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DO CONCEITO DE MARCA

6.4 Estádio 2: Marketing (primitivo)

6.4.1 A expansão da publicidade

Na sua essência a maior parte da publicidade do estádio 2 baseia-se numa ideia original de John E. Kennedy6: “A publicidade é a arte de vender no papel.”7. A publicidade é agora concebida como um instrumento de vendas e não como um mero instrumento de informação comercial (Eguizábal, 1998). Kennedy sustentava que a publicidade só era eficaz se conduzisse os consumidores à compra, preconizando uma forma de construção das mensagens publicitárias – a que chamou “reason-why” – segunda a qual a ‘razão por que’ o produto anunciado constituía a melhor opção para o

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Capítulo 2, secção 2.3.

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John E. Kennedy (1864-1928), um antigo elemento da polícia montada canadiana, é contratado em 1904 por Albert Lasker (1880-1952) como copy-writer da agência Lord & Thomas (Woodhead, 2006). Albert Lasker, por seu lado, é frequentemente considerado o fundador da publicidade moderna em resultado do fantástico impulso que deu à actividade publicitária a qual, de mero negócio de mediação, irá evoluir para se tornar numa poderosa indústria de ‘produção de consumidores’ (Eguizábal, 1998).

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“Advertising is Salesmanship-in-Print”, no original. A referência a publicidade impressa fica a dever- se ao facto de a imprensa e o ‘exterior’ serem à data os únicos meios publicitários disponíveis. A rádio e a televisão só chegariam anos mais tarde.

consumidor – melhor do que usar o orçamento em produtos concorrentes e/ou melhor do que usá-lo de outra forma – devia ser explicada no anúncio (Woodhead, 2006). O insight de John E. Kennedy recorre a uma fórmula que pode ser descrita como ‘lógica + persuasão + convicção’, combinadas numa ideia simples, pensada em função do

indivíduo médio. O carácter básico deste tipo de publicidade é mais informativo do que imagético, mais racional do que emotivo, mais baseado nas necessidades do que no desejo, dependendo da lógica e falando ao intelecto das audiências. A relação implícita entre pessoas e produtos é a de ‘utilidade’ (Collins e Skover, 1993). Vista à luz da época, esta opção é perfeitamente compreensível. Tendo em conta a relevância que o marketing directo tinha nos EUA8, a ideia de comparar a publicidade às vendas fazia todo o sentido – e ainda faz. Por outro lado, tendo em conta o modelo de administração científica em voga à época, a possibilidade de importar a eficiência Taylorista para a publicidade era com toda a certeza uma ideia a que anunciantes e agências facilmente se apegavam.

Em linha com o pensamento de Kennedy, Claude C. Hopkins9, outro talento da época, irá dar continuidade à “arte de vender no papel”. De facto, Hopkins não só perfilha a visão de Kennedy como irá torná-la mais clara, sustentando que para ser eficaz, a publicidade deve chamar a atenção do grupo a quem o produto interessa (os clientes potenciais) oferecendo-lhes tanta informação quanto a necessária para fechar a venda” (Hopkins, 1923, 1927; 1998, p. 220). Hopkins via a publicidade como uma actividade circunspecta, cujo objectivo consistia em vender bens e serviços, não em entreter o público, manifestando-se de forma crítica em relação aos publicitários que em vez de vendas procuravam aplausos. Defensor de uma publicidade científica10, Hopkins distinguiu-se pelo afã em medir tudo o que fazia, considerando que ‘difundir os

anúncios e ficar à espera para ver o que acontecia’ era uma atitude fútil (Woodhead,

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A reputação da Lord & Thomas foi precisamente construída com base em campanhas de marketing directo.

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Claude C. Hopkins (1866-1932), considerado por alguns como um dos copy-writers mais dotados de todos os tempos, veio em 1908 a ocupar o lugar deixado vago por John E. Kennedy na Lord & Thomas, quando em 1907 este abandona a agência. Com C.C. Hopkins ‘a bordo’ a Lord & Thomas rapidamente se tornaria na maior agência de publicidade do mundo (Woodhead, 2006).

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Corrente iniciada pelo psicólogo Walter Dill Scott (1869-1955), um dos pioneiros da psicologia aplicada, e o primeiro a aplicar a psicologia à publicidade.

2006). Em 1923 publica pela primeira vez Scientific Advertising11 o qual, apesar da limitada relevância científica, é fruto de um trabalho que havia granjeado já um razoável nível de rigor. Continuando a ser reeditado com êxito até nos nossos dias, em diferentes idiomas, o livro é hoje considerado um clássico do género (Eguizábal, 1998). Ogilvy12, segundo Woodhead (2006, s.p.) ‘o último dos grandes publicitários’, assume a

influência de Hopkins, prestando-lhe o seguinte tributo: “Ninguém deve ser autorizado a ter alguma coisa a ver com publicidade até ter lido Scientific Advertising sete vezes. Mudou a minha vida por completo.” Hopkins é creditado pelo sucesso da publicidade a marcas activas até aos dias de hoje13, com base numa abordagem que consiste em prometer o básico, aquilo que todos os produtos de uma categoria fazem mas a que nenhum faz alusão (mais tarde designada por reivindicação preemptiva).

A este nível o desenvolvimento do discurso publicitário é ainda relativamente reduzido. O foco da publicidade é o próprio produto, o seu fabrico, o seu desempenho, os seus usos, o seu preço ou a sua vantagem competitiva. De uma forma geral a ênfase é nos atributos funcionais do produto, assumindo frequentemente o anunciante o papel de produtor, de ‘especialista’ ou de vendedor que vem informar o consumidor da presença da marca e se esforça por convencê-lo da superioridade das suas qualidades (Goodyear 2001, 1999). Sendo o objectivo final da publicidade um só – vender – o seu objectivo intermediário é duplo – familiarizar as audiências com as marcas e lançar novos produtos, mostrando aos consumidores para o que servem e como funcionam. Neste contexto os anunciantes servem-se da publicidade para explicar aos potenciais clientes como usar máquinas fotográficas, rádios ou até mesmo automóveis, ao mesmo tempo que contribuem para a racionalização das suas compras (Collins e Skover, 1993). Em suma, num primeiro momento deste estádio a publicidade pode caracterizar-se como straight sell, racional, assente em atributos-produto, com ênfase nos pack shots e na representação de ‘especialistas’, sendo o seu objectivo imediato ‘informar’ (Goodyear, 1999, 1996).

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Hopkins escreveu somente dois livros, ambos considerados clássicos: para além do celebrizado

Scientific Advertising, em 1923, a sua autobiografia, My Life in Advertising, em 1927.

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David Ogilvy (1911-1999), fundador da agência Ogilvy & Mather.

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No período que sucede à primeira guerra mundial, o desenvolvimento da produção cresce exponencialmente, crescendo também a consciência do fabricante relativamente à liberdade de escolha do consumidor. Ainda que mantendo a ênfase nos atributos produto, o anunciante aproxima-se do consumidor, avaliando com este as opções e esforçando-se por demonstrar a superioridade do seu produto em face da concorrência. Esta abordagem, desenvolvida em torno do nome da marca com o objectivo de associar ao nome um ou mais aspectos superiores do produto, corresponde à publicidade em que os produtos lavam mais branco, cheiram melhor ou andam mais depressa (Goodyear, 1991). Entretanto, o desequilíbrio provocado pelo contraste entre o elevado

desenvolvimento da produção e o baixo desenvolvimento dos mercados, em paises como os EUA ou a Inglaterra, irá criar as condições para a ocorrência de uma verdadeira ‘revolução comercial’, no âmbito da qual o papel da investigação, em particular das abordagens comportamentalistas, vai ser especialmente relevante no suporte ao desenvolvimento de técnicas mais agressivas ao nível das vendas, das promoções e da publicidade. Mercê destas novas técnicas, a competitividade dos

mercados aumenta, aumentando também a pressão sobre os resultados da publicidade e, em consonância, sobre a própria publicidade, a qual de straight sell se converte em hard sell. Assim, num segundo momento deste estádio a publicidade pode caracterizar-se como hard sell, racional e enfática, comparativa dos atributos produto, sendo o seu objectivo imediato ‘convencer’ (Goodyear, 1999, 1996).

A publicidade hard sell, aceite pelo consumidor quando a marca é nova, é normalmente rejeitada quando a marca é familiar, circunstância em que o anúncio racional e informativo é visto como intrusivo (a menos que seja portador de novidade acerca da marca). Esta circunstância irá levar a que o endorsement por testemunhos célebres (e a prazo por consumidores comuns) seja usado amiúde, com o objectivo de trazer alguma humanidade e appeal a uma publicidade ainda sobretudo factual

(Goodyear 2001, 1999). Este tipo de abordagem, embora ainda racional nos argumentos, pode já ser caracterizada como persuasiva na forma, em virtude do recurso ao endorsement, assente nos benefícios funcionais do produto, sendo o seu objectivo imediato ‘persuadir’ (Goodyear, 1999, 1996).

Em meados dos anos 3014, a publicidade era já uma actividade apoiada na investigação e no planeamento. Os anos que se seguem, como acontece normalmente com qualquer actividade nova, irão ser de grande experimentação, invenção e

descoberta para a publicidade, ajudada neste processo pela expansão das agências de publicidade. Em contraste com este período, a segunda metade dos anos 40, e a primeira dos 50, são anos difíceis. Os EUA, não encontrando obstáculos ao desenvolvimento de uma economia de consumo, irão avançar mais rapidamente. A Europa, porém, ainda vai ter de se ocupar com a reconstrução de uma economia devastada pela guerra, o que pressupõe desde logo problemas de racionamento. Porém, a prazo, o panorama irá mudar (Eguizábal, 1998). A segunda metade dos anos 50 encontra os dois lados do Atlântico com um crescimento económico sem igual, técnicas de marketing em vias de desenvolvimento, um novo medium (a televisão) e o consequente aumento das tabelas de publicidade, factores que no conjunto irão tornar esta época numa era de ouro para a publicidade. É neste contexto que em 1961 Rosser Reeves15, mais um publicitário de renome, assumidamente influenciado por Hopkins, avança com a sua versão da “arte de vender no papel”: ‘A publicidade é a arte de comunicar uma USP (Unique Selling Proposition) ao máximo número de pessoas pelo mínimo preço.’ Fundamentalmente a abordagem USP consiste em comunicar, em linguagem simples, uma característica do produto ou serviço que o torne único em face da concorrência. Na realidade o insight de Reeves não passa de uma derivação do modelo de ‘publicidade como venda’ com uma nova ênfase: da ‘arte de vender o objecto-produto’ o modelo evolui para a ‘arte de vender o objecto-proposição’. Por um lado, a recordação da publicidade era facilitada, uma vez que o consumidor só precisava de memorizar um argumento – a proposição. Por outro, a presença da proposição na mente do consumidor influenciaria, segundo a metáfora de Reeves, o comportamento. Muitos publicitários, em linha com a cultura organizacional da época, irão aderir a esta fórmula que reduz o poder da publicidade a uma simples proposição verbal, e que converte a própria publicidade numa actividade racional, replicável e controlável.

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O estádio 2 e seguintes decorrem na sua maior parte no século XX pelo que nos abstemos de mencionar o século a não ser quando nos referirmos a datas anteriores ou posterior aos anos ‘novecentos’.

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Especialmente relevante neste estádio é a atenção que a publicidade começa a suscitar no mundo académico, em particular no campo da psicologia, confirmada nos primeiros anos do século XX pelo nascimento de uma psicologia da publicidade. Inicialmente integrada na psicologia empresarial e industrial, nos seus primórdios esta nova disciplina irá apelar aos ensinamentos da psicologia de vendas, razão pela qual até meados do século as duas se confundem frequentemente (Carrera Villar, 2000). Uma das primeiras contribuições ‘científicas’ a chegar ao mundo da publicidade é de Walter Dill Scott – que chegou a ser presidente da Northwestern University – autor de The Psychology of Advertising16, prontamente secundada pelos contributos de outros académicos e do próprio sector profissional, animado pela constituição das agências como centro impulsionador da actividade publicitária, pela criação de institutos externos de investigação, e pela crescente qualificação das publicações do sector (Eguizábal, 1998). Porém, como se verá, se é verdade que o mundo académico começa a dar atenção à publicidade, não é menos verdade que o mundo publicitário também

‘descobre’ a academia. Com efeito, a procura de maior eficácia e segurança no trabalho, por parte dos publicitários, e o desejo de maior controlo relativamente à forma como o dinheiro é investido, por parte dos anunciantes, irá fazer chegar a psicologia – e os psicólogos – ao universo da publicidade, ainda nos anos 20 (Eguizábal, 1998), com o objectivo concreto de melhorar a eficácia dos anúncios por meios instrumentais17 (Carrera Villar, 2000).