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A definição de risco corrente em um grupo específico remete à esfera dos valores morais: risco é sempre definido na esfera moral (M. J. SPINK, 2000). Na construção desse argumento, a noção de risco é usada com enfoque na dimensão moral do/a médico/a, e, portanto, pessoal.

Proposição: A análise do risco é determinada pelas biografias pessoais e profissionais de cada médico.

Esta afirmação é apresentada como resultado da argumentação sobre a influência de aspectos morais e ideológicos, relacionados à liberalização do aborto induzido ou voluntário, na indicação terapêutica da interrupção da gestação por risco de vida da gestante. A premissa é explicitada da seguinte forma:

(...) Mas essa defesa desse risco é muito individual e é muito variável em termos daquilo que cada um tem como percepção ou de sensibilidade em relação à questão do aborto. (Cristião Rosas).

Em função do caráter pouco objetivo que atravessa a avaliação do risco, defende-se a participação da própria gestante nesta avaliação:

(...) Não é ainda uma percepção clara dos médicos qual é o limite desse risco, que esse risco, mesmo que não seja para ele tão importante, deveria ser uma decisão da pessoa. (Cristião Rosas).

Um dos entrevistados nomeia os aspectos morais envolvidos na avaliação do risco na gestação e os efeitos que tais aspectos têm para a indicação ou não da interrupção. A vivência pessoal do aborto e a crença sobre a sacralidade da vida humana são os dois elementos mais enfatizados na explicação sobre as subjetividades presentes na avaliação do risco:

(...) Essa situação * é assim, é o tal negocio quando você coloca na sua decisão, e é muito difícil você tirar, essa elaboração que às vezes vem das entranhas: quando começa a vida, quando começa a vida humana *. A experiência de vida que cada um tem sobre ela. É diferente você falar sobre aborto para um médico ou uma médica que teve muito próximo de si, uma filha, uma namorada, diante de uma gestação indesejada, num momento

crítico da vida e que passou pela experiência do aborto; e é diferente você falar para um médico antigo e que não conversa sobre isso, católico, mais ou menos praticante, nem sempre, mas muito preso com aqueles pensamentos aquele * não é? E ele vai, então, ter valores diferentes, aí para refletir, e às vezes essa percepção que vem de dentro é o que pega na valia dos riscos para o paciente. (Cristião Rosas).

Outro elemento inserido na argumentação diz respeito ao exercício da maternidade. A maternidade presumida/compulsória é colocada como um impedimento moral para a indicação do aborto por risco de vida da gestante. Este argumento é apresentado comparando-se a experiência do aborto por estupro, onde o desejo de ser mãe não estaria presente, e o aborto por risco de vida, em que a maternidade já estaria premente. Na construção desse argumento a voz de outro médico, divergente da posição do entrevistado, é trazida para dar factibilidade ao evento narrado:

(...) embora eu ache que se fosse um direito dela <<se não há outromeio de salvar a vida da gestante>> * é muito forte ainda para alguns médicos, embora, até de certa forma progressistas * nessa questão. Isso que é interessante, por exemplo, aceitam até, a interrupção da gestação, no caso de estupro. Um deles até participou comigo, recentemente, num atendimento de uma interrupção por estupro; * entretanto, esse caso que eu te falei da insuficiência renal, dessa patologia que ela tinha, ele foi muito resistente em relação a valorizar esse risco para essa mulher. (Cristião Rosas).

O desagrado em ser o agente que interrompe a possível maternidade também é expresso:

(...) e eu vou te falar assim, uma coisa que você não perguntou, mas eu te digo <<ah, e quando atende?>> Eu acho péssimo, quando chega risco materno, eu odeio (...). Mas, você gosta? Não, ninguém vai falar que gosta, duvido, tenho certeza absoluta, nem aqui. (Joselene Breda).

Uso de dados:

1) Relatos de casos clínicos que atestam a divergência entre médicos na avaliação do risco com indicação de interrupção da gestação. Esses dados são apresentados para argumentar sobre as diferentes formas de se entender risco na gestação e suas dimensões subjetivas, principalmente quando inclui a subjetividade da própria gestante quando diverge dos valores e crenças dos médicos:

(...) São situações tão pessoais que provocam coisas tão diferentes daquilo que é uma graduação de risco, numa graduação técnica, que o médico que está cuidando da situação tem que saber respeitar, porque eu me lembro que nessa oportunidade, esse é um caso muito antigo, teve alguns médicos que se sentiram muito incomodados com a decisão de continuar, muito

incomodados. Não conseguiram entender que ela entendia o risco e

mesmo entendendo o risco ela resolveu manter. (Jefferson Drezett).

2) As crenças religiosas e a incapacidade de separar Igreja e Estado são características da autonomia da prática médica na avaliação dos riscos. Esse dado é usado para apoiar a proposição central trazendo vozes de médicos com posicionamentos diferentes sobre a gestão da vida: a vida governada por um poder místico, Deus; e a vida governada pelo poder médico e suscetível aos biopoderes:

É muito importante você perceber que há os princípios éticos, morais e religiosos do médico. Embora nos estejamos num país laico, a gente não devia levar em conta a religião, mas isso está embutido, por que você é formatado assim. Então, muitos médicos têm valores diferentes sobre risco, você vai encontrar médicos que acham que mesmo que a mulher tenha menos de 50% de chance de morrer ele diz << Deus é que quis>>. E você vai encontrar médicos que acham que ele pode interferir na lei de Deus. É um direito pessoal de cada médico pensar. (Osmar Colás).

Garantias:

1) Ser favorável ao livre direito de optar pelo aborto é uma postura médica que garante a assertividade na avaliação do risco e na interrupção da gestação. Esta assertiva é apresentada com a nomeação das posturas e posicionamentos dos participantes como, por exemplo, liberal e simpática:

(...) Entretanto, assim, eu acho que eu já sou mais liberal, tenho uma percepção que ninguém merece ou deve sofrer uma coerção de não decidir ter um agravo à saúde. (Cristião Rosas).

Então, você percebe que está noção de risco * tem uma ampla maneira de ser vista, dependendo de quem, dependendo do ponto de vista, dependendo de uma série de crenças, valores, princípios e um monte de outras coisas. Bom, eu como médico, e como uma pessoa que sou

simpática ao direito da mulher de interromper a gestação, eu vejo sempre

assim: qualquer situação de risco maior do que o normal, para mim, é interpretado, seria interpretado como a possibilidade ou direito daquela mulher de optar. (Osmar Colás).

Por exemplo, uma diabética pode ter todos esses riscos, mas é um feto que tem prognóstico, então ninguém vai interromper a gestação, antecipar antes*. Agora, por outro lado, se uma mãe diabética até o terceiro mês de

gravidez, ela fala << eu não quero correr esse risco>> eu, que sou liberal

em relação ao aborto, acho que ela deveria ter esse direito. (Osmar Colás).

Os efeitos dessa postura são evidenciados no argumento de defesa do direito da gestante em participar e decidir sobre a o quanto de risco ela deseja correr:

(...) Dá para gente quantificar isso? Cada pessoa tem o seu nível, cada pessoa tem a sua auto-valoração, dentro da família, dentro do contexto que ela vive, não é verdade? Então, a princípio, eu costumo dizer, qualquer risco a mais que uma paciente tenha, é o direito dela, seria um direito dela solicitar a possibilidade de não correr esse risco, ou seja, de interromper a gestação. Lembrando que uma interrupção de gestação também corre risco. (Osmar Colás).

2) A garantia de que a decisão da gestante é soberana em relação à opinião dos médicos pretende apoiar à anterior: a decisão da gestante sobrepuja as opiniões e decisões médicas que a contrariem:

(...) porque normalmente, mais uma vez eu te falo, o caso tem que sempre está muito bem documentado, porque não cabe ao médico que vai fazer * eu não vou fazer uma auditoria para os meus colegas, mas eu diante * e nem colocar meus colegas*, geralmente a patologia, não é uma patologia que você conhece vou me informar a respeito daquilo para que fique claro, porque eu acho que tem que ficar claro para cabeça do profissional. Eu não vou colocar uma paciente na mesa, para fazer uma interrupção se eu não tiver tranqüila com as minhas convicções, porque se ela está ali é porque ela optou e ela assinou e solicitou e isso já deveria bastar, como nós temos uma lei restritiva e * vinculando à só essas duas possibilidades, o fator interrupção, a possibilidade de interrupção*, muito bem, então a exigência da assinatura, histórico e anamnese de três profissionais solicitando, vamos ver se bate tudo. Batendo, não vejo que deva ter mais questionamentos, se não seria infligir a lei, colocar cinco profissionais ou seis profissionais, entendeu? E, às vezes pode ser passível de discussão, que é o que eu te falei. (Joselene Breda).

1) A ciência é pouco eficaz na precisão da avaliação de risco, por isso as crenças religiosas e morais ganham espaço na decisão pela interrupção da gestação como decorrência do risco.

(...) isto é física, a Medicina Quântica está aí para explicar, como isso se relaciona nós ainda não temos conhecimento, então de forma que essa história de alma é muito nebulosa, sob o ponto de vista científico. Mas sob o ponto de vista de crença é quase que universal, uma crença universal, como era antes em relação aos médicos, médico não podia tratar de doentes porque Deus não queria se Deus pôs a doença em você, você tinha que morrer, porque que vou ir contra Deus? As verdades vão sendo dinâmicas, à medida que se científica, que vai se cientificando, como é que se fala? Cientificando mais, se torna cientifico cada vez mais, você vai olhando os fenômenos com ciência aí você vai entendo sob um ponto de vista diferente do simples mágico, divino, não é verdade? Então, esses riscos todos são muito pessoais, a maneira de interpretar. (Osmar Colás).

2) Os dados científicos e probabilísticos (estatísticas), mesmo não sendo absolutamente assertivos, devem ser usados como fonte de informação para auxiliar as gestantes na decisão em manter ou interromper a gestação:

Também o risco é um direito que ela deveria ter, <<ah, se eu tenho um risco de 1% a mais de morrer, eu não quero correr esse risco>> para quem trabalha com grupo * você imagina pessoas que fazem pré-natal de alto- risco, que trabalham só com hipertensas, se eles sabem que aumentou em 1% o risco daquela mulher, de cada 100 mulheres uma mais vai morrer, será que vale a pena ele ter esse risco aumentado? Ele faz o pré-natal e ele vê <<ah, eu soube que a mulher morreu por ter uma complicação assim>> e aí? Você percebe? Então, essas estatísticas têm que ser apresentada para as pessoas e é um direito à autonomia de decidir. (Osmar Colás).

Quadro V - Argumento IV: O risco gestacional pautado nos valores morais dos médicos Proposição Sustentação

A análise do risco é determinada pelas biografias pessoais e profissionais de cada médico.

Dados 1) Relatos de casos clínicos que atestam a divergência entre médicos na avaliação do risco com indicação de interrupção da gestação.

2) As crenças religiosas e incapacidade de separar Igreja e Estado são características da autonomia da prática médica na avaliação dos riscos

Garantias 1) Ser favorável ao livre direito de optar pelo aborto é uma postura médica que garante a assertividade na avaliação do risco e na interrupção da gestação.

2) A decisão da gestante é soberana em relação à opinião dos médicos.

Apoio 1) A ciência é pouco eficaz na precisão da avaliação de risco, por isso as crenças religiosas e morais ganham espaço na decisão pela interrupção da gestação.

2) Os dados científicos e probabilísticos (estatísticas), mesmo não sendo absolutamente assertivos, devem ser usados como fonte de informação para auxiliar as gestantes na decisão em manter ou interromper a gestação.