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Na construção deste argumento é considerado o âmbito técnico dos métodos e procedimentos para o abortamento como uma intervenção médica.

Proposição: O aborto (abortamento) é um procedimento médico que requer uma série de protocolos que devem ser seguidos para assegurar a saúde da mulher e a ética do médico que o realiza. Essa proposição é apresentada listando-se os procedimentos burocráticos e protocolares que garantam a escolha segura e livre de dúvidas por parte da gestante e que transpareça a ética médica na condução do procedimento:

Quando a gente vê que não há outro meio de salvar a vida da mulher, salvar a vida da mulher e garantir salvar a vida da mulher, só pode ser feito se a gravidez não existir. Por isso que a gente também entende que estas gestações que não vão morrer em dez minutos, quinze minutos ou uma hora, elas também são passíveis de interrupção. É claro, não é provável, iminente. Nesse caso, como não há um risco iminente, há tempo sim de um consentimento livre esclarecido ser feito. Essa mulher buscar ciência da sua situação ou dar ciência de que conhece a sua situação e opta pelo abortamento e nos solicita e nos autoriza a realizar essa interrupção. (Jefferson Drezett).

Uso de dados:

1) A indicação da interrupção precisa ser corroborada por médicos especialistas. Esse dado é apresentado para auxiliar na formulação do argumento de garantia do exercício ético da profissão médica:

Nesse risco potencial que se sugere uma interrupção da gravidez, sim. Aí, normalmente, é compartilhado com mais médicos e normalmente existem recomendações, inclusive, no próprio parecer (...). E a recomendação é que, além do médico ginecologista, o obstetra tenha pelo menos um outro da especialidade que é o fator de risco: o nefrologista se é uma patologia renal, uma cardiologista se é * enfim, que possa estar também assinando o potencial risco de agravo de vida dessa mulher corre na gestação, indicando a interrupção. (Cristião Rosas).

2) Antecipação terapêutica do parto e aborto terapêutico são procedimentos

diferentes. A construção desse dado para compor o argumento é feita descrevendo-se os casos onde cada procedimento pode ser aplicado e sua diferenciação:

A gente * primeiro que existe um tempo. É lógico que existem algumas patologias * se você vai fazer * qual é a diferença entre aborto e antecipação do parto? Isso também é uma grande questão. Por exemplo, às vezes nós temos pacientes que tem uma doença tão grave, tão grave, que ela está no sexto mês de gravidez e a gente deveria antecipar esse parto, tirar esse neném muito prematuro, para salvar a vida dessa gestante. Só que eu pego esse neném muito prematuro, de seis meses e dou para o pediatra, e o pediatra tenta fazê-lo sobreviver. Isto se chama antecipação do parto. Muitos chamam de interrupção da gestação, é interrupção da evolução da gestação; mas é antecipação, tira o neném antes e dou para o berçário. Quer dizer, eu tenho a intenção de tentar fazer esse neném sobreviver. Uma outra situação, é o aborto terapêutico, ou seja, aborto é retirar um feto que não tem condição nenhuma de sobreviver, portanto é interromper a vida desse feto, a possibilidade de vida, então aborto terapêutico. E aí, existe uma outra grande discussão, para muitos médicos e eu particularmente me sinto confortável dentro dessa situação onde a gravidez, primariamente, deve ser interrompida até 12 semanas, porque até

12 semanas o feto não tem sistema neurológico central suficiente para

dizer assim <<tem vida>> .(Osmar Colás).

3) Na indicação terapêutica do aborto outros profissionais não-médicos são acionados para acompanhar a gestante:

Olha, geralmente a gente trabalha com essas paciente em equipe multiprofissional. Somos de serviço público, então essas paciente passam, por exemplo, aqui na casa, a gente lida mais com estupro, mas tem a medicina fetal, que trabalha com os [fetos] mal formados. Mas independente disso, em todas, nas duas situações a equipe é a mesma. Equipe que passa por psicóloga, por assistente social, tem a enfermeira que conversa também. Então, e os médicos, então, no mínimo a pessoa, a paciente, é vista por quatro profissionais diferentes que discutem cada um dentro da sua área, alguns elementos. (Osmar Colás).

Tem um médico que, normalmente sou eu, que atendo; tem uma equipe que faz o ultra-som e faz a coleta de exame que, normalmente, hoje em dia é comigo. Eu passo o resultado e quando o resultado é desfavorável eu encaminho e sugiro a entrada da [psicóloga] Daniela Pedroso [...] que atende os casos pra mim aqui. (Thomaz Gollop).

Garantias:

1) A indicação terapêutica do aborto não é uma decisão de um único médico, o trabalho em equipe é fundamental na busca pela saúde e bem-estar da gestante. Essa garantia é colocada para apoiar a proposição central na lógica do tratamento do aborto como um procedimento clínico. Registros em prontuários, reuniões com equipes médicas, a atuação de profissionais não-médicos e informações dadas às gestantes são enumeradas como passos de um procedimento:

Nessa situação, documenta-se muito fortemente * a gravidade da patologia no prontuário. Pelo menos no nosso hospital a gente, os chefes junto com os residentes colocam que foi discutido em equipe com o Dr. Fulano, Dr. Fulano e Dr. Fulano, que foi uma decisão coletiva, que a paciente foi informada, orientada, esclarecida sobre esses riscos. Quando é uma menor tem que chamar a mãe, o responsável legal, ou quando há dúvida sobre essa capacidade da pessoa de decidir, porque às vezes a pessoa não está compreendendo o risco. (Cristião Rosas).

(...) mas ela optando pelo abortamento o que é que a gente procede do ponto de vista interno: nessas circunstâncias a gente acha interessante ter um termo de consentimento dessa mulher porque não são casos de risco de morte iminente. (Jefferson Drezett).

E depois há um termo de aprovação interno. Que é uma situação um pouco diferente. Um termo de aprovação interno onde o medico, o psicólogo, o assistente social, o diretor do hospital, todos estão cientes, estão aprovando a realização do abortamento. No mais, os documentos que a gente utiliza são documentos comuns que são exigidos pela Secretaria do Estado da Saúde, são os habituais para todo e qualquer procedimento, nesse caso não deixa de entrar dentro das rotinas. E é claro, dentro dessa documentação, do prontuário, vão ter todos os exames possíveis e pertinentes. Vai ficar ali registrado formalmente em prontuário. O parecer da Psicologia da instituição, o parecer do Serviço Social da instituição, o parecer do médico da instituição, ou seja, tudo isso é feito da maneira documentada da melhor forma possível. (Jefferson Drezett).

2) Relatos sobre a relação médico-paciente no processo de comunicação de risco e indicação do aborto também é usado como garantia na construção do argumento do aborto como um procedimento clínico:

Eu falo para ela que existe a possibilidade, que existe um processo, que ela pode solicitar e aí ela vai ter que passar por todo um processo, um processo * legal, de documentos: tem que fazer um laudo, tem que fazer um laudo realizado por pelo menos dois médicos, ou até mais, três, quer dizer, um especialista em ultra-som, mais um obstetra, se ela tem uma doença clínica associada, mais um clínico. Então, no mínimo dois médicos são obrigatórios, um especialista da área que está indicando e mais o obstetra (...). No mínimo esses dois para fazer o laudo, anexar os exames e encaminhar para o juiz, isso no caso do feto malformado, no caso de risco de vida não precisa tudo isso. O risco de vida materno, a mãe * você explica para ela, ela faz uma solicitação, porque já está no Código Penal, então eu não preciso, eu interrompo a gestação, anoto no prontuário e acabou. (Osmar Colás).

3) O tratamento médico do aborto como um procedimento é diferente quando se trata do serviço particular. Na realidade de uma clínica particular, que atende um segmento social privilegiado economicamente, os procedimentos seguem outra lógica: há uma espécie de “proteção” do médico que acompanha o caso quando esta já é sua paciente, em que ele se responsabiliza pela condução do caso. Quando a gestante não é sua paciente de pré-natal faz-se os encaminhamentos para outros serviços. Essa garantia é apresentada usando narrativas que refletem o diálogo entre os médicos e os serviços e as estratégias para fazer a gestante lograr a autonomia da escolha pelo aborto sem ser criminalizada:

Quando as pacientes são minhas de pré-natal eu assumo [o aborto], mas quando elas não são minhas nós temos duas alternativas. É uma situação que permite uma interrupção legal, eu encaminho, oriento o advogado, faço todo o tramite para a pessoa poder tranquilamente acionar o judiciário, e falo com o médico ou médica que está atendendo <<olha, fulana tem um bebê assim e assado e nós vamos pedir um alvará judicial, você quer atender?>> Hoje em dia um bom número atende, quando não atendem vai para o serviço de aborto legal (...). (Thomaz Gollop).

Apoios:

1) A indicação terapêutica do aborto é realizada ao longo de um processo que envolve a construção coletiva da avaliação do quadro clínico da gestante. Essa argumentação é construída para fundamentar a garantia de que a indicação de aborto não é uma decisão médica individual.

Essa pessoa é tratada desde o primeiro momento que ela chega na instituição da maneira mais aberta possível. Como o caso está chegando eu não tenho nenhuma condição de dizer se ele será ou não será provável. Há uma série de questões a serem vistas, há reuniões para decidir por isso. Veja bem, tudo isso é para garantir a melhor qualidade possível para o atendimento a essa mulher, além de cumprir, evidentemente, o ordenamento jurídico. Mas a melhor qualidade de atenção possível não pode ser definida no momento da primeira consulta. Isso vai se construindo no decorrer dessas consultas e isso é avisado para essa mulher desde o primeiro momento que ela chega. Nós vamos verificar e checar, nós vamos avaliar tudo que é possível para ser feito o máximo possível, e se realmente se constatar que há um risco de morte, que há um risco para a vida da senhora e a senhora optar pela interrupção da gestação nós vamos empreender a essa interrupção de gestação. (Jefferson Drezett).

2) O termo de consentimento é um documento que assegura a proteção ética do

médico e da própria gestante quanto ao risco que se corre, tanto quando se decide pelo aborto quanto se decide pela manutenção da gestação, principalmente quando a decisão diverge da avaliação médica. A gestão do risco, nesse âmbito, se insere na margem da transgressão da orientação médica como meio de garantir a escolha por correr risco, por

parte da gestante, e desresponsabilização/desculpabilização do médico frente a essa decisão:

Existe um termo de não aprovação. Isso é nos casos onde, alguns poucos casos, onde a gente não aprova o procedimento por alguma razão, digamos que a gente não tenha encontrado justificativa técnica * quando o risco é vago, inconsistente, não é condizente com os dados descritos pela literatura médica. Então nesses casos a gente toma cuidado de colocar, pelo menos colocar esse termo ou aprovação e justificar esse termo. Porque eventualmente se a mulher discordar dessa colocação profissional e de alguma maneira requerer * isso consta nos motivos porque não foi interrompido. Um outro termo que a gente também usa e iria me esquecendo de dizer, é no caso da mulher, durante o procedimento, onde a gente encontra um risco muito alto e elevado, um risco que realmente justifique a interrupção * dela * dizer não, eu mudei de idéia, eu conversei, por exemplo, com o meu orientador religioso, minha referencia religiosa e decidi que não vou realizar a interrupção. Nesse caso, igualmente, a gente pede que ela assine um termo que ela estava ciente, esclarecida. Esse termo inclusive é especifico, não é um termo pré *; claro o formato dele já é pré-codificado, mas todo o formato com todos os quesitos esclarecendo o risco é colocado nominalmente, colocado numericamente e ela assina. Mesmo conhecendo todos esses riscos, mesmo conhecendo as conseqüências possíveis e optando por não interromper essa gestação. Isso a gente também acha bastante importante porque não é para torturar a

mulher a fazer, é porque se no final das contas acontecer algo realmente grave e a família, por exemplo, requerer porque o hospital não realizou essa interrupção então tem documentado dizendo que a gente respeitou o direito de escolha daquela mulher e esse direito de escolha foi extremamente esclarecido; era ciência dela e a opção dela para não interromper a gestação foi documentada num termo específico para isso. Esse é um outro cuidado que a gente toma que também é importante documentar a autorização e também que documente que ela não vai realizar uma interrupção, no caso, a vida dela corre risco. (Jefferson Drezett).

Quadro XI – Argumento III: Aborto é um procedimento clínico Proposição Sustentação

O aborto é um procedimento médico que requer uma série de protocolos que devem ser seguidos para assegurar a saúde da mulher e a ética do médico que o realiza.

Dados 1) A indicação da interrupção precisa ser corroborada por médicos especialistas. 2) Antecipação terapêutica do parto e

aborto terapêutico são procedimentos diferentes

3) Na indicação terapêutica do aborto outros profissionais não-médicos são acionados para acompanhar a gestante

Garantias 1) A indicação terapêutica do aborto não é uma decisão de um único médico, o trabalho em equipe é fundamental na busca pela saúde e bem-estar da gestante.

2) Relatos sobre a relação médico- paciente no processo de comunicação de risco.

3) O tratamento médico do aborto como um procedimento é diferente quando se trata do serviço particular.

Apoios 1) A indicação terapêutica do aborto é realizada ao longo de um processo que envolve a construção coletiva da avaliação do quadro clínico da gestante.

2) O termo de consentimento é um documento que assegura a proteção ética do médico e da própria gestante quanto ao risco que se corre