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Risco na sociedade contemporânea: o contexto da Saúde

2.5. Risco no discurso técnico da Clínica

Acompanhando a mudança conceitual do risco epidemiológico, a disciplina foi gradualmente prescindindo do conceito de meio, que se tornou cada vez mais um elemento residual no discurso epidemiológico. Concomitantemente, a quantificação e os recursos matemáticos não passaram apenas a conferir consistência interna aos estudos; na

Epidemiologia do risco, eles são a própria fonte de identidade das construções utilizadas nos estudos. Outro movimento em torno dos estudos epidemiológicos de risco inicia-se a partir da década de 1980, a partir de uma corrente de pensamento denominada Epidemiologia Clínica. Seus teóricos salientam as inter-relações da Clínica com a Epidemiologia, buscando uma nova forma de prática médica (SCHMIDT, 1999; FLETCHER, 1996). Com o aprofundamento das dificuldades para controlar os custos da assistência médica, valorizou-se a importância da efetividade da abordagem individual:

[...] a tensão entre a demanda por atendimento e os recursos para provê-lo ampliaram a necessidade de informações mais qualificadas sobre a efetividade clínica no estabelecimento de prioridades de saúde. [...] Variações no atendimento observadas entre os clínicos e entre várias regiões, não explicadas por necessidades dos pacientes e não acompanhadas por diferenças paralelas nos desfechos, levantam a questão de quais são as práticas clínicas de maior utilidade. (FLETCHER, 1996, p. 9).

Os pressupostos da Epidemiologia Clínica podem ser assim resumidos: (i) as decisões clínicas são permeadas por incertezas, e medidas são adotadas sem o conhecimento real de seu impacto; (ii) a experiência clínica e os conhecimentos sobre os mecanismos das doenças e das intervenções são importantes, mas insuficientes para o raciocínio clínico; (iii) é necessário encontrar evidências em pesquisas planejadas para reduzir as incertezas nas decisões, cujos resultados devem ser integrados aos conhecimentos acumulados sobre os mecanismos de doenças e as experiências clínicas pessoais; (iv) os valores atribuídos aos riscos, benefícios e custos das intervenções devem ser ponderados (LUIZ; COHN, 2006).

Desta forma, métodos e técnicas da Epidemiologia, dentre eles o cálculo de risco, são aplicados a questões tais como: acurácia dos métodos diagnósticos, fatores associados ao risco de doença, prognósticos, tratamentos, medidas de prevenção, etiologia e custos. (LUIZ; COHN, 2006).

Colocando-se como interface da Epidemiologia e da Clínica, a Epidemiologia Clínica vem recebendo críticas de ambas as partes. É freqüente a sua rejeição por parte dos clínicos, principalmente por supostamente desvalorizar sua experiência pessoal – e por conseqüência sua competência – pessoal e por desacreditar certezas cultivadas durante anos de prática. Além disso, ao problematizar os custos da assistência, é acusada de articular-se ao movimento das grandes empresas médicas buscando reduzir gastos com prejuízo da qualidade no atendimento. As objeções mais elaboradas à vertente da Epidemiologia Clínica, no entanto, são encontradas no próprio campo da Epidemiologia.

Almeida-Filho (1992) e Barata (1996) apontam que a Epidemiologia Clínica aparece como uma releitura da Epidemiologia, como uma proposta de superação dos impasses da

Clínica e da Epidemiologia, tentando adequá-la, assim, aos imperativos da abordagem clínica individual, obscurecendo o caráter social, próprio da disciplina. Admite-se, portanto, na Epidemiologia Clínica que os indivíduos manifestariam a média dos atributos de uma população, ou seja, seus riscos e fatores de risco:

Ao reduzir a investigação epidemiológica aos estudos de eficácia de procedimentos diagnósticos e terapêuticos aplicados a grupos de pacientes, constituídos com base apenas no fato de serem portadores de doença, a Epidemiologia Clínica opera sua redução mais significativa na realidade, excluindo do campo médico os estudos em que o caráter social do processo saúde/doença possa ser evidenciado. (BARATA, 1996, p. 559).

Somente após a sistematização da noção de doença (século XVIII e XIX) é que a Epidemiologia pôde vir a se constituir enquanto disciplina científica, dado que o seu objeto se estrutura por referência ao saber clínico (ALMEIDA-FILHO, 1992). Portanto, desde o início, é importante acentuar o caráter subsidiário da Epidemiologia em relação ao saber clínico. Segundo Gonçalves (1990), a complementaridade entre estes dois campos de conhecimento encontra-se garantida pela univocidade do conceito de doença que representa, ao nível do saber, a integração das práticas clínicas e de Saúde Pública. A fonte da heterogeneidade fundamental que permite a construção do objeto de conhecimento na Epidemiologia encontra-se na diferenciação potencial entre pessoas doentes e sadias, o que é possibilitado pela abordagem clínica de indivíduos membros da população.

A Clínica e a Epidemiologia encontram-se vinculadas epistemologicamente. Ambas tratam de corpos sociais: enquanto a Clínica trata do sujeito considerado em suas particularidades, o caso, o um, a Epidemiologia aborda o coletivo, busca a generalidade, o

grupo de casos, o todos. A atuação individualizada da prática clínica não deixa de ser uma

intervenção sobre corpos sociais, através de “encontros singulares”, na medida em que trata de sujeitos, em contextos sócio-históricos. A Epidemiologia, mesmo no seu enfoque mais tradicional que reforça o biologicismo da Clínica ao reduzir o social ao mero conjunto de indivíduos (GONÇALVES, 1990), também trata de corpos social e historicamente definidos, neste caso corpos sociais coletivos. (ALMEIDA FILHO, 1992).

A mais marcante expressão deste laço pode ser encontrada na fonte do determinante do objeto da Clínica, localizável o campo epidemiológico, e na definição do objeto epidemiológico, subordinado ao campo da Clínica. Como sabemos, esta subordinação se revela desde a constituição do próprio objeto epidemiológico (doentes em populações), dado que a identificação dos doentes é produzida, em última instância, pela abordagem clínica (ALMEIDA FILHO, 1992).

Metodologicamente, a Clínica e a Epidemiologia interagem. Em primeiro lugar, servem-se mutuamente como fontes de problemas científicos, de moldes explicativos e de hipóteses de pesquisa. Em segundo lugar, os instrumentos de investigação epidemiológica são construídos, quase sempre, a partir de padrões oriundos da observação clínica. Ao mesmo tempo, a validade e a confiabilidade dos procedimentos diagnósticos da Clínica têm sido testadas por meio da metodologia epidemiológica. Neste aspecto específico, será sempre instrutivo rever a origem da nosologia e os fundamentos dos exames ditos complementares, no começo da Clínica (ALMEIDA-FILHO, 1992).

Desenhos de pesquisa originalmente desenvolvidos para a investigação clínica, vêm sendo aperfeiçoados, cada vez mais, pela Epidemiologia, momento em que são ampliados e aplicados em populações. Tais avanços são quase que prontamente devolvidos à Clínica, que os tem absorvido com sucesso no processo de configuração de uma “metodologia de investigação clínica” (ALMEIDA-FILHO, 1992).

Tal “dependência metodológica” tem se tornado tão visível que departamentos clínicos não reconhecem a Epidemiologia na sua formação integral (principalmente por questões ideológicas, quiçá sinalizando uma luta ferrenha por espaço institucional) e passam a desenvolver a chamada “Epidemiologia Clínica”. Para Almeida-Filho (1992), esta proposta nada mais é que a aplicação da metodologia epidemiológica a questões particulares da pesquisa clínica, principalmente porque a Epidemiologia tem se mostrado como principal responsável pelo desenvolvimento de técnicas de análise (heurística e estatística) aplicáveis às especificidades da ocorrência de doença em grupos populacionais.

A forma pela qual a Epidemiologia constrói seu objeto de conhecimento, que equivale ao seu particular modo de produção de conhecimento, não pode ser subsumido pelo discurso clínico. Nem vice-versa: a Epidemiologia não é a “clínica das populações”,

tanto quanto a Clínica nunca se tornará “a epidemiologia dos indivíduos” (ALMEIDA FILHO,

1992, p. 77). Em outras palavras, não obstante as complexas relações dialéticas entre esses campos de conhecimento, como vimos acima, as suas formas privilegiadas de aproximação aos objetivos da saúde-doença não podem ser reduzidos uma à outra. Apesar do reconhecimento de que a Epidemiologia é filha e herdeira da Clínica, como diz Gonçalves (1990), ambas as disciplinas cultivam atualmente um desenvolvimento prático e conceitual autônomo. Numa linguagem metafórica poderíamos dizer que seriam de uma mesma linhagem, e governam reinos visinhos, com intenso intercambio, porém separados por fronteiras bastante precisas e razoavelmente bem delimitadas. Portanto, guarda-se a cada uma o seu objeto.

O conceito de risco cada vez mais prevalece no discurso clínico contemporâneo, especialmente no contexto de um movimento ideológico que se autodesigna por meio desse

intrigante oximoro (LAST, 1989): “epidemiologia clinica”. Para abordar tal questão criticamente, é necessário privilegiar o aspecto técnico, aplicado e utilitário do conceito de risco. De fato, este emprego do conceito resultada de uma tradução “alterada” do conceito epidemiológico original (ALMEIDA-FILHO, 1992).

Primeiramente, o conceito de risco se integra ao discurso da Clínica como uma solução técnica para a questão fundamental do campo: a incerteza no processo de tomada de decisões (KASSIRER, 1976; VOGT, 1987). A incorporação do componente probabilidade do conceito de risco pretende preencher tal demanda, trazendo, além disto, uma série de vantagens ou ganhos secundários, associados à carga de ambigüidades já presentes no conceito. Em primeiro lugar, há uma pretensão de assim reduzir (e no horizonte prevenir) a ação dos elementos subjetivos ou intuitivos no “raciocínio clínico” (SCHWARTZ; GRIFFIN, 1986). Este projeto contra-subjetivo integra-se em uma trajetória a que a Clínica tem se imposto recentemente, buscando se construir como uma prática exclusivamente técnica, desumanizada, imparcial e neutra (BENCH, 1989). Então, o conceito de risco se encaixa como uma luva no processo de despersonalização da Clínica. Porém, na transplantação do conceito, a Clínica interpreta o risco como aplicável ao seu objeto técnico, que não tem um caráter coletivo, que não se refere a populações (a não ser remotamente) e sim ao individuo no singular (FLETCHER et al, 1982; LEDERMANN, 1986; HUNTER, 1989).

Em síntese, o conceito clínico de risco não pretende se basear na aplicação direta de um raciocínio estatístico de probabilidades, ou pelo menos em uma forma de raciocínio fundada no resíduo da probabilidade estatística, como na Epidemiologia. Nesta passagem, ou transferência de campo, ocorre também uma modificação de sentido, do conceito de risco como essencialmente coletivo para uma concepção do risco individual (GIFFORD, 1986).

Risco no discurso da Clínica se produz a partir de duas fontes: por um lado, reduzido sem mediações (transformado) do risco epidemiológico, e por outro lado, deduzido de uma determinada experiência clínica. No primeiro caso, o conceito de risco é tomado com base na expectativa de que a observação de séries finitas de populações, além de propiciar inferências temporais e pseudo-predições espaciais, poderia ainda legitimar predições sobre membros individuais e singulares daquelas e de outras populações (FEINSTEIN, 1983; HORWITZ, 1987). Nota-se que o processo lógico é completamente distinto das inferências típicas do chamado raciocínio epidemiológico. Não mais uma extrapolação fundada na expectativa da existência de regularidades e identidades entre diferentes populações no tempo e no espaço, e sim uma pretensão à “intrapolação”, através da admissão plena do pressuposto de que os membros individuais manifestariam a média dos atributos de uma dada população (risco e fatores de risco). Poderíamos até dizer que se trata da falácia

ecológica ao contrário, o que naturalmente significa cair em outro engano. Tal pressuposto é dificilmente defensável dentro da lógica da prática tecnológica da própria Clínica, na medida em que implica uma contradição fundamental com o princípio da singularidade do caso clínico (MURPHY, 1965; BLACK, 1968; CLAVREUL, 1983).

A segunda fonte do conceito clínico de risco encontra-se no registro histórico da experiência clínica. Esta fonte de informação sobre o risco pode ser oriunda da vivencia do próprio clínico enquanto agente de uma prática individual (GONÇALVES, 1990), mas também pode ser resultante de uma compilação, ou série de observações realizadas por diversos sujeitos, sistematizada ou compartilhada pelos mecanismos convencionais de transmissão da chamada “casuística” (JOSEN; TOULMIN, 1988; HUNTER, 1989). Constitui- se, então, a contradição própria do conceito de risco no discurso clínico: um conceito construído e sustentado a partir de fontes subjetivas, porém com pretensões de maior objetividade (ALMEIDA-FILHO, 1992).

No caso do uso tecnológico do conceito de risco, Almeida-Filho (1992) assinala uma ambigüidade que, apesar de não ser específica do discurso clínico, parece ainda mais marcante, dados os seus efeitos discursivos e práticos da expressão “sob risco”, derivada do inglês at risk (GRUNDY, 1975), que implica novamente na fusão de sentidos entre fator

de risco e risco propriamente dito. Assim, portar um dado fator de risco, ou pertencer a um “grupo de risco”, ou seja, estar “sob risco”, terá o mesmo efeito de qualquer sinal clínico na prática propedêutica. Em outras palavras, pertencer a (ou ser oriundo de) certo segmentos da população, ou ser portador de certas diferenças, idiossincrasias ou heterogeneidade, transformam aqueles predicados do paciente em potencial em sinais de interesse diagnóstico ou prognóstico (ALEXANDER, 1988; GIFFORD, 1986). Além de sinais, pode-se falar também em sintomas porque algumas destas expressões podem ser manifestadas pelo próprio paciente objeto da intervenção clínica. A atribuição de um estatuto de sinal/sintoma clínico ao estado de “sob-risco” termina por configurar um verdadeiro processo de reificação, transformando um efeito de discurso (aplicação de um conceito sobre um corpo ou sobre um sujeito) em uma “entidade clínica”, tomada, para todos os efeitos, como uma coisa em si (GIFFORD, 1986).

O paralelo com a Epidemiologia pode ser instrutivo: como já assinalamos, rigorosamente falando, a nenhum epidemiologista é permitido pensar o risco como uma coisa que tem uma ocorrência independente das populações, que existe em si. Entretanto, na produção de um discurso clínico sobre um determinado paciente, o fato de ele ser proveniente de uma área endêmica, ou ter certo “estilo-de-vida”, ou determinadas preferências sexuais, constituem configurações descritivas do estado de “sob- risco” daquele caso clínico (GRUNDY, 1975). Tais configurações passam a ser entificadas no

mesmo conjunto complexo e heterogêneo de sinais, sintomas, códigos e referencias que passam a compor um quadro diagnóstico global, potencialmente identificáveis com

precision & insight” (MURPHY, 1990). Quer dizer, o perfil de risco dos sujeitos passa a ser

incorporado ao processo de identificação de doença, processo diagnostico regulado pelo discurso da propedêutica clínica. No passo seguinte do processo o risco passa a ser um objeto de diagnostico em si, com o mesmo estatuto epistemológico dos outros objetos semblantes da Clínica (CLAVREUL, 1983), de modo que se diagnostica fatores de risco como se fossem doença (ALMEIDA-FILHO, 1992).

É interessante observar que aqui se fecha todo um ciclo de inconsistências: o sentido do risco se transfere para o seu determinante, que enquanto fator de risco passa a ser reconhecido como um sinal/sintoma, que por sua vez torna-se uma entidade clínica, incorporada a um perfil patológico específico. No final do percurso, talvez pela inércia do processo de construção dos discursos em sua essência lingüística, aparentemente cumpre- se o ciclo com risco terminado por denotar doença (ALMEIDA-FILHO, 1992).

Almeida-Filho (1992) considera que se trata de um ciclo de inconsistências porque todo esse percurso semântico implica uma série de transformações dos significados do conceito original, praticamente condensando todas as ambigüidades referidas ao conceito em pauta, para finalizar com uma sutil alteração do sentido inicial do conceito. Trata-se de um ciclo apenas na aparência, porque de fato o conceito original de risco se constrói no discurso epidemiológico em oposição ao (e justamente para superá-lo) conceito ontológico e entificado de doença da Clínica (CANGUILHEM, 1966/2007; GONÇALVES, 1990), portanto, inútil para a abordagem matematizada do objeto epidemiológico.

Porém, este complexo processo lingüístico, conceitual e praxiológico ainda não se conclui nesta etapa. Dado que o estado de “sob risco” é incorporado à problemática clínica, não se trata apenas do diagnóstico da patologia, mas também de como diagnosticar o risco nos sujeitos. Ora, como a prática clínica é eminentemente tecnológica, no sentido estrito de

techné (CASTORIADIS, 1987), repousa necessariamente em uma proposta de intervenção,

pois não se pode parar na mera constatação do risco. Afinal de contas, a Clínica não se satisfaz com um saber sobre as doenças, e sim tem como projeto histórico tratá-las (CASSEL, 1978; CLAVREUL, 1983). É preciso determinar uma intervenção sobre esse novo objeto ampliado, criando-se, além de uma propedêutica dos riscos, uma “terapêutica dos riscos”. Afinal a questão da prevenção deixa de ser uma problemática coletiva, como construção do modelo epidemiológico da prevenção dos riscos (AROUCA, 1975), e passa se constituir em um problema individual, trazendo a possibilidade da prevenção dos riscos individuais, intervindo, alterando e evidentemente tratando, em ultima instância, os

traços/marcas/atributos caracterizados como sendo potencialmente fatores de risco para a saúde dos sujeitos singulares (ALEXANDER, 1988).

Diversos autores, ao reconhecerem a configuração do conceito de risco e os estudos etiológicos como elemento central na estruturação da epidemiologia, buscam também ressaltar outras dimensões da disciplina. Para Castellanos (1998), a Epidemiologia, mais que o estudo da saúde e da doença em populações, deve ocupar-se do estudo dos

fenômenos de saúde-doença de populações. O autor ao se referir aos estudos ecológicos,

identifica dois tipos de abordagem: a que toma a população como unidade de análise e como universo de estudo, e aquela em que os riscos individuais são definidos a partir dos valores médios de um grupo. Este último tipo de abordagem apresenta pouca potência para validar hipóteses de risco ou preditoras. A Epidemiologia contorna esse problema procurando reduzir ao máximo possível a variação individual entre os grupos em estudo, permitindo o estabelecimento de correlações, controlando as variáveis e processos coletivos, restringindo o seu alcance na compreensão do processo saúde/doença do ponto de vista social e coletivo.

Ainda nessa linha, Goldbaum (1990) constata a tendência de os estudos epidemiológicos procurarem estabelecer relações entre a ocorrência de doenças e o estilo de vida de indivíduos, identificando hábitos nocivos à saúde, como fumo, álcool, obesidade, entre outros. Esse tipo de abordagem acaba por promover práticas exclusivamente individuais, recobertas de suposta intervenção coletiva. O estilo de vida é transformado em variáveis isoladas e quantificado de forma a facilitar a intervenção através da promoção de programas de controle que visam somente à mudança do comportamento individual com relação à exposição aos fatores de risco.

Goldbaum (1990), no entanto, reconhece a importante contribuição que esses estudos têm trazido para o controle das doenças; sua ressalva refere-se ao processo de transposição dos resultados para a formulação de propostas de intervenção, que não deve ser restrito ao comportamento individual, mas articulado a outros elementos explicativos, antes de ser traduzido em ações. Aponta que os estudos, quando restritos a esse enfoque, limitam a abrangência da disciplina.

Contrapondo-se à tendência da Epidemiologia em restringir sua atuação aos estudos etiológicos e aos cálculos de risco, Castellanos (1994) busca enfatizar outras áreas de atuação da disciplina. Ao sistematizar sua perspectiva, identifica os estudos causais ou explicativos, com sua ênfase no cálculo de risco, como uma dentre quatro aplicações da disciplina. As demais áreas são: estudos da situação de saúde; vigilância epidemiológica e avaliação de serviços, programas e tecnologias de saúde. De acordo com a literatura sobre o tema, a discussão sobre risco na Clinica ganha força na década de 1990.

Por enfatizar as associações entre fatores e efeitos, as funções de ocorrência nos estudos etiológicos, o método epidemiológico passa a ser incorporado pelos estudos nas demais áreas da Medicina, sendo freqüentes as análises de associações nos mais diversos tipos de estudos médicos. Assim, a etiologia de uma determinada doença que se insere em seu campo específico da Medicina – por exemplo, as doenças cardíacas, objeto de pesquisa na área da Cardiologia – tem suas relações causais abordadas valendo-se de instrumentos da Epidemiologia, com especial ênfase nos estudos de risco. Neste exemplo, o tabagismo, o estresse, os altos níveis de colesterol sérico, o sedentarismo, constituem fatores de risco para as doenças cardíacas identificadas por meio da metodologia epidemiológica (LUIZ; COHN, 2006)

A disciplina, assim, amplia sua atuação junto às demais especialidades médicas,