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O financiamento de arbitragens e a Lei de Falências e Recuperação

CAPÍTULO 5 O INVESTIMENTO DE TERCEIROS EM ARBITRAGENS E O

5.4 O financiamento de arbitragens e a Lei de Falências e Recuperação

Um tema bastante interessante e pouco apreciado pela doutrina internacional sobre Third Party Funding é o tratamento jurídico que se dá aos créditos do investidor em caso de falência ou recuperação judicial da empresa titular do direito posto em litígio.

Não se pode olvidar que boa parte das empresas que chegam a ponto de buscar um investidor/financiador para o litígio está em situação financeira não confortável.

É bem verdade que, conforme já mencionado (Capítulo 4, item

4.1), há situações em que, mesmo a empresa possuindo caixa suficiente para

enfrentar as despesas, opta pelo financiamento por uma questão de mitigação dos riscos da demanda. Contudo, talvez na maioria dos casos, o financiado é alguém que não enfrenta uma condição econômica favorável.

Assim, não é absurdo cogitar que, após o financiamento ocorrer e antes do término do procedimento arbitral, pode suceder um fato superveniente

174 a impactar o arranjo realizado anteriormente: uma declaração de falência ou o deferimento de uma recuperação judicial da parte financiada (investida).

Uma vez ocorrendo qualquer um dos fenômenos, como ele repercutirá nos contratos de investimento em arbitragens, como os que ora analisamos?

Maximin de Fontmichel357entende que o financiamento de

arbitragens de uma parte insolvente é possível, mas o investidor terá, em caso de sentença favorável, que concorrer com os demais credores da massa, sem qualquer preferência:

L’insolvable peut-il bénéficier de cetter financement? Oui, sans aucun doute. Toutefois, dans le cadre d’une entreprise qui fait l’objet d’une procedure collective, la satisfaction d’une demande de financement par ce type de société n’est pas garantie. La première raison est que, de maniére générale, ces sociétés ne financent que três peu de dossiers. La seconde raison est que ces tiers investisseurs, dans leur processos de selection des demandes de financement, analyse la capacité de recouvrement de leur créance a l’issue du procès. Or lorsqu’une partie faisant l’objet d’une procèdure collective est attraite a l’arbitrage, en cas de sentence favorable, les dommages et intérêts ne lui seront pas versés directement aprés la reddition de la sentence mais reversé a la masse commune de la procédure collective.358

No nosso sentir, o reflexo nos contratos de investimento/financiamento em arbitragens deve ser o mínimo possível. Afinal, a ideia do investimento em arbitragem é a de viabilizar que partes em situação financeira comprometida possam ter acesso aos procedimentos arbitrais.

357

Le financement de l’arbitrage par une partie insolvable In: HAMIDA, Walid; CLAY, Thomas (Org.). L’argent dans l’arbitrage. Paris: Éditions L’extenso, 2013. p. 49.

358

Tradução livre: “O insolvente pode se valer desse tipo de financiamento? Sem dúvidas que sim. Contudo, no caso de uma empresa que está sofrendo um procedimento falimentar, a obtenção de sucesso em um pleito por este tipo de financiamento não é garantida. A primeira razão é que, de maneira geral, essas sociedades financiam muito poucos casos. A segunda razão é que esses terceiros investidores, no processo de seleção das demandas de financiamento, analisam a capacidade de recuperação do seu crédito no final do processo. Ora, uma vez que uma parte que faz parte de um procedimento falimentar é atraída para um processo arbitral, em caso de sentença favorável, as perdas e danos não serão pagos diretamente ao investidor após a edição da sentença, mas sim revertidos à massa comum do processo falimentar”.

175 Entender que aquele que resolve ajudar o empresário em situação de insolvência deve ser tratado sem privilégio algum é um equívoco e nossa Lei de Falências bem entendeu tal fato, tanto que prevê que os honorários advocatícios,359 os honorários do administrador judicial, de peritos técnicos e as custas judiciais que já possuem tratamento diferenciado na própria Lei de Falências e Recuperação Judicial, não ingressando no concurso de credores.360

Afinal, é razoável entender que tais valores precisam ser antecipados e/ou pagos de forma independente dos demais créditos como maneira apropriada para viabilizar o pagamento dos demais credores. Os custos de um procedimento arbitral devem se inserir nessa categoria de custos.

Entretanto, é relevante diferenciar o momento em que o investimento ocorre. Se o acordo de investimento/financiamento se der por meio de cessão fiduciária de crédito (cf. Capítulo 5, Item 5.3.4, iv), antes da decretação da falência ou do deferimento da recuperação judicial, este deve ser respeitado e o crédito da massa falida ou da empresa recuperanda deve ser considerado apenas na parte que lhe restar.

Se o investimento ocorre depois, dentro do processo de recuperação ou de falência e com a anuência do administrador judicial e do magistrado, por meio de cessão fiduciária de créditos, parece-nos que deve ser tratado como crédito que em nada se relaciona com a massa, eis que de propriedade indireta do investidor.

359 Os honorários advocatícios do advogado da massa são extraconcursais. Os honorários dos

advogados das partes contrárias têm privilégio especial, conforme decisão recente em sede de recurso repetitivo do STJ no Recurso Especial 1.152.218, de Relatoria do Ministro Luiz Felipe

Salomão. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3 6464832&num_registro=200901563744&data=20141009&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 1.º nov. 2014.

360 Lei 11.101/2005, art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com

precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência.

176 O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, que recentemente analisou, no Caso Bradesco x Movelar,361 uma situação em que se discutia se os créditos alienados fiduciariamente deveriam ou não se inserir no bojo da recuperação judicial, entendeu pela resposta negativa:

Recurso especial. Recuperação judicial. Contrato de cessão fiduciária de duplicatas. Incidência da exceção do art. 49, § 3.º, da Lei 11.101/2105. Art. 6.º-B, § 3.º, da Lei 4.728/1965.

1. Em face da regra do art. 49, § 3.º, da Lei n.º 11.101/2005, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por cessão fiduciária. 2. Recurso especial provido.

Ressalte-se que a alienação fiduciária de créditos analisada pelo STJ foi efetivada por instituição financeira, nos termos da Lei 4.728/1965. Contudo, como já exposto (Capítulo 5, item 5.2.2), não há qualquer impedimento para que investidores que não se revistam da condição de instituição financeira realizem tais operações. A diferença residirá nos requisitos formais a serem cumpridos por instituições financeiras e que não serão necessários para os particulares em geral.

Portanto, este deve ser o tratamento dado aos créditos dos investimentos em arbitragem na hipótese de a empresa financiada ter uma recuperação judicial deferida ou ser declarada falida. Na pior das hipóteses, tal crédito deve ser entendido como extraconcursal, assim como os créditos que têm esse tratamento segundo o art. 84 da nossa Lei de Falências e Recuperação Judicial.