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CAPÍTULO I O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A EDUCAÇÃO

1.2 O direito à educação integral no Estado Democrático de Direito

1.2.2 A educação integral no Brasil: antecedentes históricos

Pode-se afirmar que a temática da educação integral remonta à Antiguidade, mais especificamente à sociedade grega e seu conceito de formação de homem. Tendo em vista o desenvolvimento completo do ser humano, a Paideia grega ensejou o que seria, naquele dado momento histórico, uma educação integral, concebida a partir de “um sentido de completude que forma, de modo integral, o Ser do que é humano e que não se descola de uma visão social de mundo” (COELHO, 2009, p. 85, grifos do autor).

Dito de outra maneira, na concepção grega de formação humana, a educação integral não priorizava conhecimentos em detrimento de outros, pelo contrário, estabelecia-se uma relação de linearidade e de completude entre a formação do corpo e do espírito, a qual se concretizava no âmbito social e no preparo para o exercício da cidadania, para o viver em sociedade (COELHO, 2009).

No contexto brasileiro, as primeiras experiências de educação integral datam da primeira metade do século XX, quando coexistiam em nosso país diferentes correntes político e filosóficas, dentre elas a católica, a anarquista, a integralista e a liberal, defendendo essa concepção de formação humana (COELHO, 2009).

As instituições católicas efetivavam a educação integral aliando a disciplina rigorosa às atividades intelectuais, físicas, artísticas e ético-religiosas. Para

os integralistas, a educação integral deveria assentar-se em fundamentos político- conservadores, tais como, a espiritualidade, o nacionalismo cívico e a disciplina. Em contraposição às anteriores, a proposta anarquista recaía sobre a igualdade, a autonomia e a liberdade humana (COELHO, 2009).

A concepção liberal de educação integral foi adotada por Anísio Teixeira para implantar no país, entre as décadas de 1930 e 1950, instituições escolares públicas. Sua proposta fundamentava-se em um currículo amplo, o qual compreendia “uma formação completa, calcada em atividades-intelectuais, artísticas, profissionais, físicas e de saúde, além daquelas de cunho ético-filosófico (formação de hábitos e atitudes, cultivo de aspirações)” (COELHO, 2009, p. 89, grifos do autor).

Assim, a concepção de educação integral defendida por Anísio Teixeira e inspirada nas ideias de John Dewey (1859-1952), baseava-se na reformulação da escola por meio da valorização da atividade prática cotidiana, compreendendo o processo educativo como a própria vida e não como preparação para ela (CAVALIERE, 2002).

Dito de outra forma, o movimento reformador que inspirou a concepção de educação integral de Anísio Teixeira, “trazia em si um projeto de renovação também da sociedade brasileira, já que apontava para a necessidade de sua democratização e afirmava o intuito de formar os alunos para o exercício da cidadania” (ERNICA, 2006, p.18). A função social da escola seria promover um conhecimento que fizesse sentido para a atuação do indivíduo na sociedade em que estivesse inserido.

Em 1950, quando Anísio Teixeira ocupava o cargo de Secretário de Educação da Bahia, seu projeto de educação integral se corporifica com a inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, no município de Salvador. Para tanto, foi elaborado um projeto arquitetônico que pudesse abrigar sua proposta de educação integral a qual compreendia, dentre outras características, o atendimento da criança em tempo integral.

O centro, chamado de Escola-Parque, contava com quatro escolas-classe, de nível primário, com funcionamento em dois turnos, projetadas para mil alunos cada, e uma escola-parque, com sete pavilhões, destinados às chamadas práticas educativas, frequentadas pelos alunos em horário diverso ao da escola-classe, de forma que as crianças permanecessem o dia completo em ambiente educativo (MAURÍCIO, 2006, p. 66).

Conforme observamos, a concepção de educação integral defendida por Anísio Teixeira compreendia a ampliação da jornada escolar para a efetivação de seu projeto. Assim, enquanto nas escolas-classe eram desenvolvidas as atividades ditas escolares, no contraturno destas, desenvolviam-se, na escola-parque, as denominadas atividades diversificadas, consubstanciando uma concepção de educação integral em que a formação completa do aluno não era realizada de maneira integrada (COELHO, 2009).

A experiência desenvolvida no Centro Educacional Carneiro Ribeiro, ainda que se apresente como alvo de críticas, pode ser considerada um marco na história da educação brasileira, tornando-se referência para diferentes projetos de educação integral desenvolvidos, posteriormente, em nosso país.

Assim, durante as décadas de 1980 e 1990 foi criado, no Rio de Janeiro, pelo então governador Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), o denominado Centro Integrado de Educação Pública (CIEP), cuja proposta pedagógica visava a uma educação integral de tempo integral (COELHO, 2009). Para tanto, foram construídos cerca de quinhentos novos prédios escolares contendo refeitório, sala de leitura, quadra de esportes, moradias para alunos residentes, sala de estudo dirigido, gabinete médico-odontológico, além das salas de aula.

Ainda que inspirada no projeto de Anísio Teixeira, a proposta dos CIEPs concebida por Darcy Ribeiro apresentou pontos de convergência e também de distanciamento em relação à sua precursora. Assim, pode-se afirmar que os CIEPs são, ao mesmo tempo, semelhantes e diferentes em relação à proposta que os originou:

(...) semelhante, na perspectiva de oferecer atividades diversas das tradicionalmente entendidas como características da educação formal; diferente, na tentativa de mesclar o que estamos denominando de

atividades escolares e outras atividades nos dois turnos e, ainda, de

fazê-lo no mesmo espaço formal de aprendizagem (...) (COELHO, 2009, p. 92, grifos da autora).

No trecho citado, constatamos que, enquanto Anísio Teixeira elaborou uma proposta de educação integral para ser desenvolvida em turnos e espaços distintos, as escolas-classe e a escola-parque, o projeto de Darcy Ribeiro previu a

integração das denominadas atividades escolares e atividades diversificadas, as quais deveriam ser implementadas num mesmo espaço físico, ou seja, nos CIEPs.

Desta perspectiva, podemos afirmar que a proposta dos CIEPs compreende um projeto de formação integral do aluno, o qual se corporifica pela articulação de todas as atividades educativas desenvolvidas em um único ambiente de aprendizagem, a instituição escolar de ensino.

As duas experiências apresentadas podem ser consideradas como pioneiras na implementação de um projeto de educação integral em nosso país, uma vez que delas decorreram outras propostas de atendimento aos alunos, tendo sido desenvolvidas em âmbito federal, estadual e também municipal.

Conforme os dados disponíveis no sítio do Centro de Referências em Educação Integral8, constituem-se em experiências municipais de educação integral,

dentre outras, os Centros Educacionais Unificados (CEUs), Governo Marta Suplicy, no município de São Paulo/SP (2001-2004); Programa Bairro-escola Cidade Educadora, Governo Lindberg Farias, no município de Nova Iguaçu/RJ (2005-2010); e o Programa Escola Integrada, governo de Fernando Pimentel, no município de Belo Horizonte/MG (2006-2010). De alcance estadual, merece destaque o Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano (CEEGP), criado no ano de 2004 e que originou o Programa de Ensino Integral, no governo de Eduardo Campos (2007- 2010). Com a adesão de diferentes secretarias municipais e estaduais de educação e com o apoio do Instituto Natura, a proposta pernambucana foi replicada nos estados do Ceará (CE), Piauí (PI), Sergipe (SE), São Paulo (SP), Goiás (GO) e nas cidades do Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE), Sobral (CE) e Recife (PE). De âmbito federal, observam-se as experiências do Centro de Educação Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) do Governo do Presidente Fernando Collor de Melo (1990-1992) e o Programa Mais Educação criado no segundo mandato do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010).

Instituído pela Portaria Interministerial n. 17/2007 e regulamentado pelo Decreto n. 7.083/2010, o Programa Mais Educação promoveu a ampliação da jornada por meio da realização de atividades no contraturno escolar. Criado para ser desenvolvido pelo Ministério da Educação em parceria com estados e municípios, o

referido programa pode ser considerado um importante indutor da educação em tempo integral nessas localidades.

Cumpre destacar que as experiências de educação integral apresentadas compreendem a perspectiva da ampliação do tempo de permanência do aluno na escola. Sendo assim, cabe questionar: a educação em tempo integral garante o direito à educação integral? Esta questão será objeto de discussão na próxima seção deste capítulo.

1.2.3 A educação em tempo integral como direito à educação integral: uma análise