadores, assim como o Estado institucionalizou a assistência social e as formas paralelas de intervenção social, construindo o andaime institucional de programas e instituições a partir de problemáticas que atenderam a categorias específicas. Por último, examina as áreas da proteção social, a partir da década de 1990, na Constituição Nacional Argentina vigente, e nas Constituições provinciais, destacando as colocações acerca do caráter subsidiário do Estado argentino e sua influência nas políticas sociais, particularmente a assistência social.

É consenso considerar que as áreas que conformam a proteção social na Argentina abrangem saúde, deficiência, acidentes de trabalho, doenças profissionais, previdência social (que envolve velhice, invalidez e sobrevivência), família e filhos, entendidas como proteções familiares; proteção contra o desemprego e mercado de trabalho; habitação e saneamento; educação, alimentação e nutrição, assistência social, e outras.

Essas áreas, para alguns autores, e, em particular, as estritamente ligadas às políticas de assistência social na Argentina, resultam de camadas de programas ou de intervenções específicas. Emilio Tenti, em seu trabalho “Políticas de assistência e promoção social na Argentina”, assinala que a organização do Estado assistencial argentino se assemelha mais a uma capa de Arlequim doque a um sistema racional estruturado em função de fins claramente delimitados. Desse modo, os programas e as instituições se acumulam uns ao lado de outros, e dão lugar a um aparato administrativo que, como a superfície terrestre, está constituído por uma série de camadas geológicas superpostas sem outra racionalidade que a das suas gênesis históricas sucessivas no tempo.86

A ênfase nas formas assistenciais e assistência social procura recuperar a sua evolução nesse percurso e como se processaram as propostas internacionais na matéria, e, nesse devir, contribuir com respostas a algumas interrogações tendentes a repensar as empírica, o trabalho abordou os diferentes aspectos da proteção social no decurso de i) relevância das áreas que a compõem, ii) avaliação do gasto, financiamento, cobertura e desempenho. (pp. 13-17).

articulações possíveis entre legislação social e os direitos sociais. A escolha das informações aqui apresentadas foi feita a partir das produções escritas de autores com vasta experiência e protagonistas na área, de modo que a autoridade de seus apontamentos é altamente valiosa e contribui para a caracterização proposta.

A seguir, examinaremos as feições distintivas de formas assistenciais e de assistência social, que colaboram para melhorar a compreensão da construção do Estado assistencial argentino.

A introdução destes assinalamentos é essencial para acompanhar o percurso das intervenções do Estado no período que compreende a institucionalização das primeiras formas de assistência, e a incorporação da seguridade social no conjunto da proteção social.