• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM

4.1 O fenômeno

4.1.1 O custo social de financiar o contencioso judicial

A origem da ideia de um processo ser total ou parcialmente financiado por um terceiro em troca de uma parte do valor a ser recuperado ou recebido no final do caso remonta aos países de Common Law.

O primeiro interesse em ter um terceiro financiando um procedimento, seja arbitral, seja judicial, é o fato de não ser necessário enfrentar os custos da empreitada processual.

Isso porque, com o desenvolvimento das relações econômicas, os casos arbitrais e judiciais se tornaram cada vez mais complexos e, por conseguinte, mais custosos.

Esse custo pode representar uma barreira de acesso que impede a parte de prejudicada de demandar em juízo ou perante um Tribunal Arbitral. No que se refere ao contencioso, o problema dos custos e do acesso à justiça já é antigo do nosso direito, com nossa Lei sobre Justiça Gratuita datando de 1950.204

De fato, debater um caso, seja na Justiça Estatal, seja no Juízo arbitral, envolve custos. Para se ter ideia, na Europa, cada processo judicial custa vários milhares de euros.205 Por sua vez, nos Estados Unidos, estima-se

que o custo seja de USD 15.000,00 inicialmente, podendo facilmente chegar aos USD 100.000,00 quando inseridas as custas de experts e advogados.206

No Brasil, é difícil mensurar o custo médio de um processo judicial. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) estimou, em

204 Lei 1.060/1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1060.htm>. Acesso

em: 10.10.2014

205 Études sur la transparence des couts des procedures judiciaires civiles dans l’Union

Européenne, Rapport Final, Comission Européene, DG Justice, Liberté et Securité. Disponível em: <https://e-justice.europa.eu/attachments/cost_study_reportfr.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2014.

94 estudo de 2009,207 que o custo médio total provável de um Processo de Execução Fiscal é de R$ 4.685,39.

TABELA – VÁRIAS FORMAS DE MEDIR O GRAU DE LITIGIOSIDADE DE

UM PAÍS

AUSTRÁLIA CANADÁ FRANÇA JAPÃO BRASIL EUA AÇÕES AJUIZADAS (por cada 100.000 hab.) 1.542 1.450 2.416 1.768 32.248 5.806 Juízes (por 100.000 hab.) 4 3,3 12,47 2,83 8,53 10,81 Advogados (por 100.000 hab.) 357 26 72 23 285,65 391 Custo de contratar uma demanda (em % do valor envolvido) 20,7% 22,3% 17,4% 22,7% N/D 14,4%

Fonte: Comparativo entre o Estudo Justiça em Números 2013208 (Brasil) e o Estudo da Harvard Law School Comparative Litigation Rates209 (demais países). Tomamos por base o fato de o Brasil possuir 2.000 grupos de 100.000, dada sua população de aproximadamente 200.000.000.

É fácil perceber que, embora aparentemente tenhamos um custo baixo por processo, há uma quantidade de processos completamente desproporcional à nossa estrutura judicante estatal. Tanto que, ano a ano,

207 Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/107147428/IPEA-diz-quanto-custa-um-

processo-judicial>. Acesso em: 10.10.2014

208 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-

judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>. Acesso em: 11.10.2014.

209 RASMUSEN, Eric; RAMSEYER, Marc. Comparative Litigation Rates. Discussion Paper 681.

Harvard Law School. Disponível em:

<http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/pdf/Ramseyer_681.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2014.

95 temos aumentado o Estoque de Processos a serem julgados, não obstante as contínuas metas de julgamento estabelecidas pelo CNJ.

Esse excesso de processos é fruto, sobretudo, de uma interpretação extremamente ampla do princípio do Acesso à Justiça, sem muita reflexão sobre as consequências de sua aplicação ampliativa para a própria sociedade.

Na maior parte dos casos, o valor envolvido na demanda é bastante inferior ao custo, de forma que o Estado termina por financiar a solução judicial para a parte, seja ela beneficiária ou não da Justiça Gratuita.

Vale ressaltar que essa média é bastante elevada em virtude de processos complexos que poderiam estar na arbitragem, mas não são lá resolvidos em virtude de as partes não terem pactuado tal solução de exceção.

Nesses processos, na maioria dos Estados, são aplicados valores máximos de custas (teto), de forma que também esses grandes litigantes terminam por, indiretamente, receber financiamento estatal em seus litígios. A título de exemplo, no Estado de São Paulo, onde a regra geral é que as custas sejam cobradas a base de 1% do valor da causa, esse limite hoje é fixado em 3.000 UFESP (cerca de R$ 60.000,00).210

Por seu turno, na Paraíba, Estado com o maior valor de custas na Justiça Estadual para demandas menores, esse limite é de R$ 34.488,00,211

o que incrementa o financiamento público de demandas maiores. Em vários Estados, há prática similar, conforme o CNJ atestou.212

210 Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/servicos/tabelas/tabela-de-

custas/justica_estadual.pdf/view>. Acesso em: 07.09.2014

211 Disponível em: <http://www.tjpb.jus.br/wp-

content/uploads/legado/legislacao/327_8228_texto_integral.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2014.

212 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/dpj/seer/index.php/CNJA/article/view/36/66>. Acesso

96 Na Justiça Federal, a situação é ainda mais grave. Em todo o Judiciário Federal, o máximo de custas é de 1.800 UFIR (R$ 1.915,38), de acordo com a Lei 9.289/1996.213

Ou seja, o Estado brasileiro termina por realizar um financiamento público de litígios não apenas para os pequenos litigantes (cuja necessidade da demanda também nos traz sérias dúvidas, mas cuja análise foge ao objeto do presente trabalho), mas igualmente, e de forma mais intensa, aos grandes demandantes.

Luciano Benetti Timm, na ocasião do XI Congresso Internacional de Arbitragem, asseverou:

É importante ter em conta que, quando um litígio vai a julgamento no Judiciário, quem paga a conta é a população, por meio dos tributos arrecadados pelo Estado. Agora vem a questão: o que toda a população tem a ver com aquele litígio privado? Então, se a gente vive num momento de escassez – faltam presídios, atendimento à saúde etc. –, acho escandaloso esse custo com o sistema judiciário. A máquina judiciária estatal consome 7% da tributação. A saúde e a educação não ganham isso. Uma sociedade não vive sem saúde e sem educação. Litígios que não precisam ir para o Judiciário, e que a sociedade tem pouco interesse, devem ser resolvidos pela arbitragem. Então, estes estão achando um caminho fora do sistema público.214

Do ponto de vista de política pública judiciária, buscar uma solução menos custosa para a sociedade é algo premente, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, o orçamento alocado para ajuda processual vem sendo reduzido ano a ano. Em 2011, era de USD 404.000.000,00, um terço menor do que o valor investido em 1996, considerando a correção inflacionária.215

213 Disponível em: <http://www.jfsp.jus.br/custas-judiciais/>. Acesso em: 10 ago. 2014.

214 Entrevista dada ao Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-set-

23/financiamento-arbitragem-devera-chegar-brasil-breve>. Acesso em: 27 set. 2014.

97 No Brasil, em 2009, as Defensorias Públicas tiveram um Orçamento de cerca de R$ 1,4 bilhão, considerando todos os Estados e a União.216

Ou seja, com o nosso sistema de solução de controvérsias extremamente baseado na intervenção estatal217 e numa interpretação

extremamente ampla e inconsequente da ideia de acesso à justiça, tornamo- nos campeões mundiais em número de processos.

E, para custear tais processos, a sociedade paga um peso elevadíssimo. Em 2012 foram mais de R$ 57 bilhões de reais apenas com a estrutura e pessoal do Judiciário.218 E nesse valor não constam os dispêndios com o Ministério Público219 e a Defensoria Pública, os demais pilares do nosso sistema judicial. Se somados, temos mais de R$ 80 bilhões de reais ao ano, de dinheiro público, para custear os litígios entre as partes no Brasil.

É evidente que o custo mencionado se refere ao Judiciário como um todo e não inclui o que é arrecadado com custas judiciais. Contudo, parece-nos desejável que outras formas de financiamento para resolução de disputas que não a estatal sejam postas em prática.

216 III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil. 2. ed. rev. Ministério da Justiça, 2010. p. 51.

Disponível em: <http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB4QFjAA&url= http%3A%2F%2Fportal.mj.gov.br%2Fservices%2FDocumentManagement%2FFileDownload.E ZTSvc.asp%3FDocumentID%3D%257B4879556E-8313-4EFC-A0E9- 32F79F32A390%257D%26ServiceInstUID%3D%257B74528116-88C5-418E-81DB- D69A4E0284C0%257D&ei=3MALVPL- KZGcyATBrILACQ&usg=AFQjCNFL8_Dq0dUye2yfejrKajGoFL-

YiQ&sig2=qJ7V16KzAJs_E1bUUjR33Q&bvm=bv.74649129,d.aWw>. Acesso em: 5 set. 2014.

217 Bons exemplos práticos dessa concentração excessiva da solução de litígios na pessoa do

Estado é a inexistência de uma Lei de Transação para os entes públicos e a não aceitação, pela Justiça do Trabalho, de acordos celebrados entre as partes na ausência de um magistrado.

218 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-

judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>. Acesso em: 07.09.2014

219 Apenas o Orçamento do Ministério Público da União para 2014 é de quase R$ 5 bilhões.

Fonte: Orçamento da União para 2014. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/ploa2014/VolumeIII_PLOA20 14.pdf>. Acesso em: 5 set. 2014.

98 Além disso, no que diz respeito à arbitragem, parece-nos que a Lei da Justiça Gratuita é inaplicável, pois, além de ser voltada à jurisdição estatal, é incompatível com o caráter privado da solução arbitral que necessita ser remunerada para manter sua independência e eficiência. E não nos parece razoável que o Estado seja chamado a financiar uma disputa arbitral, uma vez que ele possui um sistema próprio e bastante custoso para a mesma finalidade.

Portanto, faz-se necessário validar uma forma privada e eficiente de permitir que, mesmo o litigante que, por algum motivo, não pode arcar com as custas do procedimento arbitral possa seguir adiante com sua demanda.

4.1.2 A falta de recursos para enfrentar um processo e o problema do