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DO CONCEITO DE MARCA

6.4 Estádio 2: Marketing (primitivo)

6.4.2 A psicologia no estádio

6.4.2.1 Instintivismo macdougalliano ou pré-freudiano

Em contraste com a visão racionalista que no princípio do século XX domina o sector profissional, no meio académico predominam as idéias do instintivista William McDougall18. Na viragem do século XIX para o XX, ainda nos seus primórdios como

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A primeira edição de The Psychology of Advertising: A Simple Exposition of the Principles of

Psychology in their Relation to Successful Advertising data de 1908 (Presswork for the University

Press, Cambridge, USA).

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Os modelos de hierarquia dos efeitos (e.g. AIDA) de que falaremos mais adiante são exemplo destes instrumentos.

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ciência independente, a psicologia caracteriza-se por explicar a conduta do consumidor em termos de instintos, sustentando que a publicidade deve conectar o produto e a marca anunciados com alguma dessas predisposições congénitas para a acção. Em particular são três as disposições instintivas com base nas quais se explicava então a “influência social”: a “sugestionabilidade”, a imitação e a “simpatia” ou convergência afectiva (Carrera Villar, 2000; Eguizábal, 1998). Segundo Carrera Villar (2000) e Eguizábal (1998), nesta fase “instintivista macdougalliana pré-freudiana” é função da publicidade controlar os instintos, devendo esta, para ser eficaz, manejar

adequadamente os instintos dos consumidores em relação às marcas e produtos anunciados, ou seja, ser capaz de sugestionar, produzir simpatia e gerar imitação. Scott (1916), por exemplo, é responsável pela ‘descoberta’ de alguns instintos

conectáveis aos produtos mais anunciados à época: instinto de preservação das posses materiais, instinto de alimentar-se, instinto de vestir-se, instinto de acumulação e propriedade.

6.4.2.2 Comportamentalismo e neo-comportamentalismo

Em 1920, pela mão de John B. Watson19, o primeiro psicólogo a trabalhar no sector publicitário20, o comportamentalismo chega à publicidade. Defensor de um behaviorismo radical, Watson rejeita qualquer tipo de mentalismo e descrebiliza o método introspectivo, ignorando liminarmente a consciência e tudo quanto lhe está associado – estados de alma, motivações, crenças ou intenções. Segundo Watson o espírito é uma ‘caixa negra’, ou seja, não constitui matéria observável susceptível de ser medida e manipulada, estando portanto fora do alcance da ciência, e devendo por esta razão a psicologia concentrar-se na observação e análise objectiva das condutas visíveis. Na perspectiva de Watson a psicologia constitui-se como um ramo das ciências naturais que tem como único

objectivo a descrição, predicção e controlo do comportamento. Porém, em boa verdade este tipo de objectivos tinha como móbil o desenvolvimento de uma ciência do

comportamento susceptível de servir de bases a uma tecnologia do comportamento (Wozniak, 1997). Na visão comportamentalista, esta tecnologia constituía a ‘chave’ dos

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1878-1958.

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Watson inicia a sua carreira no sector publicitário na JW Thompson, em 1920, de onde sai em 1936 para ingressar na William Esty, permanecendo nesta agência até à reforma, em 1947 (Kreshel, 1990).

mecanismos comportamentais do quotidiano do homem (e.g. a formação de hábitos) que permitiria guiar a sociedade nos processos de adaptação do ambiente ao indivíduo e/ou do indivíduo ao ambiente. Apesar do tom Orwelliano, esta era de facto a ideia fundamental que norteava os primeiros teóricos do comportamentalismo.

Nas suas primeiras formulações, os princípios do comportamentalismo eram bastante simplistas. O essencial da proposta de Watson resume-se em três pontos: (i) Modelo estímulo-resposta (S-R): o comportamento constitui a resposta do indivíduo aos estímulos do meio ambiente (determinismo ambiental), reduzindo-se o estudo do comportamento ao estudo da conexão estímulo-resposta (reducionismo paradigmático). Para Watson o comportamento é aprendido, e não inato, sendo os instintos responsáveis por uma ínfima parte da conduta humana (no que entra em confronto com o

instintivismo de McDougall). Esta concepção está na origem da crença de que o consumidor pode ser manipulado. (ii) Atomismo associacionista: estudar o

comportamento do ponto de vista atomista pressupõe a sua decomposição em actos mais simples os quais, na perspectiva associacionista, se associam em comportamentos mais complexos. Segundo esta abordagem os comportamentos mais complexos não provêm directamente dos sentidos, mas da associação de actos mais simples. As unidades mais simples, os actos reflexos, tendem a agrupar-se formando os hábitos, os quais por sua vez tendem a agrupar-se moldando a personalidade. Neste contexto o comportamento do consumidor é explicado a partir de hábitos de compra e de consumo que são aprendidos. (iii) Condicionamento clássico: segundo a teoria do condicionamento clássico os organismos aprendem por transferência de uma resposta natural ou

incondicionada (e.g. o salivar do cão de Pavlov) perante um estímulo incondicionado (a carne) para outro estímulo inicialmente neutro (a campainha) o qual passa a funcionar como estímulo condicionado. Segundo a teoria do condicionamento clássico, estímulos neutros tornam-se condicionados por emparelhamento com estímulos geradores de respostas reflexas ou automáticas. Na perspectiva de Watson dois factores fundamentais no processo de condicionamento consistem no (i) princípio da recência, segundo o qual quanto mais recente o comportamento ligado a um estímulo maior a probabilidade de gerar novamente o mesmo comportamento, e no (ii) princípio da frequência, segundo o qual quanto mais vezes um estímulo gerar uma determinada resposta, mais provável é a

ocorrência do mesmo par estímulo-resposta no futuro (Burgoon et al., 1981). Neste contexto, a publicidade é eficaz se ensinar novos hábitos de compra e de consumo (ou reforçar hábitos já adquiridos) por meio de condicionamento clássico.

Na prática, a teoria do condicionamento clássico irá aplicar-se à publicidade tornando-a associativa e repetitiva. Suportada pela ideia de um consumidor

essencialmente passivo, a abordagem comportamentalista irá dar lugar à proliferação de uma publicidade maçadora e repetitiva21 que recorre com frequência ao endorsement, por forma não só a torná-la mais humana e apelativa (Goodyear 2001, 1999), como também a facilitar a associação com a marca. Este é também o efeito esperado dos jingles e, de uma forma geral, da música que acompanha os anúncios. Como veremos adiante, este tema voltará, a partir do início da década de 90, à ordem do dia, com cada vez mais investigadores a chamar a atenção para a eficácia da emoção na comunicação publicitária, uma forma simples e rápida de condicionamento clássico, em particular quando sentida de forma intensa22.

Entretanto, na viragem dos anos 20 para os 30, esta concepção sumária do efeito publicitário irá ser modificada pela emergência de uma versão menos radical de comportamentalismo que ficará conhecida por neo-comportamentalismo. O neo- comportamentalismo não difere do comportamentalismo clássico no que se refere à pretensão de transformar a psicologia numa ciência objectiva. Porém, pensadores como Edward C. Tolman23 e Clark L. Hull24 irão recuar relativamente ao modelo clássico de comportamento (S-R) na convicção de que se teria ido longe demais, vindo em

consequência propor um novo modelo (S-O-R) que difere do seu predecessor por introduzir um elemento mediador na sequência estímulo-resposta: o organismo.

Resumidamente, a diferença fundamental entre as duas abordagens consiste no facto de o neo-comportamentalismo considerar que o comportamento é função não só dos

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Não obstante Watson é creditado com o sucesso de numerosas campanhas particularmente na área da cosmética (e.g. Ponds).

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Ver, exemplo, o trabalho de León, do início da década de 90 (1992), os números especiais do Journal

of Advertising Research dedicados à emoção na publicidade de Março de 2006 e Junho de 2004, e a

série de working papers de Heath e Heath & Feldwick que têm vindo a ser disponibilizados na internet ao longo deste ano (2007a; 2007b; 2007c).

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1886-1959.

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estímulos do meio, mas também da interacção destes estímulos com os processos do organismo humano.

Na perspectiva de Hull, a mediação entre estímulo e resposta está a cargo dos impulsos (drives) e da necessidade do homem reduzir estes impulsos (drive reduction) (e.g. fome ou sede). Na génese do pensamento de Hull reside a ideia de que existem ‘leis do comportamento humano’ comuns a todos os homens. Uma destas leis consiste no princípio do prazer. A noção de que o homem está motivado para a busca do prazer (e supressão da dor) pode ser traçada até aos filósofos hedonistas da antiguidade clássica; porém, a compreensão que nos primeiros anos do século XIX os pioneiros da psicologia têm deste princípio vai já muito para além da dos seus proponentes na Grécia Antiga. Com efeito, pela mão de Thorndike25, do princípio do prazer evoluímos para a ideia de aprendizagem por tentativa e erro – a aprendizagem resulta de conexões entre estímulos e respostas, num processo de tentativa e erro – e desta para a Lei do Efeito – uma resposta tem tendência para repetir-se se for seguida de recompensa (reforço, na linguagem comportamentalista) – decorrendo da interrelação dos dois princípios a noção de que a aprendizagem é um processo baseado num sistema de ‘prémios’ e ‘castigos’. Esta ideia está na génese da evolução do condicionamento clássico (S-R) para o condicionamento instrumental ou operante (S-O-R). Esta nova forma de ver o comportamento irá inevitavelmente levar ao estudo das suas variáveis de mediação, entendidas como os factores de motivação que impulsionam os organismos a levar a cabo acções específicas. Por outro lado, no que se refere à publicidade, a questão já não se resume a ‘como induzir novos hábitos de compras e/ou reforçar hábitos adquiridos’ (“convencer” como preconizava Watson) mas a que prémio ou recompensa conectar às marcas por forma a levar o público a experimentar e, obviamente, a consumir

(“persuadir”).

Em rigor o conceito de motivação, e a análise motivacional, não nasce com o neo- comportamentalismo. Na perspectiva do instintivista William McDougall, por exemplo, que defendia uma psicologia hórmica ou intencional, o comportamento não é

espontâneo, aleatório, mas tem um propósito que é determinado pelo instinto. Neste contexto a motivação refere-se ao impulso (na linha de Hull) susceptível de activar o

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comportamento dirigido à satisfação do instinto. O próprio Watson, no âmbito do seu trabalho na JW Thompson, terá levado a cabo alguma pesquisa que anos mais tarde viria a ser designada por “investigação motivacional” – ‘associação de palavras’, imagem de marca’, ‘testes de sabor’, copy tests – tendo como objectivo estudar novas formas de modificar o comportamento (Kreshel, 1990). Contudo, é a partir dos trabalhos de Hull26 nos anos 40 que o estudo da motivação começa a adquirir corpo teórico.

Hull estudou diversas variáveis susceptíveis de influenciar o comportamento, tais como os impulsos (drives), os incentivos ou a força do hábito. Em linha com a

perspectiva geral do neo-comportamentalismo, o reforço é primordial na aprendizagem; porém, em contraste com outras abordagens, na teoria de Hull o reforço, e a sua

magnitude, têm um papel especialmente relevante na redução dos impulsos (drive reduction) ou satisfação de necessidades. Hull virá propor um elaborado modelo sequencial segundo o qual a força da motivação que impulsiona o organismo para uma acção concreta, em resultado de uma sensação de necessidade, é função multiplicativa da força do impulso relevante, força do hábito, e importância do incentivo (decorrente da magnitude do reforço) (Drive x Hábito x Incentivo) (Burgoon et al., 1981). Este modelo foi posteriormente ampliado para incluir drives secundários, factores explicativos da inibição de resposta e a intensidade do estímulo. Esta versão, designada por modelo de Hull-Spence27, com aplicação ao terreno específico do consumidor e da publicidade, a par da importância do incentivo (entendida como valor acrescentado), sugere a intensidade do estímulo como factor igualmente susceptível de influenciar a força da motivação (Burgoon et al., 1981). Neste contexto, o hábito constitui um comportamento ou seja, uma maneira de responder a uma situação estimulante, que se situa entre o impulso e o incentivo, tratando-se de um comportamento instrumental, já que serve de instrumento ou meio para satisfazer uma necessidade e alcançar um incentivo.

Tendencialmente constituem hábitos os comportamentos eficazes, ou seja, os comportamentos seguidos de reforço susceptível de fortalecer a ligação S-R. Os m necessidade-impulso-incentivo obtiveram grande sucesso em psicologia da public

,

odelos idade,

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Na realidade é a partir dos trabalhos de Tolman (1886-1959) na década de 30. Tolman, no entanto, foi precursor de uma corrente neo-comportamentalista de tipo cognitivista que só veio a eclodir no estádio 3, pelo que nos abstemos de a referir nesta etapa.

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em virtude de permitirem uma ponte entre as ideias dos neo-comportamentalistas e as do freudianos (que irão surgir na etapa seguinte). Neste contexto a eficácia da publicidade pressupõe (i) suscitar uma necessidade, (ii) provocar desejo, (iii) apresentar a marca como incentivo adequado à satisfação da necessidade – resultando desta formulação a ideia de que a publicidade se baseia na ‘criação de necessidades’. Para além dest elementos considerou-se ainda um quarto elemento, contributo da Gestalt, (iv) as barreiras com que o indivíduo se defronta para alca

s

es

nçar o incentivo.

Um outro modelo motivacional surgido nesta etapa é o de Tolman o qual, não obstante a coincidência temporal, recorre a uma abordagem totalmente diferente da de Hull. Com efeito, enquanto o modelo de Hull é mecanicista, o de Tolman é cognitivista, representando na verdade uma das abordagens mais precoces às teorias cognitivas da aprendizagem. Apesar da visão profundamente objectiva, e da ênfase nos estímulos do meio ambiente e na conexão S-R, Tolman incorpora no seu sistema o conceito de cognição que considera como variável interveniente entre estímulo e resposta (S-O-R) (Burgoon et al., 1981). Para Tolman o comportamento dos seres humanos é projectado no futuro em função do conhecimento adquirido no passado, sendo portanto intencional e mediado pela expectativa. Neste contexto a motivação surge pela primeira vez como um comportamento intencional, sendo a força da motivação função multiplicativa da expectativa (por) valor (E x V). Este tipo de modelo, prematuro em relação à época, encontra reduzida aceitação no seu tempo, vindo no entanto a servir de embrião aos modelos atitudinais que irão eclodir anos mais tarde, já na década de 7028.

Em suma, na perspectiva comportamentalista e neo-comportamentalista o comportamento do consumidor é explicado em termos de hábitos de compra e de

consumo e, complementarmente – na perspectiva neo-comportamentalista mecanicista – mediante impulsos. Na perspectiva comportamentalista os hábitos são aprendidos por condicionamento clássico, enquanto na neo-comportamentalista por condicionamento instrumental ou operante. A publicidade constitui um estímulo susceptível de gerar resposta em termos de compra e, com o tempo, um meio susceptível de gerar hábitos de compra e de consumo junto do consumidor. Para ser eficaz a publicidade deve

influenciar os hábitos por via da aprendizagem. Para os neo-comportamentalistas

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mecanicistas as necessidades e os impulsos substituem os instintos macdougallianos enquanto pulsões inatas; porém, os comportamentos que levam à satisfação das necessidades são aprendidos. Os hábitos constituem conexões entre estímulos e respostas tendo em vista a redução de impulsos e a correspondente satisfação de necessidades, mediante “incentivos” adequados – donde as marcas e produtos anunciados cujos “benefícios” se explicitam (Carrera Villar, 2000) no contexto da publicidade ‘persuasiva’. O condicionamento clássico dos primeiros

comportamentalistas (como Watson) preconiza a repetição do estímulo por forma a induzir uma resposta. A esta estratégia, o condicionamento instrumental ou operante contrapõe o reforço da resposta, a fim de aumentar a probabilidade de ocorrência da mesma. Neste contexto a aprendizagem de um comportamento resulta da associação desse comportamento às suas consequências ou, dito de outra forma, a aprendizagem de um comportamento depende das suas consequências. Esta forma de comportamento é da iniciativa do sujeito, o qual com a sua acção procura obter ‘prazer’ ou evitar ‘dor’, sendo a conexão estímulo-resposta fortalecida se for seguida de recompensa (reforço positivo), ou enfraquecida se for seguida de punição (reforço negativo).