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Contracultura, sociedade de consumo e publicidade

DO CONCEITO DE MARCA

6.4 Estádio 2: Marketing (primitivo)

6.5.1 Contracultura, sociedade de consumo e publicidade

Os anos 60 ficaram marcados pelo destacado protagonismo social da juventude, em particular na sociedade de consumo. A publicidade, até então um discurso

maioritariamente dirigido a adultos, começa nesta fase a utilizar os jovens como protagonistas de muitas das suas mensagens – até então os jovens, quando apareciam, adoptavam os modos dos mais velhos, vestindo-se convencionalmente, portando-se correctamente, manifestando-se de forma comedida, imbuídos dos valores próprios de uma sociedade industrial e conservadora. Pela primeira vez os jovens parecem jovens, exibindo as suas próprias atitudes e sistemas de valores: rebeldes, inconformistas e contestatários, criam o seu próprio estilo de consumo, oposto ao estilo adulto (pelo menos à superfície), agrupando-se em sistemas de autodefesa e auto-afirmação num mundo de adultos que consideram estranho à sua forma de pensar. Inevitavelmente reagem contra a publicidade (um discurso capitalista e manipulador), contra o

consumismo (embora desenvolvam outras formas de consumo), contra a segurança e o trabalho tradicional. Procuram modelos na itinerância e ociosidade mais ou menos intelectual ao estilo beat generation, nas formas de vida tradicionais, no regresso à natureza, no trabalho de tipo artesanal, no protesto, no pacifismo e, mormente nos EUA, na integração racial. Rechaçam as instituições religiosas, mas ao mesmo tempo estão imbuídos de um forte misticismo que os leva a peregrinar até à Índia em busca de outro tipo de transcendência mística. Em face desta revolução, políticos e publicitários sentem que a juventude lhes escapa das mãos. Desde os anos 20, a publicidade tinha-se

dedicado a responder à sociedade, mais do que a dar-lhe forma; no entanto, a direcção e a velocidade das grandes mudanças vividas nos anos 60 pareciam ter produzido um desfasamento entre o que se passava nas ruas e o que se passava nos centros do poder

(incluindo a Madison Avenue). Este desfasamento veio a eclodir, como se sabe, já próximo do final da década, de forma pacífica, no Summer of Love (1967) californiano e, de forma violenta, no Maio de 68 francês. Era forçoso que passada a ressaca da revolução contra cultural os seus efeitos se fizessem notar também na actividade

publicitária. Em paralelo com as inquietações que mobilizam os movimentos de luta por um mundo melhor e por uma sociedade mais livre e mais justa, as mensagens

publicitárias vão também mudar, adaptando-se aos novos tempos (Eguizábal, 1998).

Um dos aspectos que vale a pena destacar refere-se à alteração do papel da mulher na publicidade, não estando tanto em causa a chegada da mulher à profissão pois, embora o mundo publicitário fosse essencialmente um bastião masculino contou desde sempre com algumas mulheres entre os seus quadros, mas sobretudo o despertar da consciência de muitas mulheres relativamente à forma como eram tratadas pela publicidade. Sendo o protagonismo feminino na cena publicitária inevitável, já que os anúncios eram maioritariamente dirigidos às mulheres, a contradição com a difusão de estereótipos femininos que tantas vezes feriam a sua sensibilidade resultava do facto de serem produzidos por um mundo de publicitários homens a tentar pensar como o faria uma mulher (Eguizábal, 1998).

Um outro aspecto que vale a pena referir diz respeito ao despertar da consciência do consumidor ou do ‘consumerismo’. A polémica acerca do tabaco, que conflui na década de 60 nas primeiras proibições de publicidade a cigarros, envolvendo somas importantes e muitas carreiras profissionais, vem reforçar enormemente esta posição. O movimento de defesa do consumidor, iniciado nos EUA da era Kennedy, é consequência desta polémica, bem como do aumento do consumo e da qualidade de vida nestes anos, pese embora os processos auto-reguladores venham a ser aperfeiçoados somente nos anos 80, sob a égide de Reagan, entendido o espírito consumerista já de uma forma mais ampla – a de que o mundo dos negócios, em geral, não deve prejudicar a qualidade de vida. Em 1984, após seis anos de intensos debates, chega a vez da União Europeia aprovar normas sobre publicidade enganosa. Estas decisões são particularmente importantes para os países em vias de desenvolvimento que não dispõem de restrições legais (Eguizábal, 1998).

No plano do marketing a passagem para o estádio 3 representa um gigantesco passo em frente, correspondente à evolução do Marketing para o Branding. Em linhas gerais esta evolução pode ser caracterizada em alguns pontos; a saber: (i) inflexão do enfoque do anunciante da venda do produto para a satisfação do cliente; (ii) renúncia de controlo absoluto por parte do anunciante; (iii) reorientação da estratégia do anunciante da

pressão (push) para a persuasão (pull) do consumidor; (iv) incidência da investigação nas emoções do consumidor, as quais passam a orientar a estratégia de branding; (v) aumento significativo das necessidades de investimento em publicidade, design de embalagem e material de apoio em geral (Goodyear, 1999). Neste contexto a marca é já ‘um produto com valor acrescentado’, entendido este como o conjunto de associações às marcas que pertencem ao âmbito da psicologia motivacional e atitudinal do

consumidor. Os consumidores empossam o produto e os seus valores intangíveis com qualidades humanas (brand personality) permitindo às marcas ter um papel activo nas suas vidas. Em consequência a brand personality fica disponível para efeitos de

exploração por parte do anunciante. Tornando mais fácil a compreensão da relação entre marcas e consumidores, a antropomorfização das marcas aproxima anunciantes e

consumidores.

Com o aumento da competitividade, aumenta a consciência do anunciante de que para sobreviver necessita de agradar e apelar ao consumidor com publicidade

‘persuasiva’ (Goodyear 2001, 1999). Na publicidade a ênfase inflecte do produto para a marca e dos ‘atributos’ e ‘benefícios do produto’ para os benefícios do consumidor, sendo a marca apresentada com base no que pode fazer pelos consumidores. (Goodyear, 1991). No entanto, o anunciante divide-se ainda entre dois mundos – produção e clientes – continuando a usar endorsers na publicidade a fim de estabelecer a ponte com o consumidor – num primeiro momento celebridades com ‘autoridade’ para poderem aparecer como intermediários; num segundo momento, pessoas comuns que oferecem o seu testemunho relativamente à forma como a marca as ajuda na sua vida. Este tipo de publicidade, racional nos argumentos e emocional na forma, solicita dos consumidores uma avaliação a dois níveis. Quando esta estratégia não é conseguida, há muitas vezes rejeição da mensagem e da publicidade em geral; no entanto, quando conseguida usa

simultaneamente competências dos lados esquerdo e direito do cérebro a fim de criar mensagens ‘completas’ (Goodyear, 1991).

Neste estádio a publicidade lida já com metáforas do tipo ‘como se fosse’ em vez de factos do tipo ‘como é’ (Goodyear 2001), centrando-se na vida do consumidor (idealizada ou aspiracional) e na forma como a marca se enquadra neste âmbito (Goodyear, 2001, 1999). A publicidade é agora soft sell, a motivação comercial é implícita e subordinada à satisfação do consumidor (Goodyear, 2001). Frequentemente a marca assume o papel do agente mágico que vem resolver o problema emocional. A publicidade começa muitas vezes com uma cena de ‘estilo de vida’, apresentando a marca num setting de consumo/consumidor ideal, evoluindo através de narrativas fictícias (storytelling) para cenários ‘reais’ (Goodyear, 1999). O paradigma subjacente é a ficção e o espectáculo: os anúncios são criados como mini filmes de vinte ou trinta segundos. Trata-se de uma publicidade popular e, desde que assegurado o

entretenimento, uma opção segura nomeadamente para as marcas líder (Goodyear, 1999).

Em suma, para além das técnicas de endorsement que herda da fase anterior, a publicidade neste estádio caracteriza-se por ser metafórica e life-style. A primeira, racional nos argumentos, mas emocional na forma, incide sobre os benefícios,

normalmente funcionais, do consumidor, recorrendo à hipérbole por forma a transmitir confiança ilimitada por parte do consumidor. O seu papel é ‘persuadir’. A segunda, de índole emocional, incide sobre os benefícios funcionais e psicológicos do consumidor, recorrendo às ‘passagens’ de cenas de um mundo ideal/aspiracional para o ‘mundo real’. O seu papel é ‘encorajar a identificação’ (Goodyear, 1999, 1996).