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CAPÍTULO II A EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO POLÍTICA PÚBLICA

2.1 Educação integral e planejamento: uma articulação necessária

2.1.2 Abordagens no estudo de políticas públicas

Em busca de um arcabouço teórico que contemple os dois aspectos explicitados anteriormente, ou seja, a objetividade da investigação e a busca de instrumentos com vistas à análise crítica da ação do Estado, Azevedo (2004) sugere um referencial de análise a partir do que a autora denomina de “espaço de interseção teórica”, no qual se entrelaçam distintas abordagens sobre políticas públicas, quais sejam: a abordagem neoliberal, a pluralista, a socialdemocrata e a marxista.

Ao propor um resgate histórico dessas quatro abordagens, Azevedo (2004, p. 57) problematiza as possíveis contribuições e os limites de cada uma delas, levando em consideração “a singularidade da política educacional” bem como as “especificidades que lhe são inerentes decorrentes do espaço social em que é engendrada”. Assim, a compreensão da concepção de Estado que informa cada uma das abordagens é condição sine qua non para compreendê-las em sua essência.

Inspirada no liberalismo clássico do século XVII, a abordagem neoliberal apresenta-se como defensora do “Estado mínimo”, ou seja, da limitação das funções do Estado. Baseados na crença de que a intervenção estatal tende ao desrespeito dos princípios de liberdade e de individualidade, os neoliberais “consideram as políticas públicas as principais responsáveis pela crise que perpassa as sociedades” (AZEVEDO, 2004, p. 12), sendo necessário, portanto, o afastamento do poder público das ações que visem à garantia dos direitos sociais.

Em relação às políticas educacionais, a corrente neoliberal não questiona a responsabilidade estatal em garantir o acesso de todos à educação básica, no entanto, o livre mercado apresenta-se como referência básica para a área. Assim, propõe a transferência ou a divisão de responsabilidades administrativas com o setor privado, estimulando a competição e buscando manter um padrão de oferta no serviço prestado (AZEVEDO, 2004).

Analisar uma política educacional à luz dessa abordagem implica em desconsiderar não apenas o próprio sentido da política pública, entendida como o “Estado em ação”, mas também a dimensão da educação integral como um direito, a qual exige uma atuação positiva do Estado visando à sua efetivação.

A teoria liberal moderna da cidadania “norteada por uma concepção de Estado que postula a sua responsabilidade na promoção do bem comum” (AZEVEDO, 2004, p. 20) é o pressuposto que informa as duas abordagens que serão tratadas sequencialmente: a corrente pluralista e a socialdemocrata. Em contraposição aos ideais neoliberais, a teoria liberal moderna enxerga o potencial das políticas públicas para o enfrentamento das desigualdades sociais originadas pelo livre mercado, embora com nuances diferentes em cada uma das abordagens que dela se orientam.

A abordagem pluralista pauta-se pelo interesse em compreender como as demandas originadas na sociedade são processadas e atendidas pelo sistema político, o qual, nesta concepção, substitui o conceito de Estado. Nesta perspectiva, as ações do sistema político devem visar à administração dos conflitos decorrentes das lutas sociais e ao estabelecimento das regras para essa competição. Assim, o núcleo de análise desta abordagem são os processos que transformam as demandas sociais em políticas públicas.

Ao se deterem no processo de formulação da política, os pluralistas tomam o sistema político como um ente autônomo, desvinculado da sociedade, cujo

poder decisório encontra-se nas mãos de atores com elevado grau de racionalidade, ou seja, com conhecimento suficiente em relação às questões sociais para a condução das políticas governamentais. Neste cenário, à educação é conferida posição de destaque uma vez que se encontra vinculada à distribuição do poder na sociedade.

Já a abordagem socialdemocrata prioriza os estudos que tratam do Estado de Bem-Estar Social em sua totalidade, buscando compreender seus limites e possibilidades para a conquista de um melhor padrão de justiça social nas sociedades capitalistas. Assim, à luz dos estudos de Titmuss (1963, 1968 e 1974), Azevedo (2004) recupera uma tipologia para o estudo dos sistemas de proteção social: o modelo residual de bem-estar, o modelo industrial de ampla realização e o modelo institucional redistributivo.

O primeiro modelo, denominado de “residual de bem-estar”, sugere uma atuação mínima do Estado, ocorrendo somente quando houver falha dos recursos privados. Em outras palavras, o Estado deve agir somente em casos de urgência. Já o modelo industrial de ampla realização prevê a intervenção parcial do Estado, tendo como objetivo corrigir os efeitos do mercado. As políticas sociais neste modelo são complemento da instituição econômica. Por sua vez, o terceiro modelo, o institucional redistributivo, compreende a produção e a distribuição de bens e serviços públicos, indistintamente, não estando vinculado aos ditames do mercado.

As análises que têm como foco a abordagem socialdemocrata denotam um forte ingrediente político e preocupação latente com a dimensão histórica de constituição dos sistemas de proteção social. Embora descartem a total desregulação do mercado, os analistas desta vertente admitem a necessidade de ajustes e reformas nos sistemas de proteção dos direitos sociais, o que pode favorecer a compreensão dos problemas que acompanham a gestão das políticas públicas.

Por fim, a abordagem marxista assenta-se na ideia de que, ao legislar a favor do trabalho, o Estado atende aos interesses e à produção e reprodução da ordem capitalista. Este processo contraditório de atuação do poder público produziu o denominado “espaço público de regulação” (AZEVEDO, 2004, p. 40), caracterizado pela convivência entre o capitalismo e a democracia, no qual os direitos sociais passam a ser considerados.

Na tentativa de esclarecer as contradições provenientes da atuação do Estado acerca dos processos de dominação/integração do sistema econômico e de dominação/integração social, diferentes vertentes de abordagem marxista foram se constituindo no denominado “espaço de interseção teórica” no qual os estudos foram se diferenciando pela maior ênfase na questão econômica, na análise política ou nos aspectos ideológicos relativos às “formas e funções do Estado e aos limites e possibilidades da sua atuação” (AZEVEDO, 2004, p. 42).

Depreende-se, dos estudos realizados pela autora, que a análise da

policy, numa perspectiva marxista, deve levar em conta não apenas o contexto

socioeconômico mas também o cultural e o político no qual a política está sendo formulada e implementada.

As abordagens analisadas pela autora apresentaram-se insuficientes à compreensão das especificidades inerentes às políticas públicas, sendo necessária, portanto, a busca por um aporte teórico-analítico que respondesse às lacunas observadas nas análises até então produzidas.

Sendo assim, Azevedo (2004), com base em Muller (1985) e Jobert (1988 e 1989), define o que podemos entender por “espaço de interseção das abordagens”:

Em síntese, quando um estudo se orienta pelos construtos destes autores, significa que ganha centralidade a apreensão do referencial normativo de uma política pública para melhor analisá-la. Isto, por sua vez, implica ter presente que nos processos que engendram a construção e a reconstrução do referencial normativo de uma política setorial subjaz um conjunto de elementos que se articulam às especificidades da realidade social em que têm curso. A estruturação destes elementos, neste contexto, baseia-se nas representações sociais que predominam nesta realidade, integrando o seu universo cultural e simbólico e, portanto, o sistema de significações que lhe é próprio. Tais representações fornecem os valores, normas e símbolos que regem as relações sociais, fazendo-se presentes nas práticas cotidianas dos indivíduos e dos grupos e, por conseguinte, no sistema de dominação peculiar àquela realidade. Desta maneira, guardam intrínseca relação com o modo pelo qual se articulam os interesses sociais e, portanto, com o padrão que se configura numa política (AZEVEDO, 2004, p. 62).

Ao considerar esta proposta de investigação, deve-se ter presente que a política pública de educação integral compõe uma totalidade maior e, nesse sentido, deve ser analisada sempre em articulação com o projeto de sociedade que se pretende implantar e que se materializa por meio da ação estatal.

Da mesma maneira, ganham proeminência os referenciais normativos que informam a política pública, ou seja, as legislações que orientam a ação dos governos em relação à efetivação de um determinado direito social, no caso em tela, a educação integral. Sendo assim, passamos a analisar, no próximo item, o planejamento da educação enquanto processo orientador das políticas educacionais.