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MARCA ‘PÓS-PÓS-MODERNA’

3.6 Resumo das posições

Novas capacidades cognitivas acarretam formas diferentes de ver as coisas e, na perspectiva de Wilber (2004), até mesmo novas mundividências. Segundo o autor, as mudanças de paradigma decorrem da evolução da própria consciência, pois à medida que se revelam e desenvolvem novas capacidades cognitivas, o homem vê coisas diferentes.

De facto, qualquer das quatro concepções que acabámos de apresentar – realismo crítico, relativismo/construtivismo, realismo científico, realismo sistémico/ecológico – tem raízes no tempo que se situam aquém do relativamente curto período da história em que foram dominantes, parecendo a sua emergência numa determinada época atender a uma lógica evolutiva das consciências. Importante, neste contexto, é perceber que nenhuma destas abordagens está ‘morta’, embora aspectos particulares de cada uma possam estar ultrapassados, ou venham a prazo a ser considerados como inadequados. Em boa verdade, os méritos de qualquer revolução não se esgotam nas suas primeiras manifestações, bastando como exemplo observar os excessos cometidos à data da revolução francesa em nome de valores sociais hoje amplamente reconhecidos, como a liberdade, a igualdade ou a fraternidade. Na revolução científica, como na revolução francesa, os méritos de cada descoberta somente muito mais tarde podem ser avaliados na plenitude das suas forças e das suas fraquezas sendo, como se dizia na introdução a

este capítulo, da acumulação destas fraquezas que decorrem as mudanças de paradigma. As mudanças não anulam contudo as forças de cada posição. Neste resumo

comparativo, como de resto ao longo da apresentação de cada posição, tentamos manter o distanciamento necessário de forma a não surgirmos em face do que sabemos no presente como juízes do passado. As concepções mais antigas, de resto como as mais modernas, são fruto da respectiva época.

O realismo, que irá dominar a maior parte do século XX, caracteriza-se por ser não directo (falibilístico e crítico) e assumir uma abordagem determinística da realidade. As marcas, embora não existentes em sentido concreto, são operacionalizadas e tratadas empiricamente como objectos simples e externos ao indivíduo. A sua investigação assenta em valores objectivos, ou seja, no dualismo sujeito-objecto, não levando em consideração nem o observador nem as variáveis ‘tempo’ ou ‘espaço’ (contexto). Não obstante as questões de natureza metodológica possam trazer algumas dificuldades (amostragem, design de questionários e afins), segundo esta visão é possível gerar conhecimento objectivo e fiável acerca das marcas. Numa primeira fase esta investigação é de natureza fundamentalmente quantitativa e comportamentalista

incidindo sobre os aspectos tangíveis da marca, consistindo o seu objectivo fundamental na identificação de relações de causalidade entre fenómenos com vista a explicar e a prever os acontecimentos. Neste contexto, o estudo da ‘imagem’ de marca é

fundamental, entendida a atitude do consumidor relativamente às marcas como

propensão para agir de determinada maneira. Outros conceitos importantes neste âmbito são o ‘posicionamento’ e a ‘segmentação’. Com o tempo, o programa cognitivista irá impor-se propondo uma investigação de natureza mais interpretativa (e.g. etnográfica) e, mais vulgarmente, qualitativa (discussões de grupo, entrevistas). No primeiro caso está em causa a operacionalidade das estruturas cognitivas com que os indivíduos

representam o mundo exterior (o modelo é ainda fundamentalmente positivista); no segundo, a operacionalidade destas estruturas é orientada para a adaptação ao mundo exterior (modelo construtivista). Em particular as abordagens qualitativas não só fornecem as hipóteses para testes empíricos subsequentes como, em alguns casos, constituem o embrião de generalizações e modelos por direito próprio. A propensão para a reificação de conceitos abstractos (imagem, sistema de valores) susceptível de

criar uma ilusão de objectividade é característica desta fase. Em qualquer caso, a

tendência consiste em generalizar a partir da evidência empírica. As generalizações, por sua vez, são projectadas para as ‘massas’ na forma de publicidade. Muito do

conhecimento produzido no campo do marketing, desde as tentativas de medição da recordação publicitária, a testes de sabor, ou a análises empíricas do comportamento dos consumidores, reflectem este tipo de abordagem.

Em oposição ao realismo crítico, o relativismo/construtivismo e o realismo

científico, embora assumindo a existência de uma realidade ‘lá fora’ que é independente das representações que dela fazemos (realismo clássico), rejeita a correspondência entre o conhecimento e esta realidade, afirmando que a única realidade que efectivamente conhecemos é constituída pelos símbolos usados nos processos de conhecimento, e sendo os significados atribuídos aos fenómenos balizados por limitações culturais, históricas e teóricas. Neste contexto a ‘realidade’ não é única e preexistente. As ‘realidades’ são múltiplas, cada uma das quais relativa a um contexto e referencial específico, e resultando o conhecimento do consenso no seio da comunidade científica a respeito da validade e credibilidade das observações e teorias. Sendo assim, o

relativismo/construtivismo representa fundamentalmente uma ‘crise de

representatividade’, em que antigas certezas na racionalidade, objectividade e progresso são desafiadas, subvertidas e tornadas redundantes. Esta questão é particularmente relevante, porquanto a investigação em marketing é inerentemente ‘representacional’. Na perspectiva relativista/construtivista mais radical, quaisquer tentativas de

investigação das marcas tornam-se redundantes, não só pelo facto de estes

procedimentos criarem mas não desvendarem o significado das coisas, mas também porque a multiplicidade de significados potenciais é geradora de confusão. De facto, a simples noção de que um significado, interpretação ou representação pode ser superior a outro é, em si mesma, uma manifestação do descredibilizado progresso inexorável da modernidade. De facto, para muitos relativistas-construtivistas, qualquer

empreendimento desta natureza está condenado ao fracasso. Porém, não obstante a relutância em jogar o jogo do modernismo, o pós-modernismo oferece algumas técnicas de investigação das marcas, nomeadamente as abordagens desconstrucionistas e em

particular o mapeamento cognitivo, o qual vem substituir o enfoque do modernismo no tempo (progresso histórico) pelo enfoque do pós-modernismo no espaço.

Realista do ponto de vista ontológico, mas epistemologicamente relativista, o realismo científico vem oferecer uma saída para o confronto realismo/relativismo. Segundo os seus defensores, fundamental na perspectiva do realismo científico quando comparado com as posições realista e relativista, é o facto de a primeira ser a única abordagem que preconiza uma distinção entre o desenvolvimento de teorias

representativas das estruturas da realidades e a sua aplicação na explicação e predição de situações. Se antes nos referimos a uma ‘crise de representatividade’, podemos agora falar de uma crise de ‘causalidade’. Na perspectiva realista (crítica), as relações de causalidade entre fenómenos são generalizadas com vista a explicar e prever acontecimentos. Na perspectiva relativista, antecedente e consequente não são separáveis, redundando na impossibilidade de explicação e menos ainda de previsão. Porém, na perspectiva do realismo científico as causas (mecanismos generativos) encontram-se nas estruturas da realidade, sendo a explicação de fenómenos já ocorridos susceptível de explicação, mas a previsão de acontecimentos futuros só possível em condições de total ‘isolamento’, ou seja, desde que garantida a não interferência de mecanismos estranhos ao fenómeno em estudo. Neste sentido, o realismo científico estimula a produção de teorias e modelos das estruturas da realidade, bem como a criação de cenários de ‘isolamento’, como estratégia de conhecimento da realidade.

À semelhança do realismo científico, o realismo sistémico/ecológico defende uma abordagem naturalista e não reducionista15. Porém, enquanto no realismo científico a realidade é estratificada, no realismo sistémico/ecológico, a realidade é emergente16. Enquanto o realismo científico promulga a existência de estratos ‘separados’, o realismo sistémico/ecológico preconiza a existência de propriedades emergentes e supervenientes que se fundam num substrato material – as características dos produtos, no caso das

15

Os novos realismos são na generalidade naturalistas, ou seja, sustentam que todas as coisas podem ser estudadas com base nos princípios das ciências naturais, visto defenderem um realismo Aristotélico (não há universais não exemplificáveis) contra um realismo Platónico (há universais não

exemplificáveis).

16

Na realidade, segundo Kaidesoja (2007), contrariamente a antecessores como P.F. Secord, Bhaskar refere-se ao conceito de emergência de forma ambígua e pouco precisa.

marcas. Em certo sentido pode dizer-se que o realismo sistémico/ecológico

operacionaliza conceitos já definidos no âmbito do realismo científico, que lutava ainda com os problemas decorrentes da separação entre estratos, em particular entre o físico e o mental, sendo óbvia a similaridade entre as noções de mecanismo generativo e

affordance. O realismo sistémico/ecológico é uma teoria ontológica que parte da crença na existência de um mundo constituído por objectos materiais susceptíveis de serem directamente apreendidos pelos sentidos (no que difere do realismo crítico). Na perspectiva do realismo sistémico/ecológico a epistemologia funda-se na ontologia, aproximando-se, neste particular, do realismo científico. Nesta perspectiva, estes (novos) realismos representam uma inflexão relativamente ao pós-modernismo, mas também ao modernismo, porquanto ambos defendem a primazia da epistemologia sobre a ontologia, em linha com o pensamento de Descartes que fazia depender a existência da realidade dos actos do pensamento.

Neste momento estamos em condições de regressar à nossa história das marcas, para apresentar as cinco derradeiras definições do conceito (pós-modernas): a marca com personalidade, a marca como relação, a marca como identidade, a marca como organização e a marca como entidade em evolução.

Segunda fase evolutiva