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Nesta argumentação o risco é relacionado ao sofrimento mental/emocional da gestante.

Proposição: As desordens emocionais e os sofrimentos psíquicos decorrentes de uma gestação com diagnóstico de risco constituem-se, eles mesmos, em fatores de risco.

Uma das formas de nomear o sofrimento emocional como um fator de risco para a gestante é a alusão à maternidade frustrada pelo diagnostico de risco, configurado no dilema da escolha entre a própria vida e a vida do feto:

(...) Agora, geralmente, risco de vida para mulher, risco de morte materna, normalmente a gente está falando de um quadro clássico de uma mulher que sonhou com aquilo, que * a partir do momento que se vê grávida, imagina, ela é capaz de entregar a vida para salvaguardar a do filho. (Joselene Breda).

Outra forma de nomear esse sofrimento é denominá-lo como tortura, especialmente

nos casos de malformação fetal. O argumento é apresentado como uma facticidade, sem possibilidade de questionamentos ou dúvidas:

(...) de fato, a maioria dos fetos e embriões anencefálicos morrem intra- útero, de fato, uma percentagem razoável tem polidraminio. Enfim, existem complicações obstétricas, mas eu acho que o cerne da questão está em dois pilares: na inviabilidade do feto anencefálico, e na tortura que poderá

ocorrer da mãe ter que manter uma gravidez de um feto totalmente

inviável. (Thomaz Gollop).

Uso de dados:

1) O risco psicológico é potencializado pelo risco físico. Esse dado é apresentado para oferecer legitimidade à proposição central (risco psicológico), tem o objetivo de atestar a evidencia do caráter psicológico do risco a partir da autoridade de documentos da área médica que oferecem informações sobre os efeitos emocionais da gestação de risco. O dado faz composição com o argumento sobre o direito da gestante de decidir autonomamente sobre a manutenção ou a interrupção da gestação:

Existe um estudo, um trabalho muito interessante, muito bonito, aliás, feito pelo pessoal da Comissão de Cidadania e Reprodução da Flasog, Federação Latino-Americana [de Sociedades] de Obstetrícia e Ginecologia. Chama-se Causas de Saúde para Interrupção da Gravidez. Está em espanhol e é o primeiro documento que eu conheço que além da questão * mais formal do risco organicista, que nós médicos somos mais formados, acrescenta uma outra questão que é o mental, psicológico, potencializado por aqueles riscos que, se não forem resolvidos, por exemplo, com uma interrupção, vai ser agravado. Dá muito valor a essa condição individual da mulher, da percepção dela, da vida dela, o corpo é dela, afinal. (Cristião Rosas).

2) Relatos de casos internacionais que narram histórias de gestante em sofrimento emocional também são usados como dados:

(...) quando o Peru teve um caso de uma menina, adolescente, com um anencéfalo que queria fazer a interrupção da gravidez pelos riscos potenciais de saúde, e ela bateu de porta em porta, sistema de saúde, o

Ministério da Saúde não conseguiu resolver o problema, entrou num problema psicológico muito grave, entraram na justiça contra ela. (Cristião Rosas).

3) Relatos de casos clínicos atestam que o sofrimento gerado pela não consideração, por parte dos médicos, da opinião da gestante na avaliação do seu próprio risco também é um agravante para o estado emocional dela. Esse dado é usado para compor a premissa central assinalando o argumento de defesa do direito da mulher de decidir sobre o aborto:

(...) esse caso que eu te falei da insuficiência renal, dessa patologia que ela tinha, ele foi muito resistente em relação a valorizar esse risco para essa mulher, e ela estava flagrantemente em sofrimento mental, chorando, sabe? Você via que ela estava angustiada, desesperada. Tivemos que chamar a equipe de Saúde Mental, Psicologia, para acompanhá-la. (Cristião Rosas).

4) A relação fantasiosa com o feto ou o vínculo imagético com o feto doente ou malformado também é um dado apresentado como evidencia do risco psicológico para a gestante:

(...) havia uma idéia, no Brasil, preconcebida, como também é preconcebida a idéia de que toda a interrupção acaba psicologicamente com a mulher, de que as mulheres não queriam ver os fetos mal formados, e existia um trabalho de uma psicóloga que trabalhava nos anos 1970, 1980, na Universidade de Rotterdam, na Holanda, no serviço de Medicina Fetal, cujo nome é Petra Frets. E essa mulher trabalhou muito na área da Psicologia e o diagnóstico pré-natal. E os trabalhos nessa década, que estão todos publicados, se você entrar hoje você vai achar tonelada de coisas dela, ela dizia que isso era um erro. Achei um argumento muito interessante, que a mulher quando sabe que o filho tem alguma deformidade, ela sempre imagina, ou com freqüência imagina que o mostro é muito maior do que ele é na verdade, e isso cria uma ansiedade absurda. Por outro lado, por melhor que seja o vínculo da paciente com o médico, sempre pode ter a dúvida <<será que isso existia mesmo?>> Especialmente hoje, na época do ultra-som, em que as pessoas vêem a cabecinha, vêem a mãozinha, etc. e tal, elas não entendem anomalias. * Mesmo na anencefalia, que está lá o globo ocular elas não conseguem entender isso, então é extremamente importante você mostrar, você dizer <<olha, era mesmo anencefálico, era mesmo, isso ou aquilo>> E que mostrar não deveria ser uma imposição, mas era algo a ser perguntado para a mulher. E você sabe que, depois do começo dos anos 1980, foi impressionante observar que raramente uma mulher pedia para não ver. (Thomaz Gollop).

Garantia: Os exames clínicos, sobretudo o ultra-som, são instrumentos da prática obstétrica importantes na minimização dos riscos emocionais.

Essa garantia é usada para afirmar que os dados são usados de modo cuidadoso e racional no apoio a proposição central. A narrativa sobre procedimentos e casos clínicos é apresentada para explicitar a lógica da argumentação: o risco emocional é vivenciado como a perda da maternidade já elaborada e frustrada pela condição do risco gestacional:

Quantas vezes a paciente está aqui, já que o exame deu positivo, vamos fazer o primeiro ultra-som, só depois desse ultra-som é que eu faço festa com ela, eu seguro, dou os parabéns e tudo, mas vamos ver, aquele ultra- som, o primeiro ultra-som carimba, vai lá, vê o coraçãozinho batendo, ela vai fazer o ultra-som, o colega pega lá o ovo embrionário, não tem bebê aí. Aí, o serviço médico, muitas vezes, ele nem liga, você está entendendo? Então, tem uma pessoa aqui que eu vou falar <<olha, já era para estar com 9 semanas, tem um ovo aqui que já está involuindo, não tem mais * não tem nem consulta, pronto. E aí se eu estou aqui no consultório, já falo <<pede para ela vir aqui que eu converso com ela >> para falar tem alguma coisa errada, para não estressá-la <<olha, infelizmente essa gravidez não é *>> ela sofre, é um luto, parece até que ela perdeu alguém que já está convivendo com ela há anos, e era um ovinho, ela curtiu aquilo durante pouco tempo, foi o tempo que ela identificou o atraso, que ela fez o exame de gravidez. Daí ela foi fazer o ultra-som e não tem, não tem bebê, está entendendo? Você imagina todo esse castelo e aí você descobre uma doença, ou uma paciente doente. (Joselene Breda).

Apoio: O risco fetal tem conseqüências importantes na dinâmica emocional da gestante e pode ser interpretado como risco de vida para a gestante.

A aceitabilidade da premissa central é atestada pelo relato da evidencia jurídica do uso do risco materno como decorrência do risco fetal, nos casos de anencefalia:

Porque ele [o juiz] não fazia a menor questão de fazer essa analogia e ele entendia que aquilo era uma demanda do casal, gerada em cima do sofrimento. E uma coisa que pouca gente considera é o seguinte: os envolvimentos emocionais dos casais em questões que dizem respeito à interrupção ou à decisão de interromper a gravidez são de base completamente diferente conforme a motivação que leva à interrupção. (Thomaz Gollop).

As desordens emocionais e os sofrimentos psíquicos decorrentes de uma gestação com diagnóstico de risco constituem-se, eles mesmos, em fatores de risco.

Dados 1) O risco psicológico é potencializado pelo risco físico.

2) Relatos de casos internacionais que narram histórias de gestante em sofrimento emocional.

3) Relatos de casos clínicos atestam que o sofrimento gerado pela não consideração da opinião da gestante na avaliação do seu próprio risco também é um agravante para o estado emocional dela. 4) A relação fantasiosa com o feto ou o vínculo imagético com o feto doente ou mal formado é uma evidencia do risco psicológico para a gestante

Garantia Os exames clínicos, sobretudo o ultra-som, são instrumentos da prática obstétrica importantes na minimização dos riscos emocionais.

Apoio O risco fetal tem conseqüências importantes na dinâmica emocional da gestante e pode ser interpretado como risco de vida para a gestante.