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CAPÍTULO II A EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO POLÍTICA PÚBLICA

2.2 Os planos de educação no Brasil e o direito à educação integral

No Brasil, a ideia de um Plano Nacional de Educação remonta às primeiras décadas do século passado quando, em 1932, foi publicado o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, propondo a “reconstrução educacional no Brasil” conforme anunciado em sua abertura solene.

O documento, assinado por 26 (vinte e seis) intelectuais11 progressistas

da época, propugnava a educação integral como função essencialmente pública,

11 Compõem o grupo de signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, os seguintes intelectuais: Fernando de Azevedo, Júlio Afrânio Peixoto, Antonio de Sampaio Dória, Anísio Spínola

cabendo, portanto, ao Estado, sua oferta regular, conforme explicitado no excerto que se segue.

Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais (AZEVEDO, 2010, p. 193).

Depreende-se do trecho destacado que a educação integral se constitui em um direito humano e que, portanto, cabe ao Estado o dever de efetivá-la. Para tanto, o Manifesto indicou a necessidade de elaboração de um plano no qual estivessem explicitados os objetivos e fins da educação, rompendo, assim, com o empirismo com que os problemas pedagógicos eram tratados à época.

Ao longo do texto do Manifesto de 1932, a expressão “educação integral” foi mencionada em três passagens. O termo foi utilizado, primeiramente, para contextualizar o modelo de educação defendido pelo poeta francês Lamartine12,

revolucionário de 1848; em seguida, o documento registra a concepção de educação integral que o inspira, imputando ao Estado o dever de garantir ao cidadão uma educação pública que contemple as distintas dimensões de sua formação; por fim, utiliza a expressão para justificar a necessidade de elaboração de um plano geral de educação, conforme exposto anteriormente.

Pode-se afirmar que o documento de 1932 representa um avanço para aquele momento histórico considerando o fato de que, até então, o acesso à educação pública era privilégio de uma parcela ínfima da população. As propostas lançadas pelos Pioneiros encontraram eco nas determinações legais posteriores, conforme discussão empreendida na sequência.

Teixeira, Manoel Bergstrom Lourenço Filho, Edgar Roquette-Pinto, José Getúlio da Frota Pessoa, Júlio César Ferreira de Mesquita Filho, Raul Carlos Briquet, Mário Casasanta, Carlos Miguel Delgado de Carvalho, Antonio Ferreira de Almeida Júnior, J. P. Fontenelle, Carlos Roldão Lopes de Barros, Noemy Marques da Silveira Rudolfer, Hermes Lima, Attílio Vivacqua, Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão, Cecília Benevides de Carvalho Meireles, Edgar Süssekind de Mendonça, Amanda Álvaro Alberto, Sezefredo Garcia de Rezende, Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Rodrigues Gomes.

12 Alphonse Marie Louis de Prat de Lamartine (1790-1869) foi um escritor, poeta e político francês. Destacou-se na vida pública e administrativa de seu país, participando, ativamente, do movimento revolucionário de 1848.

Dois anos após o lançamento do Manifesto, foi promulgada a Constituição de 1934. O texto constitucional previu, em seu Artigo 150, como competência da União, “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados”, obedecendo, dentre outras, à seguinte norma: “o ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos” (BRASIL, 1934). Instituiu, ainda, em seu Artigo 152, o Conselho Nacional de Educação imputando-lhe, como incumbência principal, a elaboração do referido Plano.

Em 17 de maio de 1937, o Conselho encaminha ao então ministro Gustavo Capanema o Plano de Educação Nacional, documento constituído por 504 (quinhentos e quatro) artigos e que se autodenominava, em seu artigo primeiro, de “código da educação nacional”.

Saviani (1999) alerta para o fato de que, se do ponto de vista da forma, o Plano se aproximava dos ideais dos Pioneiros de 1932, delimitando as diretrizes e bases para a educação nacional, do ponto de vista do conteúdo, o documento incorporava as estratégias de controle presentes naquele período, as quais culminariamcom o Golpe que instituiu o Estado Novo, no ano de 1937.

Assim, enquanto para os educadores alinhados com o movimento renovador o plano de educação era entendido como um instrumento de introdução da racionalidade científica na política educacional, para Getúlio Vargas e Gustavo Capanema o plano se convertia em instrumento destinado a revestir de racionalidade o controle político-ideológico exercido através da política educacional (SAVIANI, 1999, p. 126).

Como se sabe, em consequência do Golpe de 1937, a Constituição de 1934 teve a vigência de apenas três anos, inviabilizando a efetivação de muitos de seus dispositivos, dentre eles, a proposta de um plano de educação com vistas à oferta de uma educação integral gratuita e obrigatória.

Após o término da Segunda Grande Guerra (1945), ocorre no Brasil um período de redemocratização culminando com a deposição de Getúlio Vargas. Ao longo desse processo volta à cena a discussão sobre a necessidade de um planejamento educacional como instrumento de intervenção estatal na área.

A Constituição promulgada no ano de 1946 estatuiu como competência da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, no entanto, a Carta Magna não fez referência à necessidade de elaboração de um plano de

educação para viabilizar essa proposta. Assim, somente em dezembro de 1961, com a aprovação da Lei n. 4.024 que fixou as diretrizes e bases da educação nacional, o Plano voltou a ser previsto legalmente, ainda que “sob a influência do conceito de ‘planejamento e desenvolvimento’”, conforme assinala Cury (2011, p. 803).

Desse modo, a Lei da educação aprovada em 1961 estabeleceu, em seu Artigo 92, a necessidade de elaboração de um Plano de Educação para a execução de cada um dos fundos previstos no mesmo Artigo, ou seja, o Fundo Nacional do Ensino Primário, o Fundo Nacional do Ensino Médio e o Fundo Nacional do Ensino Superior, reduzindo-se, assim, a um instrumento de distribuição de recursos financeiros a cada um dos níveis de ensino existentes no país, conforme leciona Saviani (1999). A competência para a elaboração do Plano referente a cada um desses fundos foi delegada ao Conselho Federal de Educação, órgão criado pela mesma Lei em substituição ao Conselho anterior.

Em atendimento às prerrogativas legais, no ano de 1962, o Conselho elaborou o Plano Nacional de Educação. O documento foi organizado em duas partes sendo que na primeira foram estabelecidas as metas quantitativas e qualitativas para o ensino primário, médio e superior. Na segunda parte, têm-se as normas reguladoras da aplicação dos recursos financeiros de cada um dos fundos criados.

A temática da educação integral foi silenciada no Plano de 1962, embora “o desenvolvimento integral da personalidade humana” tenha sido estabelecido dentre os fins da educação constantes da Lei n. 4024/1961, a qual determinou a elaboração daquele documento. De outra forma, propostas de ampliação da jornada escolar, ou seja, de educação em tempo integral, foram aventadas nas metas relativas ao ensino primário e ao ensino médio, refletindo a concepção de educação integral, anteriormente proposta por Anísio Teixeira, o qual fora relator do referido Plano.

Com o golpe militar de 1964, as políticas educacionais no Brasil ganharam novo enfoque priorizando-se o planejamento econômico em detrimento dos planos de educação. Assim, “a educação, a exemplo de outras políticas setoriais, foi planejada nos documentos norteadores da política econômica e a filosofia de ação adotada passou a privilegiar a aproximação entre os sistemas de ensino e o sistema econômico” (AZEVEDO, 2014, p. 269).

Ocorre, então, a subordinação do Ministério da Educação ao Ministério do Planejamento, o qual se tornou responsável pela elaboração dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, dos quais decorreram, dentre outros, os três Planos Setoriais de Educação e Cultura do período. Assim, a responsabilidade pelo planejamento da educação nacional foi transferida das mãos dos educadores para as dos tecnocratas com formação na área das ciências econômicas (SAVIANI, 1999).

O percurso histórico dos planos de educação no Brasil apresentado até o momento, ou seja, desde o ano de 1932, quando se deu a primeira manifestação relativa ao assunto, até o ano de 1985, quando se iniciou o processo de redemocratização em nosso país, pode ser assim resumido:

Dir-se-ia que, se no período de 1932 a 1962, descontados os diferentes matizes, o plano era entendido, grosso modo, como um instrumento de introdução da racionalidade científica na educação sob a égide da concepção escolanovista, no período seguinte que se estende até 1985 a ideia de plano se converte num instrumento de racionalidade tecnocrática consoante à concepção tecnicista de educação (SAVIANI, 1999, p. 128).

Importante salientar que, segundo Azevedo (2014), o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto, concebido para o período de 1980 a 1985, refletiu a crise do regime autoritário, bem como a abertura política premente naquele dado momento. Segundo a autora, o documento registrou elementos que romperam, até certo ponto, com a concepção econômica de planejamento que norteou os documentos anteriores.

Nesse sentido, seu conteúdo retorna a um enfoque da educação como direito de cidadania, desconectando seus objetivos, metas e estratégias de uma ligação linear com o projeto de desenvolvimento, para privilegiar o seu papel no combate às desigualdades sociais. Há no texto indicações de um planejamento participativo, bem como o reconhecimento da educação como política social (AZEVEDO, 2014, p. 270).

Ao longo do período de redemocratização do país, vieram à tona as discussões acerca dos problemas sociais decorrentes do regime autoritário. A questão educacional foi amplamente problematizada e ganhou status de direito social no texto da denominada Constituição Cidadã, aprovada em 1988.

O planejamento da educação foi previsto no Artigo 214 da Carta Magna de 1988 e nas legislações que dela decorreram. Assim, a LDBEN aprovada em 1996

determinou como incumbência da União, em colaboração com os demais entes federados, a elaboração do Plano Nacional de Educação. A Lei da educação estabeleceu, ainda, o prazo de um ano, a contar da data de sua publicação, para que o documento, contendo as diretrizes e metas a serem cumpridas pelo poder público ao longo de uma década, fosse encaminhado ao Congresso Nacional.

O processo de elaboração do PNE (2001-2010), primeiro plano de educação aprovado após o período de redemocratização do país, refletiu as tensões e conflitos presentes na sociedade brasileira naquele dado momento histórico, tendo sido aprovado somente em 09 de janeiro de 2001, por meio da Lei n. 10.172, extrapolando o prazo de elaboração conforme previsto na LDBEN de 1996.

No tocante ao direito à educação integral, o PNE (2001-2010) seguiu a tendência apontada nos planos anteriores e adotou a perspectiva de ampliação da jornada escolar com vistas à redução das desigualdades sociais e à ampliação das oportunidades de aprendizagem. Assim, nas Diretrizes relativas ao ensino fundamental, afirma-se:

O atendimento em tempo integral, oportunizando orientação no cumprimento dos deveres escolares, prática de esportes, desenvolvimento de atividades artísticas e alimentação adequada, no mínimo em duas refeições, é um avanço significativo para diminuir as desigualdades sociais e ampliar democraticamente as oportunidades de aprendizagem (BRASIL, 2001).

Importante frisar que, em nenhuma passagem do Plano, encontramos referência à expressão “direito à educação integral”, o que, em tese, denota a concepção do legislador relativa ao assunto. Dessa forma, pode-se inferir que a educação em tempo integral foi a perspectiva adotada pelo PNE, para a efetivação daquele direito.

Em 25 de junho de 2014, foi aprovado o segundo PNE do período de redemocratização do país, a Lei n. 13.005/2014. Azevedo (2014, p. 277) ressalta os avanços observados no PNE (2014-2024) em relação àquele de 2001, sobretudo no que diz respeito à participação de setores progressistas da sociedade no processo de sua elaboração. No entanto, segundo a autora, faz-se necessária “a continuidade dessa mobilização e da sua ampliação para que a lei não se torne letra morta”, neutralizando, assim, os interesses conservadores que, insistentemente, tentam inviabilizar a garantia do direito à educação.

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Na próxima seção deste capítulo, apresentamos a análise do direito à educação integral no PNE (2014-2024), documento vigente em nosso país e que deve nortear a ação do Estado quando da elaboração de suas políticas de educação.

2.3 O direito à educação integral no PNE (2014-2024): uma análise de