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Sistemas de ensino e planos municipais de educação: uma articulação

CAPÍTULO II A EDUCAÇÃO INTEGRAL COMO POLÍTICA PÚBLICA

3.3 Sistemas de ensino e planos municipais de educação: uma articulação

A organização de sistemas de ensino no Brasil encontra-se fundamentada nos dispositivos constitucionais que configuram a forma de organização política e administrativa do Estado brasileiro, visto que a Lei Maior estabelece as responsabilidades específicas de cada um dos entes federados, União, estados, municípios e Distrito Federal, em matéria de atendimento à demanda educacional e, por conseguinte, da garantia do direito à educação integral.

Este modelo de organização do Estado brasileiro, ou seja, o federalismo, pode ser caracterizado como um “pacto de um determinado número de unidades territoriais autônomas para finalidades comuns” (ARAÚJO, 2013, p. 34), no qual tanto os governos subnacionais quanto a União possuem autonomia e competências próprias em suas respectivas esferas de poder. Assim, “os primeiros têm autonomia para gerir questões políticas e econômicas locais, e o segundo tem a finalidade de representar e fazer valer os interesses de toda a população do País” (ARAÚJO, 2013, p. 34), configurando-se, pois, em uma dupla soberania.

No artigo 211 da Constituição de 1988, encontram-se explicitadas as atribuições comuns e específicas de atuação de cada ente federado. Sinteticamente, no §1º estão relacionadas as funções redistributiva e supletiva da União, mediante assistência técnica e financeira aos demais entes federados; o §2º dispõe sobre a atuação prioritária dos Municípios no ensino fundamental e na educação infantil; no § 3º estão as disposições relativas à atuação prioritária dos Estados e do Distrito Federal no ensino fundamental e médio. O §4º assegura que, “na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório” (BRASIL, 1988).

A definição de incumbências, bem como a forma de atuação dos governos subnacionais, encontra-se expressa no Artigo 11 da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9.394/1996, conforme trecho transcrito.

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:

I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;

II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas; III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;

IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;

V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino;

VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal. (Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003);

Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica (BRASIL, 1996).

Conforme o trecho destacado, a criação dos sistemas próprios de ensino é uma possibilidade apontada pela legislação, porém, trata-se de medida facultativa, visto que os municípios podem optar por duas alternativas, quais sejam: integrar-se ao sistema estadual de educação ou compor com este um sistema único de educação básica. Ao tornar opcional essa medida, a LDBEN considerou as dificuldades técnicas e financeiras que os municípios poderiam apresentar para organizar seus respectivos sistemas de ensino (SAVIANI, 1999).

A criação de um sistema de ensino supõe a capacidade de o ente federado elaborar suas próprias regras à luz daquilo que se pretende alcançar como objetivo. Nas palavras de Saviani (1999),

[...] o conceito de sistema denota um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade, o que implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas que decorrem dos valores que estão na base da finalidade preconizada (SAVIANI, 1999, p. 121).

A criação do sistema próprio remete, assim, às questões de autonomia dos governos subnacionais em matéria de atendimento educacional, já que “uma vez instituído formalmente o sistema municipal, o município se subordina tão

somente às leis e diretrizes nacionais e passa a atuar em regime de colaboração, não mais de subordinação, com o estado” (BORDIGNON, 2009, p. 35).

No âmbito da Região Metropolitana de Campinas (RMC), instituída pela Lei Complementar n. 870/2000, a criação dos sistemas municipais de ensino ocorreu de maneira progressiva. No período de 1997 até o ano de 2016, quinze municípios num universo de vinte, criaram os seus respectivos sistemas de ensino, conforme dados do Quadro 8.

Quadro 8 - Municípios com sistema próprio de ensino e respectivas leis de criação

Município Amparo legal

Americana Lei n. 3.129, de 18 de dezembro de 1997

Artur Nogueira Lei n. 2.795, de 28 de dezembro de 2005

Campinas Lei n. 12.501, de 13 de março de 2006

Cosmópolis Lei n. 2.785, de 23 de dezembro de 2004

Engenheiro Coelho Lei n. 926, de 21 de julho de 2014 Hortolândia Lei n. 1.460, de 05 de novembro de 2004

Indaiatuba Lei n. 3507, de 08 de janeiro de 1998

Itatiba Lei n 2.976, de 25 de fevereiro de 1998

Monte Mor Lei n. 1.297, de 16 de dezembro de 2008

Nova Odessa Lei nº 49, de 11 de outubro de 2016

Paulínia Lei n. 50, de 16 de novembro de 2011

Santa Bárbara D’Oeste Lei n. 2493, de 24 de maio de 2000 Santo Antonio de Posse Lei n. 2.233, de 18 de abril de 2007

Sumaré Lei n. 4.400, de 26 de março de 2007

Valinhos Lei n. 4.845, de 02 de maio de 2013

Fonte: AUTORA, 2017.

De acordo com dados do Quadro 8, a aprovação das leis de criação de sistemas de ensino na Região Metropolitana de Campinas teve início no ano de 1997, quando Americana instituiu seu sistema próprio, até o ano de 2016, quando foi aprovada a lei de Nova Odessa. Observamos uma concentração maior de leis de criação na década de 2000 em consonância com as medidas tomadas pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo visando à municipalização do ensino (OLIVEIRA; GANZELI, 2001).

Para o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE), a criação do sistema de ensino autônomo configura-se como a solução ideal para a organização da educação nos municípios, desde que sejam garantidas algumas “providências e condições sem as quais a ação municipal pode mostrar-se insuficiente e até mesmo contraproducente” (SÃO PAULO, 1997).

De acordo com o CEE, para a instituição dos sistemas de ensino municipais, devem ser garantidas as seguintes condições: a) compromisso com a educação; b) conjunto de normas de educação; c) Conselho Municipal de Educação; d) órgão de administração da educação municipal; e) Plano Municipal de Educação; f) rede escolar (SÃO PAULO, 1997).

A justificativa apresentada pelo CEE para relacionar o Plano Municipal de Educação como uma das condições para a instituição dos sistemas próprios de ensino repousa na ideia de que a elaboração de um documento “que identifique as necessidades a serem atendidas, estabeleça as prioridades e aponte as metas a serem atingidas, dentro de prazos realistas” (SÃO PAULO, 1997) consolida o compromisso do município com a educação.

Nesse sentido, o CEE adota uma concepção de planejamento cujo processo de elaboração do documento deve, necessariamente, passar “pelas várias etapas de diagnóstico da realidade, elaboração do plano, aprovação e adoção do plano, implementação e gestão, acompanhamento e avaliação, replanejamento” (SÃO PAULO, 1997).

Azevedo (2014) reconhece que o plano se configura como uma “expressão do planejamento”, ferramenta utilizada no campo das políticas públicas para o alcance de objetivos e metas. Nas palavras da autora, “planejar quer dizer selecionar diretrizes, estratégias, técnicas e modos de agir para que os governos busquem equacionar problemas por meio da intervenção e da regulação nos/dos setores sociais” (AZEVEDO, 2014, p. 266).

Embora a necessidade de elaboração do plano municipal de educação tenha sido determinada pelo CEE como uma das condições para a instituição dos sistemas de ensino, a análise das legislações municipais que instituíram os sistemas próprios no âmbito da RMC revelou distintos tratamentos à temática.

As leis de criação dos sistemas municipais de Americana e Hortolândia não previram a elaboração do PME. Este fato apresenta-se como preocupante, pois, conforme adverte Saviani (1999, p. 131), “do ponto de vista da eficácia das ações do poder público municipal, resulta imperativo que as mesmas sejam planejadas”, sobretudo nos municípios que se organizaram como um sistema próprio de ensino.

De outro modo, as leis de Artur Nogueira (Artigo 3º, XII), Cosmópolis (Artigo 30, V), Engenheiro Coelho (Artigo 3º, XII), Indaiatuba (Artigo 3º, XIII), Itatiba (Artigo 3º, XIII), Santa Bárbara D’Oeste (Artigo 3º, IV), Santo Antonio de Posse (Artigo 3º, XIII) e Valinhos (Artigo 3º, XI) estabeleceram a elaboração do plano municipal como um dos objetivos a serem perseguidos por seus respectivos sistemas de ensino.

Campinas (Artigo 6º), por sua vez, considera a elaboração de lei específica para o estabelecimento da Conferência Municipal de Educação bem como do Plano Municipal de Educação.

No que diz respeito aos objetivos do PME, foi recorrente a reprodução do texto constante no Artigo 214 da CF de 1988, ainda que tenham sido observadas algumas supressões e/ou acréscimos na redação da lei municipal. Assim, as leis de Artur Nogueira, Engenheiro Coelho, Indaiatuba e Itatiba reproduziram os cinco primeiros incisos do texto constitucional e acrescentaram a “valorização do professor” como um dos objetivos de seus respectivos planos. A Lei de Santo Antônio de Posse também incorporou o mesmo inciso, no entanto, restringiu a valorização ao docente da rede pública municipal de ensino. A Lei de Valinhos inovou em relação às demais, uma vez que ampliou a valorização aos profissionais do quadro do magistério e de apoio escolar.

À luz do exposto, pode-se afirmar que o empenho dos entes subnacionais da RMC em organizar seus sistemas de ensino coaduna-se com os esforços para a elaboração dos seus respectivos planos de educação. O desejo é que tais medidas possam contribuir, de fato, para a efetivação do direito à educação integral possibilitando um ensino de qualidade às pessoas domiciliadas nos municípios analisados.

Considerando que os municípios da RMC que instituíram sistemas próprios de ensino elaboraram seus respectivos planos de educação para o decênio 2015-2025, passamos a investigar, no próximo capítulo deste trabalho, a configuração do direito à educação integral nesses documentos.

CAPÍTULO IV - O DIREITO À EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS PLANOS