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DO CONCEITO DE MARCA

6.6 Estádio 4: Customer-driven marketing

6.6.1 A era do posicionamento

A primeira parte dos anos 80 é a fase dos yuppies, a nata dos consumidores e o alvo preferencial dos anunciantes da época. Mercê da onda especulativa que atravessa esta década, estes ‘jovens, urbanos, profissionais’ enriquecem rapidamente convertendo-se num grupo aspiracional para quantos ambicionam o êxito social. Os seus maneirismos são copiados, levando ao aparecimento de yuppies não genuínos, mas que se comportam e, sobretudo, que consomem como tal. A estes, a crise do final dos 80 irá apanhá-los desprevenidos. Entretanto as empresas tinham vindo a apetrechar-se. Por esta altura os anunciantes apercebem-se já da importância de uma boa imagem de marca. Uma imagem sólida e positiva permite, sob a umbrella da marca genérica, o lançamento de novos produtos com menor esforço. Se a imagem é débil, cada novo lançamento é sempre um recomeço, exigindo um esforço de comunicação e, logicamente, um esforço económico muito maior. Com este pensamento em mira, na década 80 as empresas irão lançar-se em campanhas de índole institucional, autocentradas e autopromocionais. Na prática todas as empresas dizem aproximadamente o mesmo, pelo que com o tempo e em face do elevado nível de saturação publicitária, distingui-las torna-se uma tarefa cada vez mais difícil. O panorama é este, quando Al Ries e Jack Trout (Eguizábal, 1998) (re)introduzem e se propõem (re)ver o conceito de posicionamento.

Corria ainda o ano de 1972 quando Ries e Trout publicam uma série de três artigos na Advertising Age sob o título “A era do posicionamento” (Eguizábal, 1998). Anos mais tarde, os autores irão desenvolver o conceito no livro Positioning: The Battle for your Mind ([1981] 1993). Passada a época das campanhas centradas nos atributos e benefícios dos produtos, passada a época da imagem de marca e das campanhas baseadas na reputação das firmas, chega a era do posicionamento. Mais do que ocupar um nicho no mercado há que encontrar um nicho na mente dos consumidores

(funcional, experiencial ou simbólico), a uma distância ‘confortável’ da concorrência, e ocupá-lo antes que outros o façam. Uma vez ocupada esta posição, a marca será

naturalmente evocada quando houver necessidade da categoria. No entanto, a noção de concorrência para Ries e Trout ([1981] 1993) difere da noção clássica, uma vez que

somente os produtos que são percebidos como concorrentes pelos consumidores devem ser considerados como tal.

Uma outra ideia interessante de Trout (2005) refere-se ao ‘ouvido’. Alguns especialistas da memória haviam já avançado que não só o ouvido percebe as coisas mais rapidamente do que a vista, como as sensações auditivas perduram mais do que as visuais. Para Trout (2005) é chegada a hora de acabar com alguns clichés: uma imagem não vale mais do que mil palavras – afirmam os autores. A prova são os jingles e slogans que sobrevivem à passagem do tempo, regressando recorrentemente à nossa memória. O fio condutor das mensagens deve ser verbal, contribuindo as imagens para reforçar as palavras, ao ajudar a fixar a atenção enquanto se escuta a mensagem. Os anúncios visuais, sobrecarregados de imagens espectaculares, são consumidos com prazer e rapidamente esquecidos. Segundo Trout (2005), caso exemplar são os anúncios da Procter & Gamble: sem suscitar níveis elevados de agrado são ainda assim

facilmente recordados, em virtude do seu formato predominantemente verbal. Hoje, em face do crescente protagonismo das emoções na publicidade, esta ideia volta de novo a ser discutida, como veremos mais adiante46.

A ofensiva publicitária nos anos 80 não se confina no entanto aos EUA (Eguizábal, 1998). Na Europa, Jacques Séguèla47 propõe uma nova abordagem estratégica que denomina star-system. Para este publicitário não importa que o produto seja o menos atractivo do mundo, o que importa é conferir-lhe um estilo. Segundo Séguèla falta ‘sonho’ à publicidade. As marcas, mais do que lavar, refrescar ou acalmar as nossas necessidades básicas, têm de ser o motor dos nossos sonhos, e sobretudo do sonho de realização pessoal que trazemos desde os anos 60 – o sonho capitalista de ascensão dá lugar à velha aspiração hippy de auto-realização. Séguèla, e outros, clamam pelo regresso da imaginação, da espontaneidade e do talento, destronados pela razão, o copy- strategy e os estudos de mercado – nem mais nem menos do que a aplicação industrial de “a imaginação ao poder”, o slogan de Maio de 68 (Eguizábal, 1998).

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Secções 6.6.2 e 6.7.2.

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Famoso publicitário francês, nascido em 1934, co-fundador da agência RSCG em 1970, conhecido sobretudo pelas campanhas de personalidades públicas (e.g. a campanha de 1981 de François Mitterrand, “a força tranquila”).

Os anos 80 trazem também profundas mudanças estruturais ao sistema publicitário: ao mesmo tempo que se favorece uma cultura universal e se dá forma aos grandes mercados transnacionais, ressurgem as pequenas nacionalidades e resistem as culturas locais. A publicidade convencional dos grandes media perde terreno a favor do below- the-line e do through-the-line. O marketing directo, os patrocínios e novas fórmulas, como o bartering (permuta) ou o product placement, perfilam-se em alternativa a blocos publicitários saturados de mensagens. As Centrais de Compra são criadas com o

objectivo de concentrar as compras de espaço e desta forma assegurar acordos mais rendíveis e as Agências perdem a tradicional função de distribuição (a sua origem histórica), reagindo a esta mudança por via da especialização ou da diversificação. As primeiras transformam-se em fábricas de ideias ou em empresas de consultoria,

enquanto as segundas se convertem em empresas de comunicação integrada, oferecendo uma vasta gama de serviços (investigação, design, patrocínios, organização de feiras, montagem de stands, embalagem, relações públicas, marketing directo). Ao fundo deste cenário divisa-se a ‘sociedade de informação’, com as suas auto-estradas e os seus new media. A comunicação vai ser o negócio do século XXI – dizem os especialistas – e as empresas reagem (fundem-se, absorvem-se, aliam-se, criam redes transnacionais) procurando ocupar uma posição forte neste sector em desenvolvimento. O consumo acelera-se em busca da instantaneidade e dos valores hedonistas – a busca do prazer físico e psíquico, a cultura do corpo – os quais primam agora sobre os valores burgueses tradicionais da poupança, do trabalho e da família. Com a queda do bloco soviético e a emergência do capitalismo neoliberal, a publicidade, antes vilipendiada, entra nos museus e nas academias e, com os irmãos Saatchi48 e a cultura de mega-fusões, o nome dos publicitários surge pela primeira vez na abertura dos jornais.

Os anos 80 trazem consigo inovações tecnológicas e condições sociais e económicas que propiciam a criação de mega estruturas empresariais. As novas

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Depois de trabalharem durante alguns anos para outras agências, Maurice e Charles Saatchi lançam a sua própria agência em 1976. Nos seus primeiros tempos a Saatchi & Saatchi era conhecida como uma das mais criativas de Londres, empregando criativos que vieram a assumir posições de topo na indústria publicitária. Nos anos seguintes, os irmãos Saatchi iriam pôr em prática uma política agressiva de aquisição de agências concorrentes, ampliando a sua carteira de clientes de forma significativa. Em 1995 são obrigados a abandonar a agência na sequência do insucesso de algumas decisões estratégicas e de uma amarga disputa no seio do quadro de administradores, lançando a M&C Saatchi a qual, no presente, ultrapassa já a facturação da primeira no Reino Unido.

tecnologias permitem uma maior e mais rápida circulação da informação, no campo organizacional, e o desenvolvimento da distribuição de conteúdos e das formas de consumo, no campo da comunicação. Vários factores combinam-se: (i) o aumento das vendas, a conjuntura favorável dos mercado financeiros e o clima de competitividade, potenciam uma disponibilidade de capitais como nunca se havia visto no sector da comunicação; (ii) a diversificação das estratégias e a maior flexibilidade dos media em se adaptarem às flutuações das relações entre empresas e consumidores favorecem a compra de espaço publicitário; (iii) o aumento do tempo livre, o maior nível de educação e o maior poder de compra propiciam o consumo de produtos de

comunicação. A tudo isto haveria que acrescentar o crescente poder integrador da publicidade. Este é definitivamente o caldo cultural que permitiu o fenómeno Saatchi & Saatchi. Nos anos 70 eram ainda os protagonistas históricos da publicidade que estavam no centro das operações. Na segunda metade dos anos 80, as mega-fuõses irão consagrar os recém-chegados ao meio (Eguizábal, 1998).

Nesta época dourada, à medida que os mercados vão ficando mais saturados algumas marcas conseguem destacar-se do conjunto, convertendo-se em ícones, mercê de investimentos massivos e de abordagens persuasivas que as associam a drives motivacionais e valores primários dos indivíduos (e.g. Nike: vontade de vencer; Marlboro: machismo; The Body Shop: harmonia com a natureza e, mais recentemente, capacitação do terceiro mundo) (Goodyear 2001). A este nível, os valores associados às marcas destacam-se do produto – o valor da marca deixa de ser a expressão do produto para se tornar parte da identidade do utilizador. No estádio 4, o que uma marca como a Nike diz do seu utilizador aos outros é muito mais importante do que a forma como o faz sentir acerca de si próprio (estádio 3), ou do que as características do produto (estádio 2) (Goodyear 1999). No estádio 4 o conceito de marca expande numa estrutura complexa relativamente à qual as expectativas do consumidor são não só de natureza pessoal mas também de ordem social. As relações entre marcas e consumidores já não se confinam ao território do produto, mas envolvem as organizações como um todo (Goodyear, 1999). Uma marca ícone pode dar origem a extensões de si que incluem não só outros produtos mas também outras ‘brand experiences’. Neste estádio a marca é do domínio público, é parte da sociedade, tem um valor social (Goodyear, 2001), o que

constitui uma oportunidade para fortalecer os laços com o consumidor, e ao mesmo tempo uma responsabilidade, visto a marca ter de viver de acordo os princípios que anuncia (Goodyear, 1999). O consumidor ‘possui’ a marca, tanto quanto o anunciante (Goodyear, 1996). Esta ‘cedência’ ao consumidor torna as marcas mais instáveis, porquanto vulneráveis a serem substituídas por ‘novas novidades’, se não se mantiverem em processo de contínua reinvenção. Neste âmbito, a comunicação integrada through the line tem um papel fundamental com vista à manutenção do favoritismo de todos os stakeholders, em particular dos consumidores (Goodyear, 2001). Anunciante e consumidor estão agora do mesmo lado. A função da publicidade já não é vender, consistindo antes num ‘convite’ ao consumidor para que se identifique com o que é mostrado. As mensagens são frequentemente narrativas fícticas (narrative storytelling) construídas com base no estilo de vida do consumidor, por forma a facilitar a identificação (o instrumento persuasivo é o reforço). Os valores das marcas ícone são já suficientemente conhecidos, pelo que podem ser expressos de forma abreviada por meio de um vislumbre da embalagem ou do símbolo da marca (o tick da Nike por exemplo), ou ser simbolicamente ‘plasmados’ nos anúncios (Goodyear, 1991). Em suma, a publicidade do estádio 4 pode caracterizar-se como emocional, assente em valores abstractos, com ênfase em símbolos extraídos da ‘linguagem da marca’, sendo o seu objectivo ‘criar respeito pelo utilizador’ (Goodyear, 1999, 1996).