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Na formulação deste argumento o aborto é considerado como o exercício pleno da autonomia de escolha reprodutiva da mulher.

Proposição: A escolha pelo aborto ou pela manutenção da gestação deve ser feita pela gestante. A construção dessa proposição visa problematizar o exercício biopolítico do saber/poder médico sobre o corpo da mulher grávida. Afirma-se o direito da mulher de governar seu próprio corpo. O médico é posicionado como aquele que fornece as informações e, portanto, instrumentaliza a gestante para a decisão. O argumento se funda da noção de que o médico é apenas um dos personagens que auxiliam a gestante a ponderar sobre a possibilidade de aborto:

(...) e aí uma coisa interessante da a gente lembrar: a decisão final sempre é da mulher, não pode ser diferente isso. Não há sentido que o médico fique com a responsabilidade de decidir ou não decidir pelo abortamento. Claro que ele compartilha essa responsabilidade técnica, mas ele não pode dar o parecer final. O parecer final é sempre da mulher e a mulher às vezes, mesmo conhecendo o serviço, ela vai buscar ou não ajuda em pessoas que ela confia. Então ela vai discutir isso com o esposo; ela pode discutir isso com os próprios filhos que ela já tenha, os mais velhos; ela pode discutir com os pais, com seus melhores amigos, com seu orientador religioso. Eu já vi isso aqui no hospital, ou seja, ela vai buscar construir a decisão final dela não só sobre as informações técnicas que a gente dá. Isso também é um outro equivoco, imaginar que é só com o médico que se é tratado. Isso é tratado dentro do âmbito pessoal dela e às vezes mesmo com toda informação, com todo grau de risco que ela corre, ela opta por manter a gestação. (Jefferson Drezett).

A decisão por “correr risco” é a metáfora que designa a escolha por manter a gestação, situada no âmbito dos direitos, sendo considerada com o mesmo valor moral que a escolha pelo aborto:

Um abortamento nessas circunstancias é algo que pode ser recomendado, mas não é algo que ela tenha a obrigação de fazer e correr esse risco é realmente uma decisão final dela, ela tem direito de correr. Pode ser até que não aconteça nada que tudo dê certo, mas aí é ela que tem que decidir se pode correr esse risco ou não. (Jefferson Drezett).

A proposição é sintetizada com o uso de ditos populares que fazem referência a função materna: “o bojo é de quem o carrega”, usado como recurso lingüístico para expressar a autonomia da mulher na sua escolha reprodutiva:

Ou seja, a equipe tem que estar consciente de que aquilo é o melhor a ser feito em beneficio daquela mulher, ela desejou. Sempre, sempre, entendeu? O bojo é de quem o carrega, é de quem assina por aquilo, então, é a mulher, sempre a mulher. (Joselene Breda).

Uso de dados:

1) Os ginecologistas começam a dar importância à posição da gestante quanto a sua escolha reprodutiva.

Este dado é apresentado como base para o argumento de defesa do direito da gestante de escolher sobre a sua reprodução. Atesta-se, a partir da experiência pessoal, que os ginecologistas, de um modo geral, estão mais atentos a esse direito:

Então já surge, embora minoria, mas uma percepção dos ginecologistas que essa questão deve ser discutida pela mulher (...). (Cristião Rosas).

2) Diálogos fictícios, criados para reproduzir durante a entrevista a relação médico- paciente, também são usados como dado para falar sobre a condução dos casos clínicos de gestação de risco com indicação terapêutica de aborto:

(...) eu acho que a paciente tem o direito. Se você chega para uma paciente que é hipertensa, ou que é diabética e fala para ela, ela pergunta << Doutor, qual é o meu risco de morrer?>> <<Olha, a senhora é uma diabética, importante, a senhora tem um risco um pouco maior de complicações que a gravidez, vamos chamar * de uma morte materna, é maior.>>(...) <<Ah, Doutor, mas então eu não quero levar a minha gestação a diante>> É essa a situação, eu particularmente acho que ela deveria ter esse direito. (Osmar Colás).

(...) como essa é uma decisão que é dura de entender para quem não trabalha com essa questão; como essa é uma decisão da paciente, então, por exemplo, ela traz avaliação técnica de três profissionais, e ela, por livre espontânea vontade assina um documento e solicita a interrupção, eu nunca vou deixar de fazer essa pergunta <<você está tranqüila com essa opção que você está fazendo? Ficou claro para você, com relação às suas possibilidades?>> <<Não doutora, eu acho que é o melhor para mim, não tenho a mínima condição de ter esse filho aqui comigo, porque afinal de contas eu tenho a minha vida>>. Eu já ouvi isso, entendeu? Porque, também, pensando que você depois, se eu chegar a ter não sou eu quem vai cuidar, enfim, ela falou assim <<não, eu tenho que ter egoísmo, talvez>>, alguma coisa nesse sentido, entendeu? Então eu acho que nunca * você tem que conversar com a paciente. (Joselene Breda).

3) Os conceitos analíticos de autonomia e heteronomia também são usados para sustentar a tese do direito de escolha da gestante. O argumento se funda no discurso empiricista, visando oferecer um caráter científico ao discurso e dar o estatuto de falso dilema moral ao conflito sobre a moralidade do aborto:

(...) a autonomia é o seu direito de resolver sobre o seu feto, e a heteronomia é o direito que os outros têm de dizer para tirar e que você tem direito ou não de tirar. E está também é uma questão filosófica, é a mesma coisa de a gente discutir qual é o teu time, que time você gosta, você percebe? Então, quando a gente entra nesse tipo de discussão nós temos que permitir, sem crítica, a gente tem que ser democrata o suficiente pra permitir o direito de a pessoa ter uma posição diferente da sua. (Osmar Colás).

Garantias:

1) O acesso à informação é o principal elemento de assertividade na decisão pelo aborto ou pela manutenção da gestação. Essa garantia oferece a razão lógica pela qual se deve considerar e respeitar o direito da gestante na avaliação da sua própria condição de risco:

(...) eu acho que direito a saúde é o direito a informação muito clara e essa decisão é individual. Não tem jeito, não somos nós médicos, não é a Medicina, não é o Direito, não é a Igreja, que tem que decidir, cada um tem que decidir plenamente, com capacidade de decisão. E para ter capacidade de decisão tem que ser maior de idade, tem que ter inteligência suficiente, ser um cidadão, e precisa ter informação; ele nunca vai decidir certamente se ele não tiver informação. (Cristião Rosas).

2) A dimensão social do risco à saúde da gestante também é apresentado como uma garantia para sustentar a proposição central. O argumento é apresentado nomeando esta dimensão comosistema de crenças, valores e princípios”. Na narrativa, diálogos fictícios

entre médico e paciente são introduzidos para oferecer facticidade ao relato:

Como eu acho que ela deveria ter o direito até social se ela quiser, mas não estou falando de doença, do ponto de vista de doença mais ainda, <<ah eu sou hipertensa crônica, eu não quero piorar ainda mais a minha doença, eu não quero correr o risco, eu já tenho um filho, eu não quero o risco de largar meu filho sozinho>> não é um direito dela? Eu particularmente, no meu

sistema de crenças, valores e princípios, me faz olhar por esse lado, me faz aceitar essa possibilidade. Existem pessoas com sistema de crenças, valores e princípios que não aceitam essa possibilidade, respeita-se. Agora, nós devemos respeitar o valor dos outros para impô-los às mulheres ou devemos valorizar o sistema de crenças, valores e princípios da interessada, que é a mulher, para tomar alguma conduta, acho que esta é a questão, não é? (Osmar Colás)

Apoio: Impor à gestante a opinião médica sobre a manutenção da gestação ou sua interrupção, invariavelmente, acarreta maiores riscos para a mulher, principalmente se ela for menor de idade e incapaz, legalmente, de decidir com autonomia. Este apoio é apresentado na forma de narrativa sobre uma experiência de debate a respeito do tema, onde o relato de um caso clínico em que prevaleceu a decisão médica teria prejudicado o bem-estar da gestante. O argumento se concretiza na formulação de um questionamento: “será que ela merecia isso?”, visando expressar o sentimento de alteridade do entrevistado em relação à gestante:

(...) eu ouvi uma discussão interessante que foi * <<mas nasceu, não sei onde, uma menina lá no Sul que fizeram uma cesárea com 11 anos>> quer dizer, com 8 meses, 7 meses e meio, 8 meses, quer dizer, você veja, já anteciparam uma cesárea eletiva, mas de um mês antes da data, porque já não tinha mais condição de levar adiante, quer dizer, chegaram no extremo do risco para essa menina de 11 anos, será que ela merecia isso? (Cristião Rosas).

A retórica argumentativa, no formato de questionamento reflexivo, também aparece na apresentação de situações hipotéticas, mas que fazem parte do cotidiano do trabalho dos participantes, para apoiar a tese central de defesa do direito de livre escolha da gestante:

Será que uma mulher com câncer avançado de mama quer manter uma gravidez que foi gerada numa condição em que o diagnóstico não existia? (Thomaz Gollop).

Quadro VIII – Argumento I: Aborto é um direito da mulher Proposição Sustentação

A escolha pelo aborto ou pela manutenção da gestação deve ser feita pela gestante.

Dados 1) Os ginecologistas começam a dar importância à posição da gestante quanto a sua escolha reprodutiva.

médico e paciente refletem a condução dos casos de gestação de risco

3) Os conceitos analíticos de autonomia e heteronomia quando aplicados na análise do risco sustentam a tese do direito de escolha da gestante

Garantias 1) O acesso à informação é o principal elemento de assertividade na decisão pelo aborto ou pela manutenção da gestação. 2) A dimensão social do risco à saúde da gestante deve ser considerada na avaliação do quadro clínico de risco da gestante.

Apoio Impor à gestante a opinião médica sobre a manutenção da gestação ou sua interrupção, invariavelmente, acarreta maiores riscos para a mulher.