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A Direção Nacional de Assistência Social e a Fundação María Eva Duarte de

Em 19 de junho de 1948, foi criada a Fundação de Ajuda Social María Eva Duarte de Perón com o objetivo de realizar uma obra de “verdadeiro interesse social” - segundo os seus estatutos. Em seu desenvolvimento, se registraram duas etapas diferentes: a primeira, até a morte de Eva Perón; a segunda, a partir desse momento até a sua dissolução.

Ambas as instituições, a Fundação Eva Perón e a Direção Nacional de Assistência Social, coexistiram a partir de 1948. A primeira exerceu uma preponderância, em termos da ação social estatal, durante todo o governo do general Perón, por um lado, intervindo em áreas inéditas da ação médico-social - trem sanitário, hospitais modernos para a época - e, por outro, pela magnitude das suas intervenções. Situou-se em um ponto eqüidistante entre a administração central do Estado – o patrimônio era subvencionado por lei, legados e doações particulares - e a administração privada. 102 Advirta-se, também, que a Direção Nacional de Assistência Social incorporou as numerosas atividades e instituições ligadas à tradicional Sociedade de Beneficência, e, portanto, coexistiram duas formas de se conceber a assistência social.

A Fundação teve ingerência durante sete anos. Desenvolveu suas atividades em três áreas: ação social, ação educativa e ação médica. A atividade social estendeu-se por todo o país.

Em relação à beneficência e à ajuda social, María Eva Duarte de Perón dizia: “Eu sempre lutei contra a beneficência. A beneficência satisfaz a quem a pratica. A ajuda social satisfaz ao povo. A beneficência deprime, a ajuda social dignifica. Beneficência não, ajuda social sim, porque significa justiça”. 103

102 Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980; Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social: el control de la vida cotidiana, 1989; Emilio TENTI FANFANI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989.

103 Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980. O professor Alayón realiza um estudo e seleção dos pensamentos de Eva Perón em relação à beneficência, e à ajuda social, baseado em livros de Eva Perón, tais como “La razón de mi vida”, “Historia do peronismo” e “La palabra, el pensamiento y la acción de Eva Perón”, e outros que aludem às atividades desenvolvidas por esta, tais como o de Silverio Pontieri, “La Fundación”, publicado em 1972.

A Fundação desenvolveu sua ação assistencial em dois planos de atividade: a construção de grandes estabelecimentos - hospitais regionais, lares para idosos, escolas-lares, lares transitórios e centros turísticos -, e a distribuição de subsídios e bens materiais - a Memória e Balanço do ano de 1954 indica a distribuição de 3.726.164 unidades de roupa, calçado, livros, móveis, etc. A ajuda social direta não tinha limites nem geográficos nem de requerimentos e foi conformada por móveis, roupas, medicamentos, brinquedos, ferramentas, artigos para a casa, cozinha, livros e materiais escolares, máquinas de costura, etc.

Estes trabalhos eram realizados pelas “células mínimas”. Eva Perón dizia, sobre elas:

As células mínimas são as assistentes sociais que percorrem o território da pátria para ir verem cada casa, em cada lugar, o problema que haverá de se solucionar de imediato. Com um organismo burocrático na Capital Federal, com filiais no interior do país, não faríamos mais que empregar funcionários, sem chegar a solucionar o problema social, que é o que nos interessa.104

Entre as obras de infra-estrutura, construíram-se quatro policlínicas, assim como havia um trem sanitário que percorreu as províncias oferecendo serviços de assistência médica geral. Foram criadas clínicas de readaptação para crianças, instalados serviços médicos para vários grêmios. A Fundação possuía colônias de férias em Córdoba e Mar del Plata, desse modo, muitas crianças gozaram pela primeira vez de férias em lugares onde se acessava as assistências médica, escolar, física, cultural e recreativa. A Fundação criou sua própria escola de enfermaria. No campo educacional, construíram-se mil escolas, que foram vendidas ao Estado após a morte de Eva Perón. Foi construída a Cidade Universitária de Córdoba, com capacidade para dar alojamento a 400 alunos argentinos e 150 estrangeiros.

Segundo Tenti, baseando-se nas Memórias da Fundação, esta mobilizou um equivalente em recursos que, inicialmente, correspondeu a 50% do orçamento nacional em assistência

104 Em citação de Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980, p. 98, destacamos que, quase concomitantemente, foi criada a Escola de Assistentes Sociais da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Essa escola dependeu da Escola de Assistentes Penais e, nela, encontra-se a instituição que deu origem à atual Faculdade de Trabalho Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.

social. Em 1953 representou 123% do orçamento da administração nacional em assistência social. 105

Para se referir a como deveria ser denominada a ação social desenvolvida pela Fundação, Eva Perón assinalava: 106

Não é filantropia, não é caridade, nem é esmola, não é solidariedade social, nem beneficência. Nem sequer é ajuda social, embora o nome aproximado que eu lhe dei foi esse. [...] Para mim é estritamente justiça. O que mais me indignava no princípio da ajuda social era que a qualificassem como esmola ou beneficência. [...] Porque a esmola para mim sempre foi um prazer dos ricos: o prazer desalmado de excitar o desejo dos pobres sem deixá-lo nunca satisfeito. E, para isso, para que a esmola fosse ainda mais miserável e cruel, inventaram a beneficência e assim somaram ao prazer perverso da esmola, o prazer de se divertir alegremente com o pretexto da fome dos pobres. A esmola e a beneficência são para mim uma ostentação de riqueza e de poder para humilhar os humildes.

Quando eu concebi minha obra de ajuda social, não pensei nem remotamente que teria necessidade de fazer tudo o que depois me vi obrigada a realizar. A mim me obrigou a necessidade dos pobres. Nisto se diferencia minha obra da que realizaram as decadentes sociedades de damas de beneficência. [...] As obras da Fundação surgem da necessidade dos descamisados de minha Pátria. As obras de assistência social que as “damas” construíram na velha Argentina estavam pensadas por pessoas que ignoraram sempre a necessidade dos pobres.

A Fundação proclamou os direitos dos idosos, os quais foram inclusos na Constituição de 1949. Foram construídos lares para idosos na Província de Buenos Aires, em Santa Fé, San Miguel de Tucumán e Córdoba. E, ainda, três abrigos de trânsito na Capital Federal, com capacidade para 1150 camas. Contava também com o Lar da Empregada “General Don José de San Martín”, com uma capacidade de 500 camas, que disponibilizava abrigo a empregadas domésticas que, por virem das províncias ou por não terem um lugar digno para viver, precisavam de alojamento e alimentação.

105 Emilio TENTI FANFANI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989, p. 81.

106 Em citação de Norberto ALAYON, Norberto. Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980, pp. 100-101.

No dia 26 de julho de 1952, falece Eva Perón, e, como conseqüência, há uma mudança significativa no funcionamento da Fundação. Dando seguimento ao regulamento estatutário, passou a ser dirigida por um Conselho, que inicialmente foi presidido pelo general Perón, e, finalmente, foi dissolvida em junho de 1956, com o fim do governo peronista. Os estabelecimentos a ela vinculados passaram a integrar o Instituto Nacional de Ação Social, os Ministérios de Assistência Social e Saúde Pública e os Ministérios de Educação e Justiça.

Há um impasse em relação aos objetivos e à concepção da assistência social durante esse período. Em alguns trabalhos, a opinião é que as intervenções da Fundação eram quase sempre de ações pontuais, que não condiziam com a noção de direito à satisfação de necessidades. Os bens e serviços foram atendidos caso a caso, em virtude de uma demanda que recebia tratamento menos arbitrário por parte de quem tinha o poder de distribuí-los e outorgá-los. 107

Margarita Rozas resgata três posições em relação às tarefas desenvolvidas pela Fundação: uns, que defendem que a assistência social foi considerada um direito, e os pobres se constituíram em sujeitos de direito; outros consideram que foi um espaço que praticava uma assistência clientelista para desenvolver lealdades em relação ao governo peronista; outros consideram que a Fundação, como organismo nacional de assistência social, conjuntamente com outras políticas sociais, favoreceu um processo de inclusão dos setores dominados da sociedade por meio do mecanismo de redistribuição da riqueza, isso constituiu um avanço na ampliação de direitos sociais, mas não de direitos civis e políticos.

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Considero que a Fundação Eva Perón combinou um trabalho que envolveu a ajuda social direta e a efetivação de grandes obras de infra-estrutura ligadas às políticas universais de saúde e educação, assim como incorporou necessidades e campos nunca considerados até então, tais como o lazer e o turismo social. Ao ponderar, conjuntamente, que a ajuda social direta e as obras de infra-estrutura possibilitaram o acesso massivo a serviços básicos para uma grande parte da população, ocorreu uma efetiva mudança para aqueles que, até esse momento, só tinham acesso a prestações e serviços restritos.

107 Cf. Emilio TENTI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989, pp. 79-80.

108 Margarita, ROZAS, Las modificaciones de la intervención profesional en relación a la cuestión social en