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A inserção em debate: os mínimos sociais em face das novas propostas de

O que se conhece com o nome de mínimos sociais conforma um conjunto de oito prestações não contributivas, que complementam o direito comum e cujo objetivo é fornecer o que se considera um mínimo de recursos em dinheiro às pessoas que são consideradas insuficientemente cobertas pelo sistema de proteção social francês.

Os mínimos sociais adquirem importância quando pensados em relação ao direito à assistência social. Esses mínimos são considerados essenciais para a prossecução dos testes de recursos necessários para acesso às prestações da assistência social. Em segundo lugar, a RMI surgiu como um mínimo, mas, em sua institucionalização entrosou-se num conjunto de requerimentos que, por um lado, pertenciam à lógica da assistência social e, por outro, passaram a compor um novo conjunto de demandas postas pelas políticas de inserção e ativação do trabalho.

Os mínimos mais antigos coincidem com o momento da generalização da proteção social, na década de 1960. Naquele momento, foram denominados “prestações não contributivas da seguridade social”. Posteriormente, foi criado outro conjunto de prestações da seguridade social que abrangiam um outro conjunto de garantias mínimas de recursos. Por último, surgiram os mínimos, que são frutos das políticas dos anos de 1980 e ancorados nas políticas de luta contra os efeitos do desemprego de massa. As transferências deles vão se constituir em “prestações de subsistência” para os excluídos do trabalho e da proteção social do direito comum. A RMI somou-se a esse conjunto de dispositivos de transferência de recursos que foram pouco a pouco instituídos e dirigidos a esses grupos.

Os oito mínimos sociais vigentes em 2004 foram:

• Mínimo Velhice;

• Alocação para Adultos Deficientes;

• Alocação de Parente Só com Crianças aos seus Cuidados; • Alocação Suplementária de Invalidez;

• Alocação de Solidariedade Específica (caso geral do desempregado de idade avançada);

• Alocação de Inserção;

• Renda Mínima de Inserção (RMI).

O mais antigo deses benefícios é o Mínimo Velhice (mininum viellesse) criado em 1941 e várias vezes reformado. Em 2004, passou a ser financiado pelo Fundo de Solidariedade à Velhice. As pessoas com deficiência, a partir da lei de 30 de junho de 1975, puderam se beneficiar com a Alocação para Adultos Deficientes (Allocation Adulte Handicapé - AAH).

Os grupos familiares sob a responsabilidade de uma pessoa só, com crianças, sem renda ou com renda em patamar ou piso menor que o salário mínimo foram beneficiadas com outro mínimo denominado Alocação Monoparental, (Allocation Parente Isole - API).

A alocação de auxílio por invalidez orientou-se para que os segurados sem condição de trabalhar percebessem uma prestação considerada como um mínimo de sobrevivência.

A prestação de auxílio à viúva ou viúvo de um segurado social com crianças sob sua responsabilidade teve como objetivo garantir também um mínimo de recursos e, embora tenha sido suprimida desde 2003 e integrada aos sistemas de pensões, tem continuidade para aqueles que já contavam com o beneficio. Elas são consideradas como duplas das prestações não contributivas para os beneficiários, como a AAH e a API. Sua legitimidade funda-se sobre a aposentadoria de uma atividade profissional, seja por invalidez ou por necessidade de cuidados familiares.

Os anos 1980 foram cenário de outra lógica, em relação aos mínimos sociais. Em sua concepção de base, o mínimo social orientava-se a atingir as pessoas sem renda direta ou indireta, excluídas da atividade profissional por deficiência, por idade ou por terem crianças aos seus cuidados.

A RMI repousou sobre uma lógica muito mais aberta, em relação aos requisitos exigidos para ter acesso a esse dispositivo. Em primeiro lugar, contemplou a insuficiência de

recursos, mas também orientou-se às pessoas ativas e com capacidade de trabalhar. Essa característica própria da RMI impôs o debate com a opinião pública francesa sobre os limites e as possibilidades dessa forma de intervenção, pois ligava uma prestação monetária a um dispositivo de inserção. Nesse movimento, que compreende a prestação monetária associada à inserção, estabeleceu-se um novo quadro jurídico global, configurado pelo “direito à inserção”, que recriou os marcos legais da política social francesa.

A dupla de conceitos exclusão-inserção foi, pouco a pouco, se impondo, nas intervenções sociais do fim do século XX, em substituição de outras denominações, como “indigentes”, “inadaptados”, “deficientes sociais”. Essa evolução não foi fortuita, pois exprimiu as mudanças e inflexões dos problemas a serem enfrentados em um novo contexto de ameaça de perda do emprego e de aumento das correntes imigratórias que chegaram ao território francês.

O conceito de estar inserido ou incluído, longe de nomear uma carência ou um desvio em relação à normalidade, como expressou em outros momentos o termo “inadaptação”, ou estabelecer relações entre um déficit individual, em face das normas de socialização, como indicava o sentido de “deficiente”, entrosou-se nas discussões sobre os limites e possibilidades dos problemas sociais ligados ao desemprego de massa e a falta da filiação ao mundo do trabalho.

A noção de inserção, surgida na década de 1980, alavancou-se na definição das políticas urbanas orientadas ao desenvolvimento social nos bairros suburbanos parisienses, e, particularmente, nas formulações sobre a luta contra a delinqüência juvenil e os condicionantes que envolvem o acesso ao emprego pelos jovens. Finalmente, com a formulação da RMI, construiu-se um arcabouço jurídico que envolveu um conjunto de problemas, os quais, até esse momento, tinham sido considerados isoladamente. A RMI definiu-se sobre a plataforma da inserção e passou a incluir uma categoria de beneficiários, considerados como numerosos e diversificados em várias áreas das políticas sociais, mas ponderados isoladamente em termos de intervenção.

Segundo Borgetto e Lafore,67 a inclusão do termo inserção trouxe mudanças na concepção das políticas sociais que afetaram três níveis:

a) A noção clássica de direito social.

A noção de direito social clássica, fundada na necessidade de estabelecer critérios objetivos no que tange às respostas aos problemas sociais, reenvia essas respostas a um conjunto de prestações segundo a sua incumbência. Aquelas orientadas diretamente à “cobertura de” – no direito francês – definem-se como necessidades de subsistência e correspondem à forma de proteção dada pela assistência social; quando são prestações orientadas a dar cobertura a um risco social ou individual, a proteção legitimada corresponde ao campo da seguridade social.

Essas prestações estão inseridas em lógicas estatutárias que articulam o direito à definição de regulamentos que organizam o seu acesso. As definições desses direitos sociais estão em consonância com as concepções solidárias do direito, nas quais as pessoas são enquadradas a partir de grupos de pertença: trabalhadores, pessoas com deficiências, pessoas idosas, cujos direitos e obrigações são negociados por meio de amplas negociações coletivas.

Em face da relativa erosão dessas formas de pertença e a partir das mudanças no mundo do trabalho, assim como nas formas de organização social privada e pública, do ponto de vista do direito, ressurgiu do reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos, assim como dos relatórios e textos fundadores da ordem política e social moderna.

Daí a redescoberta de importantes textos da ordem política e social, como as declarações internacionais e nacionais dos direitos individuais e a vontade de colocá-los como escritos que ordenam e regulam a vida social. Nesse raciocínio, o modelo jurídico da inserção se apoiou na invocação dos “direitos fundamentais” - direito à saúde, moradia, etc. -; na luta social e política, por meio dos movimentos sociais que defendem o direito dos imigrantes ao acesso às prestações de inserção e o direito à saúde; do direito positivo, pois apresentam-se como referências para a elaboração das políticas públicas; e o controle da

constitucionalidade das leis e dos textos legislativos como princípios orientadores da ação pública.

b) A inserção tornou-se num objetivo amplo para as políticas sociais e as intervenções sociais.

O reconhecimento da necessidade de inserção que envolvesse intervenções promoveu uma configuração das políticas sociais associada a objetivos amplos que visam instituir cada pessoa como ator na sociedade; assim concebida, a ação pública orienta-se para intervenções individualizadas e ordenadas em um projeto, no qual o beneficiário da política de inserção desempenha um papel central. O contrato que expressa essa relação de inserção tem o papel de suporte dessa ação. Assim, o modelo baseado na solidariedade da proteção fundado sobre pertença a um coletivo é penetrado por uma abordagem que reforça a autonomia dos indivíduos. 68

c) Transversalidade e territorialidade da ação pública.

Nas estruturas de ação pública, a inserção supõe uma transversalidade e uma territorialidade da ação que rompem com as lógicas tradicionais anteriores, sejam elas centrais e/ou setoriais. A perspectiva da inserção prevê construir intervenções que sejam adaptadas, por um lado, às realidades sociais em que essas intervenções inscrevem-se, e, por outro lado, à especificidade dos indivíduos e grupos beneficiários. As ações de inserção desenvolveram-se em consonância com as temáticas dos associados à inserção: organizações não-governamentais (ONGs), empresas privadas, outros organismos públicos, do território e do projeto, que constituem, em si mesmos e nas mesmas proporções, problemas complexos para a administração pública, e os atores privados que intervêm na implementação dessa nova modalidade de acesso à política social.

Segundo Borgetto e Lafore (2004), a incorporação da inserção como eixo das políticas sociais francesas assinala a passagem para um modelo no qual a ação social, entendida como uma lógica de intervenção global, coerente e adaptada aos beneficiários, impôs e instrumentalizou diversos dispositivos de prestações que antes estavam diversamente articulados e respondiam a fins próprios (prestações da assistência social e da seguridade social). A administração pública organizada em torno de objetivos especializados – a inserção – precisou refazer-se e dar lugar a um “Estado Animador” (Etat Animateur) que

enfrentou a necessidade de mobilizar uma pluralidade de atores e reinstituir dinâmicas individuais e coletivas.69

A política de inserção, desde a década de 1980, pode ser considerada uma das políticas transversais da área da assistência social. Essa política articulou-se em torno de três eixos: emprego, abrigo-moradia e igualdade de chances. Um conjunto de dispositivos foi acionado em sua implementação: acompanhamento de pessoas demandantes de emprego, inserção social e profissional de jovens, desenvolvimento de oferta de alojamentos sociais, dispositivos de acolhida, alojamento de inserção, acesso aos direitos de saúde e educação.

Figura 3. Políticas transversais a assistência social na França em 2004

Fontes: Amédée THEVENET, L’aide sociale aujourd´hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004. (Construção própria)

O dispositivo de acolhida, moradia e inserção foi definido como de caráter nacional e seu objetivo geral foi dar uma resposta que priorizasse aqueles grupos considerados mais vulneráveis: famílias com filhos, mulheres vítimas de violência, pessoas com a saúde

69 Michel BORGETTO; Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 518 . Política de acesso a moradia Política de acesso ao direito e à justiça Política de acesso aos cuidados Política de luta contra a exclusão social Assistência Social

fragilizada e pessoas que moram na rua. O dispositivo é reforçado no inverno e se baseia em duas ações: acolhida - alojamento de urgência e alojamento - inserção.

Quadro 4. Atividades dos serviços de acolhida

Acolhida e Abrigo de Urgência * Serviço de acolhida

telefônica para abrigo de urgência

(Serviço de Urgências) Samu social e equipe móvel Centros de Abrigo alojamento de urgência Lugares de acolhida durante o dia Serviço telefônico de caráter nacional cuja função é responder às demandas de situações de urgência e encaminhá-las ao serviço departamental. Se a pessoa não deseja identificar-se, a ligação pode ser anônima. O serviço disponibiliza informação atualizada sobre as possibilidades de alojamento.

São equipes com mobilidade, que operam na rua e têm como função principal estabelecer o primeiro contato com a pessoa. As equipes podem conduzí-la até um abrigo de urgência ou um lugar de acolhida durante o dia ou à noite; e, em caso de apresentar problemas associados de saúde, a um setor de urgência

hospitalar. Em caso de negativa da pessoa em ser conduzida aos abrigos do Samu, os profissionais intervenientes podem oferecer a opção de assistência na rua.

Têm como função acolher a pessoa sem domicílio fixo durante um curto período de tempo. A partir da avaliação diagnosticada, a pessoa é orientada a escolher uma estrutura de inserção que se adapte às necessidades dela.

Acolhem pessoas sem domicílio fixo. São de pequeno porte e possuem espaços nos quais a pessoa pode dispor de serviços: ducha, café, lavanderia e, em alguns casos, refeições. Nesses locais, a pessoa pode manter contato com trabalhadores sociais ou voluntários para se informar e ser orientada em seus direitos assim como em relação à oferta de estrutura disponível para o enfrentamento da situação dela.

* Abrigo ou alojamento suplementar durante o inverno

Fontes: Haut comité pour le logement des personnes défavorisées: L´hébergement d´urgence: un devoir d´assistance à

personne en danger ,2004. Disponível em: www.social.gouv.fr. (Construção própria)

Esse dispositivo é reforçado durante o inverno e está orientado especialmente para as pessoas que moram na rua. Compreende três níveis:

Nível 1: Mobilização invernal, ativada entre os dias 1º de novembro e 31 março e pode ser estendida além desse período, se as condições climáticas o requererem.

Nível 2: Muito frio. É ativado quando as temperaturas chegam a -5º e a -10º, durante a noite. A capacidade de acolhida suplementar deve ser prevista em cada departamento e informada por meio do telefone 115. Os centros, de dia, são abertos igualmente e orientados às pessoas que resistem a ir para um abrigo.

Nível 3: Frio extremo. Corresponde a temperaturas excepcionalmente baixas, inferiores a -10º , e identifica com antecedência lugares que permitam abrigar grande quantidade de pessoas.

Segundo o Ministere de l´Emploi de la Cohésion Sociale et du Logement, estavam disponíveis, no conjunto do território francês, em 2005: 60 Samus sociais, a metade deles podendo intervir ao longo do ano; 18.800 lugares nos centros de alojamento – abrigo de urgência, durante todo o ano, e 270 centros de acolhida durante o dia. 70

A finalidade desse dispositivo é orientar as pessoas que estão saindo da urgência a encontrar os meios de se integrar no mundo do trabalho, da moradia e na vida social. Nesse período, dispõem de alojamentos temporários (intermediários entre o alojamento de urgência e o alojamento autônomo) e prestações que acompanham o processo de reinserção. Depois da acolhida e do abrigo, cada pessoa é acompanhada no que se denomina um percurso de inserção, definido em função das necessidades individuais.

70 Disponível em: www.social.gouv.fr

Quadro 5. Modalidades de abrigo e formas associadas de inserção em 2004 Modalidades de Abrigo

Centros de Abrigo e de

Reinserção Social Casas de Residência Transitória Residências Sociais

A primeira missão desses centros é fornecer acolhida em situações de emergência. Essa missão vai desde o asilo por uma noite até por duração mais longa. Assim como as prestações de inserção: • acolhida, escuta, informação e orientação; • organização de um seguimento social de longa duração; • ações que permitam o

acesso a uma moradia autônoma;

• ações concernentes à formação profissional e o emprego.

São estruturas pequenas, de 10 a 30 lugares, que acolhem pessoas em situação de grande exclusão, sem possibilidade de viver de forma autônoma: pessoas isoladas, que moraram na rua ou com múltiplas passagens pelos Centros de Abrigo e de Reinserção Social (CHRS). Uma das missões é criar ou recriar um vínculo social. A coordenadoria da casa tem papel fundamental na dinâmica da organização de acolhida. Há limite de tempo de permanência, porém estabelece-se um acordo com as pessoas sobre o percurso e o tempo de permanência.

São estruturas formadas por

aproximadamente 30 apartamentos, que permitem às

pessoas isoladas ou aos grupos familiares disporem de um local de moradia temporária antes de acederem a uma moradia autônoma. Além da possibilidade de acolhida e de permanência, podem contar com o apoio personalizado para algumas despesas.

Abrigo e Inserção

Prestações de estabilização Prestações de orientação Prestações de acesso à vida autônoma

Orientam o acesso aos direitos e o restabelececimento dos vínculos familiares, assim como o desenvolvevimento da auto-estima e re-dinamização das pessoas.

Definem e procuram nos melhores prazos, um dispositivo de “acolhida, alojamento e inserção” para as pessoas demandantes.

Designam todas as prestações que permitam às pessoas retomarem sua autonomia no quadro de um projeto individualizado, com ações orientadas à saúde, à cultura e à vida social, como, por exemplo, ações ligadas à alimentação, esportivas, de acesso à informação.

Fonte: Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd´hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004 ; Haut comité

pour le logement des personnes défavorisées : L´hébergement d´urgence : un devoir d´assistance à personne en danger,