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CAPÍTULO II A EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO POLÍTICA PÚBLICA

2.1 Educação integral e planejamento: uma articulação necessária

2.1.1 Política pública: a necessária conceituação do termo

Buscamos, neste item do capítulo, compreender o significado do termo “política pública”, uma vez que a educação integral, enquanto direito humano e dever do Estado, insere-se nesta perspectiva. Para tanto, faz-se necessário, preliminarmente, o enfrentamento da tensão que envolve o conceito de “política”, decorrente, dentre outros aspectos, da polissemia de significados da qual se reveste o termo, o que pode ser observado, tanto na literatura portuguesa quanto na espanhola, conforme trecho extraído de Subirats (1994) à luz dos estudos de Heclo (1972) e Hogwood-Gunn (1984):

Podemos referirnos a política como etiqueta de um campo de atividade (política social, política exterior, etc.). Podemos hacerlo para describir una propuesta general o una perspectiva deseada (la política progresista, el conjunto de propuestas de un partido, etc.) Política como medio para alcanzar fines (la política seguida por los sindicatos en tal conflicto). Política como sinónimo de las decisiones del gobierno (centrándose en aquellas decisiones consideradas cruciales […]. Podemos referirnos también a la política del gobierno sobre un tema como sinónimo de la norma o conjunto de normas que existen sobre determinada problemática […]. Pero también como conjunto de programas u objetivos que tiene el gobierno en tal campo […]. O también como resultado final, como output, como producto (el subsidio de paro como política para paliar el desempleo, la política impositiva como medida redistribuidora, etc.). O incluso, política como outcome, como impacto real sobre la realidad (la construcción de 300 viviendas em tal población como política social efectiva). Política como modelo teórico aplicable, como explicación causal de la evolución de los hechos (teóricamente si reducimos la inflación aumentará la inversión). Política, en fin, como proceso, como secuencia de hechos y decisiones que implican un cierto avance o modificación de la realidad (la política seguida em mater la sanitaria en los últimos cinco años ha dado buenos resultados) (SUBIRATS, 1994, p. 40).

O trecho destacado sugere uma multiplicidade de sentidos atribuídos ao termo “política” na língua espanhola, o que também pode ser observado na língua portuguesa. Desse modo, e diante deste impasse, recorremos à língua inglesa, na qual existem termos específicos relacionados às diversas dimensões da política para equacionarmos este problema. Assim, segundo Muller e Surel (2002), o termo

“política” abrange, ao menos, três acepções diversas, quais sejam: a polity, a politic e a policy.

A primeira acepção, denominada de polity, refere-se à dimensão institucional da política (FREY, 2000), ou seja, trata-se da esfera de organização do poder político em uma determinada sociedade. Em outras palavras, “a dimensão institucional polity se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo” (FREY, 2000, p. 216). Assim, inserem-se nesta dimensão as normas constitucionais que regulam a vida política de um Estado e estabelecem as condições gerais de seu funcionamento.

A segunda definição, denominada politic, refere-se à dimensão processual da política (FREY, 2000), ou seja, ao processo político propriamente dito, caracterizado pela dinâmica das relações de poder na qual se inscrevem as disputas, os conflitos, as negociações e os acordos. Em outras palavras, é no âmbito da politic “que se definem, nos limites das regras estabelecidas, os que ganham e os que perdem, os que ocuparão os cargos públicos (eletivos ou não) e os que ficarão excluídos do poder, os aliados e os adversários etc.” (COUTO; ARANTES, 2006, p. 83).

Por sua vez, a terceira dimensão, denominada policy, refere-se à política pública propriamente dita, ou seja, ao resultado do jogo disputado de acordo com as regras vigentes (COUTO; ARANTES, 2006). Nesse sentido, a policy pode ser entendida como a dimensão material da política (FREY, 2000), a qual se concretiza por meio da ação estatal dirigida a um objetivo específico, por meio da elaboração e implementação de programas políticos. Assim, define-se a policy como a esfera da ação pública de tomada de decisões.

Investigar a educação integral como política pública é situá-la, principalmente, no âmbito da terceira dimensão, o da policy. Isto não quer dizer que as demais dimensões da política devam ser ignoradas nesse processo, pelo contrário, é preciso inserir a análise desse direito nos contextos da polity e da politic, os quais engendram disputas, avanços e retrocessos no âmbito do planejamento e da implementação de políticas, conforme explicita Azevedo (2004). Ainda, segundo esta autora:

A política educacional definida como policy – programa de ação – é um fenômeno que se produz no contexto das relações de poder expressas na politics – política no sentido da dominação – e, portanto, no contexto das relações sociais que plasmam as assimetrias, a exclusão e as desigualdades que se configuram na sociedade e no nosso objeto (AZEVEDO, 2004, p. VIII).

É nesse contexto de tensionamento que emerge a segunda problemática relativa à análise da educação integral enquanto política pública: a diligência por um referencial teórico de investigação que considere, ao menos, dois aspectos:

uma postura objetiva que dote o conhecimento produzido de um coeficiente científico, sem abdicar de um nível analítico que contemple as condições de possibilidade de adoção de estratégias que venham permitir a implementação de uma política de transformação” (AZEVEDO, 2004, p. IX).

No próximo item desta seção, discutimos algumas abordagens no estudo de políticas públicas, buscando nesses referenciais elementos que nos possibilitem compreender as diferentes formas de atuação estatal em relação ao direito à educação integral.