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A organização argumentativa para problematizar a dimensão probabilística do risco durante a gestação visou, nas falas dos participantes, enfatizar a dimensão preditiva e probabilística, temporal e espacial, deste tipo de risco.

Proposição: O conceito de risco indica a relação entre fenômenos individuais e coletivos, expresso na linguagem matemática das probabilidades.

Esta proposição baseia-se na premissa epidemiológica de que a análise quantitativa do risco é baseada em estudos probabilísticos que, por sua vez, são interpretados de diferentes formas e situa o risco para além e para fora do corpo da gestante, sendo localizado no âmbito da população, produzido ou atribuído no domínio dos coletivos

humanos. A defesa argumentativa, porém, recai sobre a consideração dos modos particulares dos médicos em efetivar e interpretar esses cálculos. Essa argumentação, algumas vezes, foi organizada em torno da comparação entre as práticas de serviços em saúde diferente daquela em que o entrevistado estava inserido. Como ilustra o trecho a seguir:

A questão de avaliação de risco para gente ela não é feita com aquilo que normalmente é feito na maioria dos serviços de saúde, que é verificar um percentual de morte e dizer se esse percentual, no nosso entender, ele é alto ou ele é baixo, se ele justifica ou não justifica uma interrupção. E aí, a melhor maneira de entender, o que a gente está explicando, é fazer um comparativo do que significa isso em termos práticos. (Jefferson Drezett).

Para sustentar a proposição, recorre-se a alusão da especificidade do serviço de aborto legal: se ele [o risco] justifica ou não uma interrupção, para explicar a particularidade

da interpretação do cálculo de risco. A ênfase, empregada com hipérbole, na dificuldade de exatidão do cálculo de risco também foi usada na defesa da tese sobre a dissonância nas suas formas de interpretação:

Bom, é essa a questão de risco de vida da gestação é uma história bem complexa, por quê? Porque ela tem uma gama muito grande de interpretações (...). (Osmar Colás).

Aspectos subjetivos, relacionados à história de vida de cada gestante, também são apresentados para atestar a particularidade de cada caso na avaliação do risco. A proposição é apresentada a partir da organização argumentativa em torno de um esquema do tipo “pergunta e resposta”, colocando o interlocutor (a pesquisadora) no lugar hipotético de gestante de risco:

Eu pergunto para você, qual seria uma estatística que uma família, uma pessoa correria o risco? Um por cento? Meio por cento? Dez por cento? Qual é o risco? Ninguém tem essa resposta essa é que é a grande realidade. Quanto vale para você o seu risco de vida em troca da do seu filho? E quanto vale para o seu marido? E quanto vale para a sua família perder você em troca de um novo filho? (...). (Osmar Colás).

Esse mesmo esquema é usado para atestar o argumento empiricista sobre a facticidade do cálculo do risco como conceito analítico e suas diferentes possibilidades de

(...) Então, se * a gente sabe que de cada mil gestações, uma mulher morre no nosso país, cada mil crianças que nasce uma morre, em cada cem mil, cem, um por mil (...): 0,1% no Norte, de cada criança que nasce viva 0,1% das mães morrem. É muito grande isso aí. E eu pergunto para você, qual seria o seu risco? Eu colocaria para você, se eu falasse você tem 1% de chance de morrer na sua gravidez, ou seria 10% o teu ponto de corte? Ou 50%, ou 0,1% ? (Osmar Colás).

Argumentou-se que alguns médicos definem o risco na gestação a partir da gravidade da patologia que a gestante apresenta. Esse argumento configurou a contestação da premissa que advoga pela dimensão coletiva e populacional do risco, em detrimento de uma análise clínica e individualizada da patologia da gestante, e é apresentada organizando o discurso em torno de um caso hipotético de gestação de risco. A contestação é colocada para explicar a razão pela qual, outros serviços de saúde, diferente dos serviços de referencia de aborto legal, associam risco à patologia da gestante e não à taxa de mortalidade materna:

Se uma mulher, por exemplo, tiver uma doença cardíaca onde ela teve 95% de chance de não morrer e tem 5% de chances de risco de morte, muitos médicos diriam assim: <<não há motivo para interromper a gestação porque há 95% de chance de ela não morrer. Então não há razão que justifique a interrupção dessa gestação>>. A gente entende isso de uma maneira completamente diferente. 5%, são cinco casos em cem, são cinqüenta casos em mil, são quinhentos casos em 10 mil, são cinco mil casos em cem mil. Quando a gente avalia mortalidade materna a gente não faz por percentual. A gente faz com base no número de mulheres mortas, com base em cem mil nascimentos vivos. Essa é a razão de se entender uma mortalidade materna. (Jefferson Drezett).

Uso de dados:

1) Literatura sobre mortalidade materna

A literatura médica sobre mortalidade materna é usada como dado para informar a respeito dos aspectos empiristas e científicos que fundamentam o cálculo do risco. As tabelas de mortalidade e morbidade são apresentadas como importante instrumento de biopoder na mensuração e avaliação do risco. A estratégia biopolitica de fundamentar a avaliação do risco em tabelas referenda a prática médica, ou seja, aufere confiabilidade a avaliação. Este dado é usado para embasar a argumentação central que sustenta a

proposição de defesa dos aspectos particulares de cada gestante relacionados com aspectos populacionais mais gerais, como nos trechos a seguir:

Primeiro, existem tabelas, existem já protocolos que definem gestante de baixo e alto risco, médio e alto risco. Isso deveria ser de certa forma, um pouco mais é * aplicado na prática pelos médicos, mas não são usados esses protocolos de maneira muito formal. É muito uma percepção do próprio médico, eu vejo mais ou menos assim, com relação a determinadas patologias e os potencias riscos de agravo durante a gestação é que vai focar mais a atenção dele em relação à determinada paciente com contraponto de outras, que também, eventualmente, tenham risco. (Cristião Rosas).

Se nós imaginarmos que num país como o nosso, o Brasil, em cada 100 mil

nascidos vivos, morrem uma média de 25 a 100 gestantes dependendo da

região que você se encontra, nos teríamos aí um número X de risco de morte da mãe por cada nascimento, o risco relativo. 100 mil nascimentos, no Brasil, morrem entre 25 e 100 dependendo da região, em São Paulo, em Santa Catarina que é a menor mortalidade por morte materna, 25, no Norte acima de 100, tem regiões que é acima de 100 até, uma média de 25 a 100 mortes maternas a cada 100 mil crianças que nascem. Bom, ou seja, grosso modo, lá em cima nós teríamos em cada mil crianças que nascem uma morte materna * lá no Norte, por exemplo. (Osmar Colás).

2) Manuais do Ministério da Saúde sobre assistência pré-natal e aborto

As publicações normativas do Ministério da Saúde também são usadas como dados para apresentar fatos e evidencias que ofereçam validade e legitimidade ao modo de avaliar risco considerando as informações do governo. Aqui os biopoderes estão presentes no controle do corpo doente que corre perigo por conta da gestação:

Ministério da Saúde ele tem, naquele manual do pré-natal (...) assim, gestação de risco, e as orientações e as recomendações para se encaixar o potencial risco dessa paciente, é então, primiparidade muito precoce, parto muito tardio, intervalo interpartal muito próximo, qualquer patologia que tem evolução desfavorável na gravidez, diabetes, enfim, uma série de condições. (Cristião Rosas).

Garantia: Os cálculos probabilísticos devem ser considerados relacionando às características individuais e particulares de cada gestante.

Esta garantia é usada para oferecer racionalidade à premissa central e afirmar a legitimidade dos dados apresentados. A lógica segue o seguinte raciocínio: risco é um conceito analítico, que focaliza as suscetibilidades individuais como determinantes do curso epidêmico de determinadas patologias cuja capacidade mórbida é determinada a nível

populacional. Tal garantia surge nas entrevistas para explicar a comunicação do risco à gestante:

Então, se tenta falar com a paciente, pelo menos eu, assim <<olha, de cada tantas pacientes, você vai ter * tantas acontece isso, mas 80 e 100 não acontece, mas 20 acontece>> (...). (Cristião Rosas).

E para explicar a importância de compartilhar a avaliação do risco com a própria gestante:

Então, se * a gente sabe que de cada mil gestações, uma mulher morre no nosso país, cada mil crianças que nasce uma morre, em cada cem mil, cem, um por mil (...): 0,1% no Norte, de cada criança que nasce viva 0,1% das mães morrem. É muito grande isso aí. E eu pergunto para você, qual seria o seu risco? Eu colocaria para você, se eu falasse você tem 1% de chance de morrer na sua gravidez, ou seria 10% o teu ponto de corte? Ou 50%, ou 0,1% ? (Osmar Colás).

Apoio: A relação entre a taxa de mortalidade materna e a patologia é mais assertiva no cálculo do risco do que o percentual de risco apresentado pelo quadro clínico da gestante.

O apoio é usado na construção do argumento central para auxiliar a garantia e auferir credibilidade e autenticidade ao raciocínio silogístico ao qual a garantia se refere. Ou seja, o apoio oferece informação explicita sobre a defesa argumentativa a favor do estatuto da relação entre mortalidade e quadro patológico na avaliação do risco:

Então, se eu utilizar por base cem mil significa que ela tem o risco de cinco mil em cem mil. Se a gente utilizasse como base uma mortalidade materna de cinquenta por cem mil, poderia ser até maior do que isso, cinqüenta por cem mil significa que essa mulher tem um risco cem vezes maior de morrer por ter uma doença * cardiopatia se fosse comparada com a mesma mulher que esta * a mulher brasileira, que não tem esse tipo de cardiopatia. Portanto, o risco cem vezes maior de morrer não é um risco desconsiderado. É aqueles cinco por cento que parecia um número pequeno que não deveria ser um número que causasse preocupação e que não haveria indicação de interrupção de gravidez, quando a gente olha que essa mulher tem uma chance cem vezes maior de morrer nessas circunstancias, a gente entende que está absolutamente justificado a interrupção da gestação, baseado no risco de morte cem vezes maior que essa mulher tem. (Jefferson Drezett).

Proposição Sustentação

O conceito de risco indica a relação entre fenômenos individuais e coletivos, expresso na linguagem matemática das probabilidades.

Dados 1) Manuais do Ministério da Saúde sobre assistência pré-natal e aborto

2) Literatura sobre mortalidade materna

Garantia Os cálculos probabilísticos devem ser considerados relacionando as características individuais e particulares de cada gestante.

Apoio A taxa de mortalidade materna é mais assertiva no cálculo do risco do que o percentual de risco apresentado pelo quadro clínico da gestante.