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CAPÍTULO 3 A ARBITRAGEM, TEORIA DOS SISTEMAS E ACESSO À

3.1 O direito e a teoria dos sistemas

A percepção de que os estudos sobre Teoria dos Sistemas podem ser de extrema utilidade para a Ciência Jurídica existe há algum tempo, sobretudo com os estudos da doutrina alemã a respeito do tema, com grandes referências teóricas como Emil Lask,109 Karl Larenz110 e Karl Engisch.111

Contudo, para nosso estudo, abordaremos tão somente conceitos básicos da referida Teoria, de forma a analisar como a arbitragem, em especial a internacional, se insere no contexto do sistema social do direito.112

Seguiremos, assim, os conceitos de direito e sistema de Niklas Luhmann, considerado o teórico mais “contemporâneo e original em termos de uma superteoria social que pretenda oferecer instrumentos de descrição da sociedade”.113

Para Luhmann, a sociedade é dividida em sistemas e

subsistemas baseados em características peculiares (como a economia, a

109 Apud FERRAZ JR., Tercio Sampaio. O conceito de sistema no direito. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1976.

110 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbekian, 1997.

111 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8. ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbekian, 2001.

112 Para um trabalho de maior fôlego sobre a relação da arbitragem com a teoria dos sistemas,

recomendamos a obra de Eduardo Parente: Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2012.

113 Germano Schwartz, no prefácio da obra de TRINDADE, André Ramos. Para entender Luhmann: o direito como sistema autopoético. São Paulo: Livraria dos Advogados, 2008.

53 política, a educação etc.), unidos pela comunicação.114 A comunicação, assim, funciona como o fio condutor que liga os sistemas e os subsistemas ao ambiente onde eles se inserem.

Luhmann ainda vai buscar na Biologia elementos para sua Teoria dos Sistemas e, com base na ideia de autopoeise115 dos biólogos

chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana, cria sua teoria dos sistemas

autopoéticos.

Para Luhmann, existiriam três classes de sistemas autorreferenciais e autopoiéticos, cada um com sua respectiva operação redutora da complexidade: (i) os sistemas vivos ou biológicos (células, cérebro e organismos); (ii) os sistemas psíquicos ou de consciência (representações, processamento da atenção); e (iii) os sistemas sociais (interações, organizações e sociedades).116 Para nosso estudo, evidentemente que focaremos nos sistemas sociais.

Os sistemas sociais e psíquicos se constituem e se mantêm por meio do sentido. Por sua vez, os sistemas vivos se constituem e se mantêm por meio de processos vitais físico-químicos de ordem intracelular, orgânica, neurológica etc.

A diferença entre os sistemas sociais e os sistemas psíquicos residiria nas suas operações de base. Nos sistemas psíquicos, a operação que

114 LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría de sistemas. Tradução de Javier Nafarrete.

México: ITESO; Barcelona: Anthropos, 1996. p. 45.

115

“Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto ‘próprio’, poiesis ‘criação’) é um termo cunhado nos anos 1970 pelos biólogos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos) em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida” (TRINDADE, André. Para entender Luhmann: o direito como sistema autopoético. São Paulo: Livraria dos Advogados, 2008. p. 105.)

116 LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría de sistemas. Tradução de Javier Nafarrete.

54 os constitui é o pensamento ou a consciência, e nos sistemas sociais, a operação é a comunicação, a única operação genuinamente social.117

Portanto, para um sistema social existir é preciso que ele seja composto por um conjunto instrumental lógico, coerente e produzido pelo próprio sistema. O sistema, nesse sentido, basta-se a si próprio, é autônomo, pois é capaz de produzir e regular seu conteúdo funcional, independentemente de outros sistemas. Por possuir essa autonomia, essa autorregulação, diz-se que tais sistemas possuem fechamento operacional.118

Esse fechamento estrutural não significa, todavia, que um sistema, como o sistema do direito, fique alheio ou não se comunique com os outros sistemas sociais. No dizer de Eduardo Parente,119 “os sistemas são autônomos, e não autistas”.

Essa capacidade de se comunicar com os outros sistemas é chamada de abertura cognitiva dos sistemas sociais ou, para outros estudiosos que não usam as mesmas terminologias, como Norberto Bobbio, é denominada de relação entre ordenamentos.120

Essas duas características dos sistemas (fechamento operacional e abertura cognitiva) são as que mais nos importam, tendo em vista os limites do nosso trabalho, pois a teoria dos sistemas é por demasiado complexa e traz problemas cujo enfrentamento escaparia a este estudo.

O sistema do direito tem a capacidade de se recriar por meio dos seus próprios elementos. Luhmann121 afirma que “o sistema legal se

117 MOURA, Bruno de Oliveira; MACHADO, Fábio Guedes de Paula; CAETANO, Matheus. O

direito sob a perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Revista de Sociologia

Jurídica. Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-9/227-o-direito-sob-a-

perspectiva-da-teoria-dos-sistemas-de-niklas-luhmann>. Acesso em: 11 out. 2014.

118 PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2012. p.

13.

119 Idem, ibidem, p. 14.

120 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora da

Universidade de Brasília, 1997. p. 161.

121 LUHMANN, Niklas. The Self-Reproduction of Law and Its Limits. Essays on Self-reference.

55 autorreproduz por eventos legais e só por eventos legais”. E esse código que o direito usa para se recriar é representado pelo binário lícito/ilícito.

O subsistema do direito se comunica e atua em vários outros sistemas sociais, como a economia, a política. Essas interações ou “irritações”, que Luhmann denomina de acoplamentos estruturais, são muito comuns. Um exemplo é o contrato (acoplamento estrutural do sistema do direito com o sistema da economia) ou a própria Constituição (acoplamento estrutural do sistema do direito e o sistema da política).122

Mesmo com essas interações, para a teoria dos sistemas toda regulação deve ser autorregulação. Assim, não é possível um sistema regular o outro. Em outras palavras, o sistema político não pode regular o sistema jurídico e vice-versa. Da mesma forma, o sistema econômico não pode regular o sistema político, nem este pode regular qualquer outro. São, pois, autônomos.123

Essa possibilidade de utilizar o arcabouço teórico da teoria dos sistemas para solucionar problemas jurídicos, dando-lhe maior grau de cientificidade, tem sido amplamente utilizada no Brasil e no mundo.

O direito processual, a nosso ver, é um desses subsistemas. Eis o que afirma Eduardo Parente124 sobre o caráter sistemático do direito

processual:

É verdade, de outra sorte, que o processo exerce função um tanto quanto diferenciada no próprio sistema jurídico. Serve e deve servir

122

“Modern concepts of property and contract do not integrate or even differentiate the legal economic systems. As mechanisms of structural coupling, the organize the reciprocal irritation of these systems and influence, in the long run, the natural drift of structural developments in both systems” (LUHMANN, Niklas. Operational closure and structural coupling. Cardozo Law

Review, New York, n. 5, v. 13, p. 1436, 1992).

123 Essa autonomia dos sistemas jurídicos em países em desenvolvimento é criticada por

Marcelo Neves na sua obra Entre Têmis e Leviatã, em que o autor afirma que os sistemas jurídicos desses países não são apenas “irritados” pelo sistema econômico ou político, mas mutuamente atingidos um pelo outro, quebrando o fechamento operacional necessário e tornando os sistemas jurídicos desses locais sem autonomia, sem identidade.

124 PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2012. p.

56 aos demais ramos do direito. E, nesse aspecto, sua abertura cognitiva é um tanto maior dentro do conceito para o direito. Estamos falando do direito material. Isso, porém, em absoluto não lhe retira a característica de ser um sistema. Podemos dizer que o nosso sistema de processo, se por um lado preenche requisitos trazidos pela teoria dos sistemas, por outro agrega o pesado ônus de ser o caudatário dos anseios da sociedade em termos de concretização de expectativas legais. Logo, o sistema processual contém em si características além das que seriam suficientes para submetê-lo à teoria dos sistemas, mas que não o afastam de ser com ela identificado.

O direito processual, por sua vez, se subdividiria em alguns subsistemas, como o do processo legislativo, o do processo constitucional, o processo coletivo, o processo administrativo, entre outros.

O direito, portanto, não passa mais a ser visto como uma pirâmide, mas sim de forma policontextual, numa constelação de sistemas que se relacionam.

Figura: Sistemas Sociais, segundo a Teoria de Luhmann

Entretanto, não é apenas o direito processual que se identifica com a teoria dos sistemas. Celso Campilongo,125 por exemplo, adota a teoria

125 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad,

57 dos sistemas autopoéticos para afirmar que, com a crise do chamado Estado de bem-estar social, houve uma perda na capacidade do Estado de regular situações sociais.

Logo, em contrapartida ao esvaziamento da função legislativa, ocorreu um aumento da atuação de subsistemas sociais, como a autorregulação de setores da economia, convenções de consumidores, códigos de ética interna corporis e o fortalecimento de métodos alternativos de solução de litígios, como a arbitragem.