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CAPÍTULO IV O DIREITO À EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS PLANOS DE

4.1 A normatização jurídica dos PMEs

4.1.1 Aprovação, execução e financiamento do PME

Considerando o conjunto dos PMEs analisados, pode-se afirmar que o cumprimento da Lei n. 13.005/2014 foi o elemento impulsionador para que 12 (80%) dos 15 municípios da RMC elaborassem seus respectivos planos decenais de educação, os quais fizeram menção à referida norma, quer seja na ementa (Cosmópolis, Itatiba) quer seja no conteúdo (Americana, Campinas, Hortolândia, Indaiatuba, Monte Mor, Nova Odessa, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré e Valinhos) da Lei que aprovou o Plano.

Concernente à necessidade de serem previstas diretrizes nos planos de educação, Souza e Menezes (2015, p. 920), à luz de BONAMINO et al. (2006), BRASIL (2005), e MONLEVADE (2002), advertem:

É por intermédio das diretrizes que se explicitam concepções e princípios relacionados às possíveis soluções, alternativas e estratégias destinadas à solução e superação dos problemas identificados na etapa diagnóstica da elaboração do plano, devendo ainda justificar as opções adotadas e as prioridades assumidas.

As diretrizes constantes dos planos municipais deveriam se constituir em elementos necessários à compreensão da política educacional que se pretende colocar em curso em uma determinada localidade, uma vez que, “fundadas na missão institucional e nos referenciais conceituais, indicam o caminho a seguir, são orientadoras do curso da ação” (BORDIGNON, 2009, p. 92).

Assim como no PNE (2014-2024), parte significativa dos PMEs analisados dedicou artigo específico, no corpo da Lei de seus respectivos planos, à exposição das diretrizes norteadoras do documento, à exceção de Artur Nogueira, Cosmópolis, Engenheiro Coelho e Paulínia que se silenciaram em relação a esse elemento fundante do plano de educação, indicando fragilidade em sua estrutura.

Em linhas gerais, as dez diretrizes constantes no Artigo 2º da Lei do PNE (2014-2024) foram recuperadas nos textos municipais com maiores ou menores adequações, à exceção do documento de Santo Antônio de Posse no qual foi registrada redação original em relação ao documento nacional, conforme excerto extraído da Lei municipal:

Art. 2º - São diretrizes do Plano Municipal de Educação (PME): I – erradicação do analfabetismo;

II – universalização do atendimento escolar;

III – A gestão democrática no Sistema Municipal de Educação e nas instituições;

IV – A oferta da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial com profissionais bem formados, fortalecendo o caráter público, gratuito e a boa qualidade do ensino;

V – A educação pública, gratuita e de qualidade para as crianças, jovens e adultos portadores de deficiência e/ou com necessidades educacionais especiais e assegurar o respeito à igualdade de direitos de todas as pessoas, sem preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, cor, religião, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme o artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;

VI – Investir, progressivamente em educação, recursos financeiros crescentes além dos 25% do orçamento estabelecido pela Constituição Federal;

VII – A valorização dos educadores (professores, funcionários técnico- administrativos, técnico-pedagógicos e funcionários básicos e de apoio), contemplando dignamente a formação inicial e continuada, a carreira e o salário, com a perspectiva de assegurar a qualidade da educação e a realização pessoal e profissional desses trabalhadores;

VIII – Criar estratégias para o acompanhamento e avaliação da implementação do Plano Municipal de Educação;

IX – Instituir mecanismo democráticos [sic] de avaliação interna e externa, no Sistema Municipal de Educação e nas instituições educacionais, levando em conta seus recursos, organização, condições de trabalho entre outros indicadores, por meio de processos coordenados pela Secretaria Municipal de Educação, pelo Conselho Municipal de Educação e pelos Conselhos Escolares (nas unidades escolares de Educação Básica).

X – Garantir que as escolas públicas da Rede Municipal possuam infraestrutura material, didático-pedagógica e tecnológica, com número compatível de profissionais em educação que possibilite empregar tal estrutura em prol de um ensino de boa qualidade, em todos os níveis. XI – formação para o trabalho e para a cidadania com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;

XII – vinculação do Plano Municipal de Educação ao projeto de desenvolvimento do Município e às necessidades de melhoria das condições de vida da população (SANTO ANTÔNIO DE POSSE, 2015).

Observa-se, no trecho destacado, que as diretrizes do PME (2014-2024) evidenciam o atendimento aos alunos matriculados nas primeiras etapas da educação básica (educação infantil e ensino fundamental) e nas modalidades de ensino (educação especial e educação de jovens e adultos) que estão sob a responsabilidade do poder local, desconsiderando o atendimento dos alunos do ensino médio e da educação superior. Desse modo, o plano de educação de Santo Antônio de Posse contraria a ideia de um plano municipal como um documento de planejamento que pensa “a ‘educação do município’ como um ser coletivo, que busca sua vocação econômica, que cresce cultural e tecnologicamente, que se expressa como uma ‘comunidade educativa’” (MONLEVADE, 2004, p. 40).

Por sua vez, o plano de educação de Santa Bárbara d’Oeste diferencia-se dos demais planos por incluir uma diretriz proibindo, nas “unidades da rede oficial e da rede particular, a elaboração, divulgação, produção, distribuição e utilização de materiais de referência de cunho sexual, afetivo ou de gênero” (SANTA BÁRBARA D’OESTE, 2015). Esta inclusão foi motivada pela pressão de grupos conservadores atuantes no município e que buscam refutar, no interior das escolas, quaisquer discussões relacionadas ao fenômeno denominado “ideologia de gênero”17, a qual

pode ser entendida como a “desconstrução dos papéis de gênero tradicionais e, por consequência, da família, dentro dos ambientes educacionais” (REIS; EGGERT, 2017, p. 20).

A diretriz que estabelece a “promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País” (BRASIL, 2014) foi transcrita, literalmente, nos PMEs de Americana, Campinas, Hortolândia, Indaiatuba, Nova Odessa e Sumaré. Podemos afirmar que a reprodução acaba por exigir adequações no âmbito da realidade do município, o que não se revelou na análise dos PMEs.

17 Disponível em: <http://www.sbnoticias.com.br/noticia/Ideologia-de-Genero-nao-consta-no-Plano- Municipal-de-Educacao-garante-Tania-Mara/132000>. Acesso em: 20 dez. 2018.

No que diz respeito ao financiamento, o PNE (2014-2024) previu “(...) meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade” (BRASIL, 2014). Segundo Davies (2014, p. 198), a vinculação dos recursos da educação ao PIB apresenta-se como uma fragilidade do Plano, uma vez que “os governos não arrecadam PIB, mas sim impostos, taxas e contribuições” e, nesta perspectiva, o PIB se constitui em “apenas um indicador (muito frágil, tendo em vista a sonegação fiscal generalizada) da riqueza nacional”.

Além do mais, a Lei n. 13.005/2014 não estabeleceu como responsabilidade dos entes subnacionais a aplicação do percentual do PIB (DAVIES, 2014), desobrigando desta forma os municípios a utilizarem esse indicador como referência para a educação. Assim, ainda que não tenham alterado a essência das diretrizes nacionais, as Leis dos municípios de Americana, Campinas, Hortolândia, Indaiatuba, Nova Odessa, Santa Bárbara d’Oeste e Sumaré reproduziram o texto da norma federal não fazendo alusão ao referido indicador, conforme trecho extraído desses documentos: “estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade”.

Convém destacar que as diretrizes previstas no PME de Valinhos, ainda que sigam o teor do contido na Lei Federal, diferenciam-se desta e dos demais Planos Municipais pelo excesso de referências à localidade, conforme trecho extraído do referido documento:

Art. 2º. São diretrizes do Plano Municipal de Educação (PME) de Valinhos, em consonância com o Plano Nacional de Educação (PNE):

I. erradicação do analfabetismo no Município;

II. universalização do atendimento escolar para todos os cidadãos residentes no Município;

III. superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação em

Valinhos;

IV. melhoria da qualidade da educação no Município;

V. formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se deve fundamentar a sociedade local;

VI. promoção do princípio da gestão democrática da educação pública no

Município;

VII. incentivo a promoção humanística, científica, cultural e tecnológica no

Município;

VIII. estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação recebidos de acordo com o PNE, como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade no Município;

IX. valorização dos profissionais da educação vinculados à rede de ensino

do Município;

X. promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental do Município (VALINHOS, 2015, grifos nossos).

A nosso ver, o excesso de referências à localidade, observado no conteúdo do documento, poderia ter sido evitado pelo legislador, uma vez que o texto aprovado possui abrangência somente municipal.

A preocupação em explicitar o(s) órgão(s) público responsável pela execução dos PMEs não se constituiu em matéria de importância nos documentos analisados. Por um lado, os PMEs de Americana, Artur Nogueira, Engenheiro Coelho, Itatiba, Santo Antônio de Posse e Valinhos não fazem alusão alguma à questão. Por outro, os planos de Campinas, Cosmópolis, Hortolândia, Indaiatuba, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia e Sumaré trazem informações demasiadamente genéricas, imputando ao município a responsabilidade pelo alcance das metas e implementação das estratégias previstas em seus PMEs.

Art. 7º - A consecução das metas deste Plano Municipal de Educação (PME) e a implementação das estratégias deverão ser realizadas em regime de colaboração e em parceria com a União, o Estado e o Município de Campinas (CAMPINAS, 2015).

Artigo 6º - O Município atuará em regime de colaboração visando ao alcance das metas e à implementação das estratégias objeto deste Plano (MONTE MOR, 2015).

Observou-se que o PME de Santa Bárbara d’Oeste foi o que apresentou maior nível de generalização em relação à responsabilidade pela execução do PME, ao assumir que “a execução do Plano Municipal de Educação se dará em regime de colaboração entre a União, o Estado, o Município e a sociedade civil” (SANTA BÁRBARA D’OESTE, 2015). Nesse caso, quem, de fato, seria o responsável pela execução do plano? O regime de colaboração seria suficiente para que as metas e/ou estratégias fossem alcançadas?

A omissão observada em relação aos órgãos do poder público que, direta ou indiretamente, deveriam se responsabilizar pela implantação e execução do PME, pode destituir tal documento “de seu caráter de política de Estado e, portanto, quando muito, deslocando-o para o âmbito das políticas de governo ou, em determinadas situações, para o que se poderia aqui denominar lugar algum, ou

seja, para a condição de um plano cartorial” (SOUZA; MENEZES, 2016, p. 328), configurando-se numa espécie de carta de intenções, conforme análise de Valente e Romano (2002) para o PNE 2001-2010.