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Na construção deste argumento o aborto é apresentado como o desenlace de uma trama narrativa sobre gestação de risco.

Proposição: Complicações na gestação e no estado de saúde da gestante podem levar ao aborto induzido, por risco de vida da gestante. Essa proposição é apresentada para afirmar a condição do aborto como um procedimento terapêutico para salvar a vida da gestante:

Tendo isso posto, tendo isso claro, que existe indicação, que existe risco de morte de fato e há indicação de interrupção da gestação, o processo é discutir com essa mulher. Nessa discussão, evidentemente nós não estamos falando *, discutir alguma coisa depois dessa mulher ter recebido a atenção do Serviço Social, atenção da Psicologia e ter recebido atenção médica do ponto de vista ginecológico, quer dizer, como é que está o quadro de gestação dela. Isso é importante porque, conforme os dados gestacionais, nós vamos usar uma ou outra técnica de interrupção de gestação e isso pode envolver procedimentos diferentes e cuidados diferentes do processo do abortamento. (Jefferson Drezett).

Uso de dados:

1) A precisão na avaliação do risco é importante para a assistência à saúde da mulher grávida que vai abortar. Esse dado é apresentado a partir da narrativa de um caso clínico de uma gestante que teve o risco diagnosticado de maneira precisa:

O último caso que nós fizemos no ano passado era, se tratava de uma diabética grave, já com dano na função renal, com dano da visão, numa situação realmente muito delicada de saúde (...). Ela já chegou para gente, nesse caso a gente conseguiu orientar antes até da chegada, ela já chegou com dois pareceres de duas instituições muito respeitadas, de dois endocrinologistas sendo absolutamente claros em todo relatório da doença dela, o risco de morte, o claro risco de morte e inclusive os dois pareceres dizendo que havia indicação da interrupção da gestação. Então, era realmente muito importante que isso fosse colocado para essa mulher, e isso considerando que ela já chegou com os pareceres prontos, agilizou os tramites internos, esclarecimentos internos, e ela já chegou muito bem esclarecida do risco muito alto que ela tinha de morte. (Jefferson Drezett).

2) O diagnóstico precoce de risco e consequente indicação terapêutica do aborto minimizam as possibilidades de complicação do quadro clínico da gestante e o

procedimento pode ser feito com maior segurança. Novamente, a narrativa de um caso de gestação de risco é usada para somar ao argumento informações sobre a conduta médica no trato com a relação entre risco e aborto:

O outro caso que nós tivemos foi de uma moça muito jovem, dezenove aninhos de idade com uma cardiopatia extremamente severa, de Minas Gerais, do estado de Minas, de um outro estado. Uma cardiopatia muito severa, que veio de lá com um relatório *, a gente via nas entrelinhas do relatório um temor imenso dos médicos, de uma importante instituição de Minas, a respeito do risco de morte dessa mulher e isso tudo foi corroborado, foi chancelado aqui pelo instituto (?) que colocou uma situação de risco gravíssimo de morte. Era uma gestação muito inicial, a gente fez uma interrupção de dois minutos, três minutos levamos pra fazer a interrupção, rápido, fez o pós-operatório na nossa UTI, a gente tem uma UTI pra oferecer pra esses casos assistência depois da cirurgia sem nenhum tipo de problema. (Jefferson Drezett).

Esse mesmo dado é apresentado num relato mais detalhada e fixado numa sequencia narrativa particular e específica sobre a relação médico-paciente. A narrativa é focada no conhecimento e interesse do médico pelo contexto social, econômico e afetivo da vida da gestante:

Eu tive a mais recente, uma paciente que eu recebi, eu não posso dizer o nome, logicamente, mas que eu recebi e que ela é de * Angola. E essa moça tinha uma doença hematológica grave, grave, porque ela tinha uma anemia * uma anemia falciforme, uma forma chamada forma major (?), muito grave. Essa menina tinha 19 anos, mas ela já tinha mais de trezentas transfusões de sangue. Ela começou a manifestar as crises dela de anemia falciforme grave desde a infância. O pai dela, muito rico lá em Angola, dono de uma cadeia lá, parece que de super mercado, do comércio, mandou ela, desde cedo, morar na Inglaterra. E na Inglaterra, ela morava lá na Inglaterra e era tratada lá na Inglaterra. Num determinado momento ela começou a ter crise de falcização, lá na Inglaterra eles não conseguiram mais controlar, aí ela foi para um centro grande não * minto * perdão, essa menina não morou na Inglaterra, morou em Portugal, ficou morando em Portugal, quando num determinado momento eles não conseguiram controlar, ela foi para Inglaterra. Na Inglaterra não conseguiram controlar a anemia falciforme dela, ela foi para Cuba, chegou a Cuba foi uma grande decepção, porque ela foi atrás de uma propaganda fajuta, chegou a Cuba foi uma decepção, piorou e veio parar no Brasil. E aqui no Brasil ela foi ao serviço da Beneficência Portuguesa e nesse serviço eles conseguiram controlar a falcização dela. Aí ela estava morando aqui, bem e tal. E ela já tinha um namorado, desde Angola, que era brasileiro, e terminou engravidando, e o desespero bateu porque o risco dessa paciente de falcizacão na gravidez é muito grande. A anemia falciforme na gravidez por si só, mesmo a anemia menos grave já é arriscado; essa moça tinha um altíssimo risco. Aí o pessoal da Beneficência Portuguesa me encaminhou para * solicitando a

interrupção da gestação, sabendo que mesmo com a interrupção da gestação essa paciente iria ter uma crise de falcização. Essa paciente foi comigo, eu constatei tudo fiz a internação dela no Hospital São Paulo, fiz * anotei no relatório, fiz todo um relatório de risco. Falei, apresentei à família, discuti com ela, houve um consenso, quer dizer, houve um consentimento e nós fizemos a interrupção na Escola Paulista de Medicina. E a interrupção foi rápida, tranqüila. Fiz com a técnica de aspiração, que foi muito rápida, a paciente internou, foi feito muito rápido, e ela tinha, como o grupo que estava acompanhando ela era da Beneficência Portuguesa, o grupo pediu que, após interromper, já a levasse pra Beneficência porque eles tinham certeza que ela iria fazer uma crise de falcização grave. E foi verdade, eu fiz a interrupção e quando foi duas a três horas depois ela já começou com dores articulares. Mas ela foi removida para Beneficência por intenção dela, por pedido dos médicos e dela mesma e deu continuidade, e trataram e tudo bem, ela evoluiu bem, e sem problema. Mas é uma paciente que não deve engravidar, o risco de gravidez para ela é muito alto, muito, muito alto. Então, esse foi um dos últimos casos que eu tive, foi uma anemia falciforme grave, que ela veio com a solicitação da equipe da hematologia da Beneficência Portuguesa, e eu fiz a interrupção, e um processo simples, por quê? Porque como é legal eu informei, fiz uma carta para Diretoria do Hospital, a Diretoria Clínica, comunicando o caso; escrevi no prontuário, internei e fiz o procedimento sem problema nenhum. (Osmar Colás).

3) Na rotina do serviço particular de assistência à gestação de risco, o aborto por risco de vida da gestante não se justifica apenas quando a gestante corre perigo. O diagnóstico de uma síndrome complexa do feto também entra na formulação do risco com indicação de aborto. Este dado é organizado por meio de uma narrativa generalizada de casos de gestação de fetos com síndrome de Down27:

E aí nós mudamos a orientação, a gente discute a gravidade do caso, permite que a mulher chore, que pergunte e hoje a gente tem a consciência de que o trauma é de tal ordem de grandeza que você muitas vezes precisa esperar sedimentar o diagnóstico para daí elas começarem a pensar no que vão fazer. Entendeu? Isso vem automaticamente, você fala para uma mãe que o diagnóstico deu Síndrome de Down, ela sabe o que é Síndrome de Down e ela vai começar a pensar o que ela vai fazer. Aí muitas vezes não é necessário você chegar para ela e perguntar <<como é, você vai interromper ou vai manter?>> Não precisa, porque no momento que ela vem procurar um diagnóstico e ela sabe que ela tem um risco maior do que uma menina de 20 anos, ela sabe que, hipoteticamente, poderá vir um

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Síndrome de Down ou Trissomia do cromossoma 21 é um distúrbio genético causado pela presença de um cromossomo 21 extra, total ou parcialmente. A síndrome é caracterizada por uma combinação de diferenças maiores e menores na estrutura corporal. Geralmente a está associada a algumas dificuldades de habilidade cognitiva e desenvolvimento físico, assim como de aparência facial. A síndrome de Down é geralmente identificada no nascimento, mas pode ser diagnosticada após o primeiro trimestre da gestação através de exame ultra-som. Pessoas com síndrome de Down podem ter uma habilidade cognitiva abaixo da média, geralmente variando de retardo mental leve a moderado. Esta síndrome não é classificada como malformação fetal incompatível com a vida.

diagnóstico desfavorável. Então isso, mais ou menos claramente, é uma coisa que está em questão. Então, não precisa forçar muito. (Thomaz Gollop).

4) O risco ocasionado pela malformação fetal também pode resultar em aborto. Mesmo não se enquadrando no permissivo legal que garante o direito ao aborto no caso de risco de vida materno, a gestação de feto com malformação pode ser interrompida com base nesse permissivo, desde que a argumentação médica e jurídica ateste o risco para a gestante. Esse dado é articulado argumentativamente num relato de um caso pioneiro de autorização de aborto de feto anencefálico. A riqueza de detalhes e de personagens é usada para garantir a veracidade da narrativa:

(...) a Kátia Correia, que é um exemplo muito gritante, era uma moça, na época, com vinte e poucos anos, e que foi uma parceira nossa de enorme valor, porque nós chegamos para ela na época e falamos <<olha Kátia, nunca foi pedido alvará em São Paulo, e tem alto-risco de ele não ser concedido, e se ele não for concedido você não vai poder interromper essa gravidez, porque quem colocar a mão em você vai para cadeia porque está afrontando uma decisão judicial>> E ela topou essa parada, e na época a Silvia Pimentel, que você conheceu, nos indicou uma advogada que patrocinou essa causa, que por sinal é católica também, muito católica, não pouco católica, muito católica. E essa advogada, na época, que hoje também e desembargadora, me fez uma sabatina monumental no escritório dela, muito para saber o quão firme eu estava nessa decisão e para me dizer muito claramente que se não fosse deferido isso poderia representar um grave problema e eu me lembro que eu suava em bicas, porque eu tinha a dimensão de que era uma coisa grande, mas não tinha essa dimensão dos riscos de uma não concessão porque para mim, vinte anos mais jovem, era tão óbvio que isso tinha que ser concedido. E eu só vim amadurecer anos depois que nada nessa área é obvio. E aí foi concedido, ela foi muito bem atendida e uns dois ou três anos depois engravidou de novo de um novo anencéfalo, e interrompeu de novo, aí ela se separou e há uns dois anos atrás ela voltou com um novo marido, já na beira dos 40 anos querendo saber o que eu achava de ela engravidar de novo. (Thomaz Gollop).

Garantia: A interrupção da gestação como decorrência do risco de vida para a gestante precisa ser um procedimento seguro, pois é importante que a saúde reprodutiva da gestante seja salvaguardada após o procedimento. Tal garantia é construída por meio de relatos que refletem o diálogo entre médico e paciente na condução de casos de indicação de aborto:

Se eu der um diagnóstico para ela, muito bem, o que eu tenho que fazer? A pergunta da paciente <<está bom, eu tenho esse tumor, eu tenho essa doença, estou grávida, como é que eu posso fazer?>>. Bom, o tratamento tem que ser imediato << ah, eu vou ter que operar?>> <<É, o ideal seria ressecar o tumor, por exemplo, e entrar automaticamente com a quimioterapia>> << Está bom, mas isso não vai fazer mal para o meu bebê?>> <<Aí é que está! Nós não vamos poder fazer quimioterapia você estando grávida, porque vai causar transtorno, é incompatível com o teu quadro>> << e se eu não fizer>> << você pode morrer, porque a evolução desse quadro se dá geralmente em dois à seis meses, e você está com diagnóstico, por exemplo, de gestação inicial>>. Entendeu? Aí você começa a sensibilizar. Qual seria a sua * qual as possibilidades que nós temos? Aí você pergunta para ela <<quais as possibilidades? Você ressecar o tumor, e entrar automaticamente com o tratamento, porque antes disso você precisaria interromper, não dá para tomarmos as três atitudes num único momento>>. Aí, normalmente, vem uma questão << mas se eu fizer isso depois eu vou poder ter filho?>> Entendeu? Ela quer saber com relação a fertilidade dela, como é que vai ficar quer dizer, então são coisas que vem tudo junto. (Joselene Breda).

Apoio: A gestante de risco que procura o serviço de aborto legal, geralmente, já tem em mente a possibilidade de ser submetida ao aborto. Este apoio é apresentado para ajudar a construir a aceitabilidade da razão pela qual o aborto induzido pode ser configurado como o desfecho da gestação de risco:

Mas quem nos busca, já nos busca solicitando, averiguando a possibilidade de interromper essa gestação. Isso nem sempre resulta num abortamento porque nem sempre a informação que é transmitida para o paciente denota ou esclarece a real gravidade da situação. Às vezes, a situação é muito mais grave do que aquela mulher está imaginando. E ela está até com uma noção muito vaga do risco que ela corre. Por outras vezes aquilo que é colocado como risco, e a gente já viu isso acontecer com um médico, não configura risco que exija ou que coloque essa mulher sob alguma pressão para realizar o abortamento, às vezes o risco é tão baixo e tão insignificante que há um equivoco da percepção do médico que a encaminhou. (Jefferson Drezett).

Quadro X – Argumento IV: Aborto é o desfecho da gestação de risco Proposição Sustentação

Complicações na gestação e no

estado de saúde da gestante podem Dados

1) A precisão na avaliação do risco é importante para a assistência à saúde da

levar ao aborto voluntário. mulher grávida que vai abortar.

2) O diagnóstico precoce de risco e consequente indicação terapêutica do aborto minimizam as possibilidades de complicação do quadro clínico da gestante e o procedimento pode ser feito com maior segurança.

3) Na rotina do serviço particular de assistência à gestação de risco, o aborto por risco de vida da gestante não se justifica apenas quando a gestante corre perigo

4) O risco ocasionado pela malformação fetal também pode resultar em aborto

Garantia A interrupção da gestação como decorrência do risco de vida para a gestante precisa ser um procedimento seguro, pois é importante que a saúde reprodutiva da gestante seja salvaguardada após o procedimento.

Apoio A gestante de risco que procura o serviço de aborto legal, geralmente, já tem em mente a possibilidade de ser submetida ao aborto.