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Considerações metodológicas: os passos da pesquisa

4.4. A definição do método de análise: estudo da argumentação

Para entender as formas argumentativas de construção da noção de risco mediada por estratégias biopolíticas se faz necessário um enfoque discursivo, uma vez que estava interessada na construção dos argumentos que referendam a realização do aborto legal. Optei, então, por focalizar no discurso argumentativo tentando entender os efeitos das narrativas, - relatos de casos clínicos e histórias sobre gestação de risco -, na formalização discursiva sobre risco na gestação e sobre aborto por risco de vida da gestante.

Parti do pressuposto de que toda fala que inclui debate se desenrola ao redor de um bloco básico: o argumento. O argumento forma a espinha dorsal da fala. Ele representa a idéia central ou princípio no qual a fala está baseada. Além disso, é uma ferramenta de mudança social, na medida em que pretende persuadir uma audiência (LIAKOPOULOS, 2002). A discussão sobre análise argumentativa tem como objetivo oferecer uma visão metodológica compreensiva da análise das estruturas da argumentação, com propósito de compreender os parâmetros que influenciam o debate sobre risco na gestação e aborto por risco de vida da gestante.

O termo argumentação se refere a uma atividade verbal ou escrita que consiste em uma série de afirmações com o objetivo de justificar, ou refutar, determinada opinião, e persuadir uma audiência (VAN EEMEEN ET AL, 1997). O objetivo da análise da argumentação é documentar a maneira como afirmações são estruturadas dentro de um texto discursivo. A análise normalmente se centra na interação entre duas ou mais pessoas que apresentam argumentos como parte de uma discussão ou debate, ou sobre um texto dentro do qual a pessoa constrói um argumento.

O enfoque tradicional vê os argumentos como processo e como produto. O processo se refere à estrutura inferencial do argumento: a série de afirmações usadas como proposições, junto com outra série de afirmações usadas como justificativas das afirmações anteriores. O argumento como produto se refere à maneira como esses se tornam parte de uma atividade dentro do contexto geral do discurso. De acordo com Burleson (1992), as características básicas de uma argumentação são:

a) A existência de uma asserção construída como proposição. b) Uma estrutura argumentativa ao redor da defesa da proposição.

c) Um salto inferencial no movimento que vai da justificativa para a asserção.

Toulmin (1958) propõe uma analogia entre um argumento e um organismo, e caracteriza a ambos como tendo uma estrutura anatômica fisiológica. A estrutura anatômica de um argumento, do mesmo modo que um organismo, pode ser representada de uma forma esquemática. A representação esquemática da estrutura do argumento é a base para sua avaliação crítica. Neste sentido, o mérito de um argumento é julgado com fundamento na função de suas partes inter-relacionadas, e não com fundamento em sua forma.

O argumento mais simples toma a forma de uma proposição ou de uma conclusão precedida de fatos (dados) que o apóiam. Mas muitas vezes um qualificador dos dados é exigido: em outras palavras, uma premissa que nós usamos para defender que os dados são legitimamente empregados para apoiar a proposição. Esta premissa é chamada de garantia. Garantias são fundamentais na determinação da validade do argumento, porque

elas justificam explicitamente o passo que se deu dos dados para a proposição, e descrevem o processo em termos de por que esse passo pode ser dado. Uma representação gráfica da estrutura do argumento é apresentada a seguir como uma adaptação do modelo de Tolmin para atender os objetivos da análise proposta nesta tese.

Figura 1 – estrutura do argumento (adaptada de Tolmin, 1958)

Proposição Sustentação Dados

Garantias

Apoio

Toulmin (1958) admite que em alguns argumentos é difícil distinguir entre dados e apoios, embora a distinção seja importante na análise do argumento. Uma maneira de distingui-lo é considerar que em geral os dados são explícitos, enquanto que as garantias são implícitas. Os dados são usados para legitimar a conclusão com referência explicita aos fatos, já as garantias são usadas para legitimar o processo que vai dos dados à proposição, e para encaminhá-la de volta para outros passos implicados nessa legitimação – passos cuja legitimidade é pressuposta.

Diferentes tipos de garantias dão força diferente à proposição. Às vezes há necessidade de fazer uma referência específica à força do processo que vai dos dados à proposição, por meio de uma garantia. Essa referencia é chamada de qualificador, e toma a forma de palavras tais como necessariamente, presumivelmente, provavelmente, etc.

O processo que vai da garantia até a proposição pode muitas vezes ser condicional. Isto se refere a condições sob as quais a garantia não tem controle. Em tais casos, refutações são usadas como afirmações condicionais semelhantes aos qualificadores.

Em um argumento mais complexo, há necessidade de explicar por que a garantia usada tem poder. Nesse caso, a garantia necessita de um apoio. Normalmente, apoios são afirmações categóricas ou fatos (tais como leis), não diferenciados dos dados que conduzem inicialmente à proposição. A aparição de apoios para garantia depende de que seja aceita, ou não, como não tendo problemas.

A natureza categórica dos apoios cria certas semelhanças com a parte dos dados do argumento. A diferença entre dados e apoio é, em geral, que dados são particulares, e apoio

é uma premissa universal. Por exemplo, onde dados têm a ver com um referencial diretamente relacionado com a proposição, um apoio consistirá de uma afirmação geral que se aplicaria a muitos outros casos.

Na visão de Toulmin, a argumentação é um ato social incluindo toda atividade que diz respeito a formular proposições, apoiá-las, fundamentá-las com razões, etc. (TOULMIN et al, 1979). Por esta razão, ele introduz a noção de campos do argumento. Ele sugere que alguns aspectos do argumento são basicamente os mesmos, apesar do contexto em que eles são desenvolvidos; esses são invariantes com referencia ao campo. Por outro lado, alguns outros aspectos diferem de contexto para contexto, e como tais são dependentes do campo de conhecimento que cerceia o tema em debate. Cada campo possui seus próprios critérios para desenvolver e compreender os argumentos, com a conseqüência que discordâncias entre campos são difíceis de resolver, pois eles acontecem em diferentes esferas.

A noção de campos de argumento, ou contextualização da argumentação, está diretamente associada à validade formal e de tipo do argumento. Existem diferentes tipos de argumentos e sua classificação está baseada nas diferentes qualidades de seus componentes. A distinção mais importante é entre argumentos substanciais e analíticos. A diferença é que o argumento analítico contém apoio para a garantia, cuja informação autoriza, explicita ou implicitamente, a própria conclusão. Em outras palavras, uma apreensão do argumento pressupõe uma compreensão de sua legitimidade. Neste caso, a garantia é usada na forma tradicional de reforço do processo da lógica que vai dos dados à proposição, mas sendo independente deles. O argumento científico, por exemplo, é do tipo encontrado na lógica, ou matemática, onde a conclusão é necessariamente resultado das premissas. A avaliação desses argumentos segue as regras da validade formal (TOULMIN et al, 1979).

Toulmin, entretanto, afirmou que a validade formal não é condição necessária, nem suficiente da solidez de um argumento. Por exemplo, em um argumento substancial a conclusão não está necessariamente contida, ou implicada, nas premissas, porque estas e a conclusão podem ser de diferentes tipos lógicos. Compreender a evidência e a conclusão pode não ajudar a entender o processo, e desse modo garantias e apoios de outro tipo lógico são usados para fechar a lacuna de compreensão. Consequentemente, o uso de qualificadores tais como “possivelmente”, ou “com probabilidade” se torna inevitável. Um exemplo deste argumento poderia incluir a conclusão sobre o passado, com premissas contendo dados sobre o presente. Neste caso, a discrepância lógica entre premissas e conclusão só pode ser preenchida pela referencia ao campo específico em que o argumento está se desenvolvendo. De acordo com Liakopoulos (2002), as partes do argumento são:

Proposição: uma afirmação que contém estrutura e é apresentada como o resultado

de um argumento apoiado por fatos. Poderão existir numerosas proposições em uma unidade de análise, mas para os fins analíticos proposto nesta tese o interesse reside na proposição central que é parte da estrutura da argumentação. Ou seja, focalizaremos a explicitação da proposição que consideramos fundamental para a análise da construção argumentativa.

Dados: fatos ou evidencias que estão à disposição do criador do argumento. Os

dados pode se referir a acontecimentos passados, ou à situação, ação ou opinião atuais, mas de qualquer modo eles se referem à informação que está relacionada com a proposição central do argumento. Algumas vezes os dados podem ser proposições que foram validadas em argumentos precedentes. Por exemplo, em argumentos que são gerados a partir de uma fonte científica e podem ser o resultado (proposição) de um antigo experimento científico. Essa concepção de “dado” conflui com a perspectiva do campo-tema descrita anteriormente,

não se trata de fatos empíricos esperando para serem interpretados, mas de fragmentos discursivos que visibilizam as informações usadas pelo interlocutor para sustentar suas premissas argumentativas.

Garantia: uma premissa consistindo de razões, autorizações e regras usadas para

afirmar que os dados são legitimamente utilizados a fim de apoiar a proposição. Ela é o passo lógico que conduz à conclusão, não por meio de uma regra formal, mas pela regra da lógica do argumento específico.

Apoio: uma premissa que é usada como um meio de ajudar a garantia no argumento.

Ele é a fonte que garante a aceitabilidade e a autenticidade da razão, ou regra a que a garantia se refere. Semelhante no estilo aos dados, ela normalmente oferece informação explicita.