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CAPÍTULO 5 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS EM ARBITRAGENS E O

5.3 É possível financiar arbitragens no direito brasileiro?

5.3.2 Qual o momento para o financiamento

A princípio, o financiamento pode ocorrer em qualquer estágio do procedimento arbitral. Essa é a regra geral, pois, desde que o pactuado entre o financiador/investidor e a parte financiada não tenha por objetivo tumultuar o procedimento, as partes são absolutamente livres para decidir o momento em que desejam celebrar seus contratos.

Contudo, entendemos recomendável buscar o financiamento desde o momento inicial do procedimento arbitral. Primeiro, porque, por prudência, deve a parte que cogita recorrer a um terceiro aplicar o teste sugerido no Capítulo 4: (a) o litígio a ser financiado é diretamente ligado ao projeto empresarial da parte financiada? e (b) a eventual derrota no litígio ou qualquer tipo de composição afetará a estratégia jurídica da empresa?

Segundo, porque o ingresso de um terceiro como financiador após a formação do Tribunal Arbitral traz limites quanto a quem pode financiar. Afinal, não se pode buscar alguém que, ao financiar, acarrete ao procedimento conflitos antes inexistentes.

Dessa forma, o momento ideal para celebrar o pacto de investimento é o início do procedimento, pois assim minimiza os problemas que o financiamento pode causar à arbitragem. Contudo, não há qualquer proibição a que seja firmado financiamento/investimento após a formação do Painel Arbitral ou mesmo nos estágios finais do procedimento, desde que o financiador/investidor não traga conflitos de interesse ao procedimento.

Entretanto, há muitas situações em que o financiamento ocorre após a formação do painel. O momento em que o financiamento ocorrer, em tese, não deveria afetar o dever de revelação. Afinal, o momento em que uma das partes decide firmar um contrato de financiamento diz respeito apenas a

156 ela e ao seu eventual financiador. Todavia, no procedimento arbitral, uma das partes pode se valer do financiamento de terceiros para gerar um mal-estar no tribunal, criando fictamente, e a posteriori, um conflito que não existia no momento da formação do Tribunal Arbitral.

Logo, embora não seja o ideal, o financiamento pode até ocorrer em momento posterior à formação do Tribunal Arbitral, desde que não impacte a independência dos árbitros e não constitua uma forma disfarçada de fraudar direitos da outra parte.

Além disso, o financiamento externo a título de investimento deve ser revelado imediatamente após sua ocorrência e, preferencialmente, antes da formação do Tribunal Arbitral.

No entanto, caso uma das partes decida prosseguir com um financiamento contrário ao dever de boa-fé e, deliberadamente, buscar um financiador que traga um conflito de interesses ao processo, como se deve proceder? Como invalidar um acordo de investimento que foi feito fora do escopo da convenção de arbitragem que confere poder aos árbitros?

A resposta não é simples, nem em preto e branco. A nosso ver, deve o árbitro condenar a parte que recorreu a tal procedimento nas penas aplicáveis àquele que causou o tumulto processual,327 nos termos da lei

aplicável ao procedimento. Contudo, persistiria sua incompetência para declarar a nulidade do contrato de investimento.

Nesse caso, parece-nos que tem o árbitro dois caminhos: (a) estender ao investidor os efeitos da cláusula arbitral, na qualidade de terceiro não signatário328 e declarar o contrato de financiamento/investimento nulo, com as penas aplicáveis à conduta temerária; ou (b) embora condene a parte nas

327 Se a arbitragem for realizada no Brasil e for aplicável a lei brasileira, pode o árbitro condenar

a parte que recorre a tal procedimento nas penas de litigância de má-fé previstas nos arts. 16 e 17 do Código de Processo Civil brasileiro, notadamente no inciso V do art. 17, em que se reputa de má-fé quem proceder de modo temerário em qualquer incidente do processo.

328 Cf. BREKOULAKIS, Stavros. Third Parties in International Commercial Arbitration. Oxford:

157 penas aplicáveis à conduta temerária, ignore a manobra processual, sem qualquer declaração de nulidade do contrato.

Parece-nos que o mais apropriado é tomar a primeira atitude. Com efeito, entendemos que existe um poder inerente ao Tribunal Arbitral de potencialmente intervir em questões jurídicas que lhe sejam de alguma forma conectadas.

Embora não conheçamos situações empíricas de financiamento arbitral ocorrido após a formação do Tribunal para lhe impingir uma suspeição ou a um de seus membros, temos uma situação muito semelhante quando o time de advogados de uma das partes é alterado apenas para criar algum impedimento no árbitro ou mesmo magistrados.329

No Direito brasileiro, inclusive, a criação de obstáculos processuais pela entrada de advogado no processo com vínculo com o magistrado é vedada pelo parágrafo único do art. 134 do CPC:

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

[...]

IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

[...]

Parágrafo único. No caso do n.º IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é,

porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

329 Há situações muito conhecidas na história do Judiciário brasileiro, entre elas a da indicação

como advogado do genro do então Ministro do STF, Carlos Ayres Brito, já na fase final de um processo, na tentativa de tornar aquele magistrado impedido, pois suspeitava-se que seu entendimento seria contrário à parte que contratou seu genro. Para mais sobre impedimento e suspeição cf. PAULA, Luiz Augusto Módolo de. Impedimento e suspeição no STF e Tribunais Superiores. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17605/impedimento-e-suspeicao-no-stf-e- nos-tribunais-superiores>. Acesso em: 3 ago. 2014.

158 Ou seja, no processo judicial há em nosso ordenamento previsão expressa proibindo a intervenção de advogado em processo de forma a criar impedimento no magistrado. Da mesma forma, deve o Tribunal Arbitral ter um poder inerente de intervir na relação advogado-parte para impedir que tal tipo de conduta cause tumulto no processo arbitral.

Sobre a possibilidade de o Tribunal Arbitral atuar de forma a desfazer a relação advogado-cliente (algo que fugiria do escopo da convenção de arbitragem que delimita o poder dos árbitros), os célebres árbitros Neil Kaplan, Anne Marie Grosshans e Romesh Weeramantry se posicionaram da seguinte forma:

Inherent powers of tribunals are not found in the express terms of rules or laws that apply to them. These powers are “inherent” because they must exist no matter whether or not they are found in the explicit legal texts that apply to a tribunal. The role of inherent powers is to enable the tribunal to carry out its obligation of safeguarding teh essential integrity of the entire arbitral process and ensuring that the award is soundly based and not procedurally flawed.330

Esse “poderes inerentes” mencionados pelos referidos autores já foram confirmados em decisões arbitrais, ambos do ICSID. No caso Hrvatska

Elektroprivreda vs. República da Eslovênia,331 o Tribunal Arbitral entendeu que, em regra, não se devem extrapolar os limites da convenção de arbitragem a ponto de intervir no contrato privado firmado entre os advogados e seus clientes. Contudo, em situações excepcionais e de forma a resguardar a integridade essencial do procedimento arbitral, tal poder poderia ser estendido.

330 KAPLAN, Neil; GROSSHANS, Anne Marie; WEERAMANTRY, Romesh. Arbitration Award

form the XIX Vis Moot – The M/S Vis Case. In: BARRINGTON, Louise; CASADO FILHO, Napoleão; FINKELSTEIN, Claudio (Org.). The Danubia Fies: Award writing lessons from the Vis Moot. p. 277-279.

331 Caso Hrvatska Elektroprivreda vs. República da Eslovênia. Caso ICSID ARB/05/24.

Sentença Arbitral disponível em:

159 Igual entendimento foi esboçado no caso ICSID Arb/06/3 (Rompetrol Group NV vs. Romênia),332 em que também se destacou que tal extensão só deve ocorrer em casos excepcionais.333

Ora, se tanto o processo judicial como o arbitral já têm mecanismos para combater o abuso provocado pela intervenção de advogados em fase posterior, de forma a criar uma suspeição, não vemos motivo para não aplicar, por analogia, o mesmo raciocínio para o financiamento de terceiros. Afinal, realizar o financiamento de modo a influenciar o Tribunal Arbitral é, ao final, uma intervenção tão indevida e odiosa quanto a do advogado que ingressa ao longo do processo para tumultuá-lo.

Assim, entendemos que o Tribunal Arbitral possui poderes inerentes também para declarar a nulidade do contrato de financiamento de terceiros que ocorra após a formação do Tribunal Arbitral com o intuito de criar alguma dúvida sobre sua imparcialidade. Tal decisão, porém, nos termos do precedente citado, só deve se dar de forma excepcional e em situações em que tal intuito tenha restado bastante evidenciado.