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CAPÍTULO I O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A EDUCAÇÃO

1.1 Estado, cidadania e educação

1.1.1 O Estado Democrático de Direito e a organização do Estado brasileiro

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu Artigo 1º, que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos a cidadania (inciso II), a dignidade da pessoa humana (inciso III), os valores sociais de trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), o pluralismo político (inciso V) e a soberania popular (parágrafo único).

A concepção de Estado adotada pela Lei Maior reúne elementos tanto do Estado de Direito quanto do Estado Democrático, concepções estas que passamos a discutir, tendo em vista a pretensa necessidade de compreensão do modelo de Estado sob o qual se assenta a nossa Constituição.

Historicamente, é possível afirmar que a resignação do Estado ao direito decorreu das denominadas Revoluções Burguesas ocorridas na Europa ao longo dos séculos XVII e XVIII, orientadas contra o Estado absolutista e tendo como objetivo a conquista e a manutenção das liberdades individuais (SILVA, 2005).

Coelho (1993, p. 7) recorre às lições de Elias Diaz (1975) para afirmar que o Estado de Direito pode “ser caracterizado, em sua essência, como aquele

Estado submetido ao Direito, aquele Estado cujo poder e atividades estão regulados e controlados pela lei, Direito e lei entendidos, nesse contexto, como expressão da vontade geral”. Assim, o Estado de Direito não se submete aos desígnios, arbitrários ou não, daquele que detém o poder, pelo contrário, os limites desta atuação encontram-se, previamente, estabelecidos no arcabouço legal que regulamenta e disciplina a sua organização.

Nesse cenário, assim circunstanciado, o Estado de Direito objetiva tanto a limitação dos poderes do Estado quanto o respeito às liberdades individuais. Esta perspectiva encontra-se no cerne da doutrina denominada de liberalismo, a qual compreende, além das limitações dos poderes do Estado, também o limite de suas funções (BOBBIO, 2013).

Segundo Sundfeld (2009), o absenteísmo estatal, observado no Estado de Direito, pode ser assim justificado: “era preciso que o Estado não interferisse nos negócios dos indivíduos, restringindo sua ação à garantia da ordem, da paz, da segurança. Em suma queria-se um Estado mínimo, com reduzidas funções, sem interferência na vida econômica” (SUNDFELD, 2009, p. 54, grifos do autor).

Em outras palavras, o Estado de Direto, de cunho liberal, portanto, caracteriza-se pelo exercício do poder no âmbito de um ordenamento jurídico, o qual delimita a competência e orienta as decisões tomadas, ou seja, um Estado em que o poder público é regulado pelas normas gerais ou constitucionais, devendo ser exercido na esfera das leis que o regulam (BOBBIO, 2013). Em vista disso, os mecanismos constitucionais próprios desta concepção de Estado têm como objetivo proteger o cidadão dos abusos da autoridade e configuram-se, portanto, como garantia de liberdade individual, haja vista a abstenção do poder público em relação aos direitos dos cidadãos.

A liberdade individual experimentada no Estado de Direito deflagrou um cenário de desigualdades sociais no qual o “liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual, não pode resolver o problema, essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise” (BONAVIDES, 2007, p. 188). A classe trabalhadora, sem meios para usufruir das liberdades asseguradas pelo Estado, passou a se organizar e a criticar os ideais liberais, defendendo os direitos coletivos e sociais da população, os quais possibilitariam uma vida digna aos trabalhadores.

Ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1919), em um contexto histórico de luta contra as desigualdades, emerge um novo conceito de Estado, o Estado Social de Direito ou de Bem-Estar Social, “no qual a expressão social significa o propósito de corrigir o individualismo clássico de caráter liberal pela afirmação dos direitos sociais e a consequente realização da Justiça Social” (COELHO, 1993, p. 11, grifos do autor).

Depreende-se desta afirmação que o Estado Social de Direito se constitui, pois, em uma forma de superação do caráter individualista do Estado Liberal, por meio da intervenção estatal e da atenção aos denominados direitos sociais, podendo ser definido nos seguintes termos:

O Estado social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista, que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas (BONAVIDES, 2007, p. 200).

Ocorre que a ampliação dos poderes do Estado bem como a sua necessária intervenção em diversas áreas, sobretudo no que diz respeito às questões econômicas relativas à distribuição da riqueza e, por conseguinte, à igualdade material entre os homens, coadunou-se com uma estrutura política concentradora de poder, autocrática e sem legitimidade popular (SILVA, 2005), desencadeando o colapso do Estado Social de Direito.

Assim, após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), objetivando deter o poder dos governos que, adotando a forma de Estado Social de Direito, passaram a violar as liberdades individuais e impediam a participação popular nas decisões políticas, deu-se a consolidação do Estado Democrático de Direito, fundamentado nos pilares da democracia e dos direitos e garantias fundamentais (LA BRADBURY, 2006).

Enquanto no Estado Liberal de Direito o homem experimentou a fase de declaração dos direitos individuais e, no Estado Social de Direito, a fase da salvaguarda dos direitos sociais, no Estado Democrático de Direito, vivencia-se a fase de concretização dos direitos fraternais mediante a formação de uma sociedade plural, com respeito às diferenças de credo, sexo, cor e religião (LA BRADBURY, 2006).

A concepção de Estado Democrático de Direito incorpora, pois, tanto os princípios do Estado de Direito, que compreendem o exercício dos direitos individuais e sociais no âmbito de uma determinada legislação, quanto as exigências de democratização da sociedade, buscando torná-la pluralista e fundamentada na harmonia do convívio social (FERRAZ JUNIOR, 1997).

Desse modo, ao adotar o Estado Democrático de Direito para a organização do Estado brasileiro, a Constituição de 1988 imputa ao poder público a responsabilidade em prover meios para que os direitos humanos, todos eles, sejam garantidos. Para além da proteção ao indivíduo no gozo de suas liberdades, cabe ao Estado a responsabilidade por planejar e implementar políticas públicas ensejando a efetivação dos direitos sociais, com vistas a atingir a igualdade entre os homens e, por conseguinte, a justiça social.

Relevante destacar, ainda, que a democracia se fundamenta no princípio da soberania popular, podendo ser definida, como governo do povo, em contraposição ao governo de uns poucos, supondo a participação de um maior número de pessoas na elaboração das leis, tendo em vista a garantia dos direitos individuais e sociais (BOBBIO, 2013). Desse modo, a participação plena do indivíduo no processo de elaboração e constituição do Estado Democrático de Direito supõe o exercício da cidadania, conceito este que passamos a discutir no próximo item desta seção.