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CAPÍTULO 4 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS NA ARBITRAGEM

4.3 Os problemas legais nos países da Common Law

4.3.1 Barratry, maintenance e champerty do direito anglo-saxão

4.3.1.2 Maintenance e champerty na arbitragem (Reino Unido)

Algo que nos cabe perguntar é se as doutrinas de maintenance e champerty, no regime jurídico do Reino Unido, se estendem à arbitragem.

Apesar de ser um mecanismo de resolução de conflitos de natureza privada e constituir um sistema próprio (Capítulo 3), a arbitragem compartilha vários aspectos com o processo judicial tradicional. Apesar das diferenças nos meios, ao término do processo, um árbitro decide a disputa de forma muito similar a um juiz de uma corte estatal. Contudo, até 1998, a aplicação das doutrinas de maintenance e champerty à arbitragem não havia sido claramente determinada no Reino Unido.

Em 1998, as doutrinas foram claramente estendidas à arbitragem. No Caso Bevan Ashford c. Geoff Yeandle,242 o vice-Chanceler Sir Richard Scott declarou que a proibição de cobrança de honorários de êxito (contingency fees) se estendia à arbitragem. Os delitos e crimes relativos à

maintenance e champerty haviam sido abolidos, mas as doutrinas continuavam

a ser aplicadas aos contratos de financiamento e ainda se estendiam aos métodos de resolução de conflito privado, como a arbitragem.

Outro ponto ainda não apreciado na jurisprudência britânica no tocante à arbitragem é a necessidade de security for costs (cf. Capítulo 5, item

5.5) ou de contingenciamento de valores para poder cobrir uma eventual

derrota da parte despecuniada, ou seja, aquela que não tinha recursos para enfrentar a demanda e, mesmo assim, buscou o litígio e perdeu.

Embora não seja relativo a arbitragem, o caso de Hamilton vs. Al

Fayed243 é referência sobre o tema security for costs em demandas judiciais

financiadas por terceiros. Nele, o Sr. Hamilton, um parlamentar britânico, questionava o célebre empresário Al Fayed sobre declarações que insinuavam

242 Bevan Ashford v. Geoff Yeandle (1998) 3 WLR 172.

243 [2003] QB 1175 (Hamilton). Disponível em: <http://www.5rb.com/case/hamilton-v-al-fayed-

115 que o parlamentar era corrupto. Para enfrentar os custos do processo, o Sr. Hamilton contou com a ajuda financeira de uma série de financiadores, composto por centenas de pessoas que o apoiavam politicamente.

Derrotado no processo judicial, o Sr. Hamilton foi condenado a pagar as custas finais da demanda e os honorários gastos pelo empresário Mohamed Al Fayed na disputa. Como não tinha recursos (o Sr. Hamilton entrou em insolvência), o Sr. Al Fayed buscou cobrar das centenas de financiadores os custos de sua defesa. O Sr. Al Fayed cobrou apenas dos 19 dos maiores financiadores. Vários deles resolveram entrar em acordo, enquanto outros contestaram a responsabilidade.

A questão central do caso era saber se o réu que sai vitorioso em um processo de difamação deve poder recuperar o que gastou para se defender dos financiadores da demanda.

Em primeira instância, a pretensão do Sr. Al Fayed foi rejeitada. Ele apelou da decisão. E a decisão em segunda instância foi a de que seria normalmente certo e razoável fazer com que os custos fossem recuperados se quem financiasse fosse um fundo profissional não parte. Essa decisão, inclusive, já havia sido proferida no caso Arkin:244

Consideramos que um fundo Professional, que financia uma parte das despesas de um litígio, deve ser potencialmente responsável pelas despesas da parte adversária em extensão ao financiamento previsto. O efeito desse desejo, claro, será que, se o financiamento é fornecido na base de contingência da recuperação, o fundo requererá, como o preço do financiamento, uma maior parte da recuperação em caso de sucesso. No caso individual, a recuperação líquida de um reivindicante vitorioso será diminuída. Quando isso não acontece, parece-nos que é um custo que um reivindicante despecuniado pode razoavelmente ser esperado a suportar. Globalmente, a Justiça será melhor servida assim do que se deixar réus em uma posição onde eles não têm nenhum direito de recuperar quaisquer despesas do um fundo profissional cuja intervenção permitiu a continuação de uma reivindicação que, ao final, provou ser sem méritos.

244 Caso Arkin v. Borchard Lines Ltd & Ors [2005] EWCA Civ 655. Disponível em:

116 Contudo, a situação do caso concreto Hamilton vs. Al Fayed era excepcional, pois os financiadores não tinham nenhum controle sobre como os fundos foram gastados nem participaram da gestão do conflito.

Para um dos julgadores, Lord Chadwick, o ponto de partida é de reconhecer que, onde há tensão entre o princípio de que a parte vitoriosa defendendo uma reivindicação feita contra ele não deve suportar os custos da sua defesa, e o princípio de que um reivindicante não deve ter acesso negado aos tribunais em virtude de falta de dinheiro, essa tensão tem de ser resolvida em favor do segundo daqueles princípios.245

Outro ponto interessante na análise da jurisprudência britânica sobre champerty é o de que alguns juízes veem o financiamento com os olhos da razoabilidade, algo que, no nosso sentir, vai contra toda a história liberal do Reino Unido. Já se utiliza, inclusive, o adjetivo champertous para analisar se um contrato de risco não é abusivo.

No caso Factortame,246 a Justiça britânica considerou legal um contrato de financiamento de litígios, pelo qual a Grant Thornton ficaria com 8% do montante do resultado final e troca de pagar pelos trabalhos dos peritos anexados ao procedimento.

O voto do Lord Phillips from Worth Matravers, Patrono do CIArb 247, foi no seguinte sentido:

Although Grant Thornton had provided valuable back-up services to the claimants’ solicitor and to the expert witnesses in the case, they had not themselves acted as expert witnesses. Indeed they had been instrumental in identifying (and paying for) independent experts whom the solicitor could instruct on the claimants’ behalf.

When the firm became involved in the case, the claimants were already heavily in debt. Anyone providing services in connection with their litigation could only expect to be paid out of whatever damages

245 Hamilton [2003] 1175 QB [69].

246 Caso Factortame v. Secretary of Stare for Transport. QB381,407-8. Disponível em:

<http://uklawstudent.thomsonreuters.com/2013/03/monthly-nutcase-eu-law/>. Acesso em: 15 nov. 2014.

247 Chartered Institute of Arbitrators de Londres, organismo global, com sede em Londres, que

117 were recovered. So the reality was that whoever helped the claimants would have had a financial interest in the outcome of their case. The significance of the contingency fee agreements that Grant Thornton made was much reduced by the fact that by the time they were made the claimants had already largely succeeded on the issue of liability.

A decisão britânica é interessante porque o tribunal afirmou que, embora abolida como crime, a champerty sobreviveu como uma norma de ordem pública capaz de tornar um contrato inexequível.248

Posteriormente, o Parlamento britânico promulgou leis permitindo honorários condicionais ou de risco. Tal fato foi visto como uma evidência de uma mudança radical em termos da política pública que anteriormente abordava os contratos de risco/êxito como totalmente proibidos.

Aparentemente, o Reino Unido tem entendido que a facilitação ao acesso a justiça, por meio de mecanismos que garantem àqueles que não têm recursos a possibilidade de ter acesso a advocacia e demais serviços ancilares ao litígio, deve ser sempre estimulada, especialmente para casos que parecem ter méritos.249