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Neste argumento, a posição sobre o aborto é fundada em crenças morais e valores éticos que embasam a opinião e a atitude médica frente a legalidade da sua prática.

Proposição: A crença moral do médico acerca da legalidade do aborto nem sempre condiz com a sua prática clínica.

Esta afirmativa, posta como proposição, visa organizar o argumento de defesa da influência das crenças morais dos médicos na prática do aborto, ou seja, o fato de o médico acreditar na legalidade do aborto por risco de vida da gestante não quer dizer que ele realizará o procedimento:

Mas ainda não é significativo da maioria dos médicos e mesmo aqueles que têm para si, que acharam que deveria ser legalizado e despenalizado nessas circunstancias e que deveria ser oferecido no serviço público de saúde, é * uma coisa é ele achar que é direito a outra coisa é ele sentar no banquinho e fazer o aborto. (Cristião Rosas).

1) O parecer do diagnóstico de risco com indicação de aborto não deve transparecer a crença moral do médico sobre o procedimento. Esse dado é usado como informação para atestar a necessidade de haver uma espécie de neutralidade moral entre o que deve ser indicado como intervenção terapêutica para salvar a vida da gestante e a crença moral do médico sobre o aborto:

(...) evidentemente que o parecer não é uma opinião necessariamente sobre a interrupção, porque podem prevalecer opiniões de caráter religioso, de caráter pessoal. Mas que a gente busca conhecer de que risco nós estamos falando e se a gente tem ou não documentado em literatura qual é a mortalidade que envolve aquela determinada situação clínica, aquela determinada situação que a mulher vive. (Jefferson Drezett).

O mesmo vale para o médico que vai realizar o procedimento do aborto:

Eu acho que quem trabalha com isso, a gente tem que saber ser ouvinte atento e saber segurar as próprias convicções, as próprias ideologias, cultura e religião; é a minha não é a dela. É o seguinte: eu estou aqui, se ela quiser decidir, muito bem, eu estou aqui, eu vou atender, a minha postura é essa. (Joselene Breda).

2) Há, na classe médica, preconceito e descriminação contra os médicos que realizam aborto voluntário. A posição majoritária de condenação moral do aborto desencadeia comportamentos depreciativos direcionados aos médicos que defendem a realização do aborto como uma prática moralmente correta:

O negócio é o seguinte, como os médicos são preconceituosos, no grosso, se eu atendesse tudo aqui, eles iriam chamar isso aqui de clínica de aborto, e dizer que eu estou ganhando dinheiro em cima desses casos, e dizem mesmo eu não fazendo. (Thomaz Gollop).

Garantia

A prática médica vai de encontro às crenças da Igreja Católica, o que gera disputas sobre o estatuto de verdade defendido por cada uma dessas instituições. Na elaboração dessa garantia, defende-se a ilegitimidade do espaço das crenças religiosas na consideração da vida que merece ser vivida, configurando a rivalidade entre o exercício do biopoder médico e o exercício do biopoder da Igreja:

Houve época da Igreja [católica] aonde os médicos eram combatidos, por quê? Porque os médicos interferiam na lei divina. A Igreja não gostava dos que usavam procedimentos que iam contra os princípios da lei de Deus, ou seja, se uma paciente, se uma pessoa tinha que morrer porque a lei de Deus queria se o médico interviesse naquilo estaria alterando a lei de Deus. E aí eu pergunto para você, essa competição médico versus Deus, será que

ela deve existir, será que ela deve ser levada em conta? Se ela for levada em conta, você vai diminuir a sua possibilidade de salvar vidas de mulheres, se ela não for levada em conta você vai ampliar a sua possibilidade de salvar vida de mulheres. (Osmar Colás).

Apoios:

1) A concepção de vida e do início da vida não é passível de ser corroborada por estudos científicos e, portanto, é plural. Esse apoio é construído para ajudar na construção de factibilidade da garantia do argumento central (o aborto é pautado pela moral do médico). É formulada a partir do uso de metáforas e analogias que visam contestar a crença em um governo de ordem divina sobre a vida:

Hoje você sabe que o conceito de vida é neurológico, não é verdade? Neurológico. Então, se você tem um cérebro funcionando você está vivo, o cérebro de um feto de até 12, 13, 14 semanas ele não tem ainda nenhuma área nobre funcionando, ele é só reflexo; ele não sente dor, ele não tem emoção, ele não tem nada porque ele não tem sistema nervoso. A área nossa, mais jovem do nosso cérebro que é a que desenvolveu o ser humano que é o neocórtex não existe, está começando rudemente, mas ela não tem função; é ela ainda não tem função, é só um monte de células que no futuro vai ser. Então esse cérebro ainda não funciona, então esse feto não sofre, não tem sentimento, não tem personalidade, não tem dor, não tem absolutamente nada e a meu ver nem alma. Por quê? Porque essa história de alma é um outro conceito filosófico, que assim, ela existe? A gente não sabe, a gente quer acreditar que ela existe. Mas base científica não tem. O que nós sabemos é que o ser humano tem uma energia por conta dos elétrons, dos átomos que estão aí. E eu costumo brincar, dizendo o seguinte, imagine que o ser humano, como uma lâmpada, da mesma maneira que uma lâmpada, por isso tem aquele filamento dela, que é o sistema nervoso dela. Se aquele filamento está funcionando, a energia elétrica que é a mesma, que passa em todo circuito, quando passa por aquela lâmpada ela acende. E essa mesma energia elétrica passou para acender aquela lâmpada, passou para acender outra lâmpada que é de outra cor, uma outra que é mais forte, uma outra que é mais fraca, uma outra que é colorida, uma outra que tem uma forma diferente, aí vai para o computador. Quer dizer, a mesma energia vai acendendo uma série de corpos, mas é a mesma energia. Aí eu pergunto para você, será que essa história de alma não é uma energia única? Que ela emite se o seu sistema

central está bom, te liga. Se o sistema nervoso* se ela chegar aí e não funcionou, acabou. O corpo não está recebendo essa única energia. É uma questão filosófica, mas o que acontece? Você vai ter que lidar com essa questão an passant; ela não tem base científica, porque não tem Medicina

baseada em evidencia que prove que a alma existe. Mas, nós sabemos que existe uma energia que é a energia dos nossos elétrons é óbvio. Só de você pensar uma série de elétrons e átomos se reorganizam e emitem onda eletromagnética, essas ondas eletromagnéticas estão sendo emitidas para tudo, inclusive para mim, está vendo ali [aponta para a lâmpada no teto] que aquela luz é uma onda eletromagnética, é aí o que isso significa? Eu não sei, mas que nós temos energia temos. (Osmar Colás).

2) Tratar o caso de gestação de risco com indicação de aborto como uma experiência técnica é uma forma de conseguir neutralizar a interferência da crença moral sobre a realização do aborto. Esse apoio é usado para explicar os sentimentos contraditórios que se confrontam quando o médico se depara com esses casos:

(...) eu não vou falar para você que eu fico tranqüila não. Eu resolvo, porque isso pra mim é técnico. É a mesma coisa que você chegar para mim e falar << poxa você não vai fazer o parto daquela mulher, ela está parindo, ela precisa de alguém para assistir>>. É a mesma coisa, ela chegou com quatro cartas, está aqui, está bom, risco materno, quem vai fazer isso? Só tem eu ali, eu vou fazer, eu vou fazer. Mas, você gosta? Não; ninguém vai falar que gosta, duvido, tenho certeza absoluta, nem aqui [no serviço de aborto legal]. (Joselene Breda).

Quadro XI – Argumento V: Aborto pautado pelos valores morais dos médicos Proposição Sustentação

A crença moral do médico acerca da legalidade do aborto nem sempre condiz com a sua prática clínica.

Dados 1) O parecer do diagnóstico de risco com indicação de aborto não deve transparecer a crença moral do médico sobre o procedimento.

2) Há, na classe médica, preconceito e descriminação contra os médicos que realizam aborto voluntário.to

Garantia A prática médica vai de encontro às crenças da Igreja Católica, o que gera disputas sobre o estatuto de verdade defendido por cada uma dessas instituições..

Apoios 1) A concepção de vida e do início da vida não é passível de ser corroborada por estudos

científicos e, portanto, é plural.

2) Tratar o caso de gestação de risco com indicação de aborto como uma experiência técnica é uma forma de conseguir neutralizar a interferência da crença moral sobre a realização do aborto.