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Descolonização 2.0: Ferramentas

3. A Estética do Opaco

Embora tenha sido alvo de críticos de arte e historiadores desde suas primeiras aparições5, a

pintura de Pedro Américo, popularmente conhecida como “O Grito do Ipiranga”, é considerada um ícone indiscutível da história visual brasileira. A enorme tela retrata o que é considerado o momento fundador da independência do Brasil: o momento em que Dom Pedro I, passando perto das margens do Rio Ipiranga, supostamente declarou a independência brasileira de Portugal, gritando “Independência ou Morte”.

Sem ignorar todas as sofisticadas leituras iconográficas que esta pintura merece, para os fins da presente análise, o trabalho de Pedro Américo será interpretado como tendo magistralmente traduzido, através de imagens, a história oficial, nacionalista e teleológica mencionada anteriormente. Ao mesmo tempo, a tela promove o silenciamento afro-brasileiros e as nações indígenas de sua narrativa visual. Porém, com o apoio de lentes auxiliares de um software de computação gráfica, é possível problematizar a idéia principal manifesta nesta tela heroica. Qual seja, a de que a partir do ano 1822, todo o território assumido como anteriormente pertencente à “América Portuguesa” (e não também pertencente a milhares de quilombolas e indígenas Américas) seria agora declarada unilateralmente como parte do estado nacional brasileiro:

5 Pedro Americo has been accused of romanticing/misrepresenting this historical event basically by; 1- plagiarizing Ernest Meissonier’s “1807, Friedland; 2- changing Dom Pedros travel clothing for a impeccable military uniform 3- changing the course of the Ipiranga river 4- changing the mule that effectively carried Dom Pedro through the mountainous region for a ‘napoleonic’ horse; 5- the anachronistic representation of the “Dragons of Independence” around the Emperor, a military force which would only be created after the independence.

Descolonização 2.0: Ferramentas digitais e desafios para discursos históricos latino americanos || Genaro Oliveira

Imagem 2.

O ponto principal é salientar como espectadores, desde primeiras exposições deste pintura até reprodução em escala industrial de livros e outros meios de comunicação, são apresentados com um discurso historiográfico que ofusca o reconhecimento da plurinationacionalidades e a representação de simultaneidades.

Computação gráfica e ferramentas de web design, nesse sentido, pode servir como poderosos aliados para historiadores descoloniais que querem problematizar como narrativas teleológicas oficiais tornaram opaca a representação de nações indígenas e afro-descendentes. Isso é particularmente válido para pinturas icônicas do século XIX , como a de Pedro Américo, que ainda são maciçamente reproduzidas e visualizadas até os dias atuais. A fim de enfatizar isso, as pinturas do século XIX neste artigo serão definidas não só como imagens executadas ( e finalizadas) com tinta, mas também como telas inacabadas diante das quais a computação gráfica e Web design pode adicionar outros elementos de significado, de forma contínua e potencialmente infinita. Se os tradicionais métodos e teorias da história da arte fornecem alguns do procedimentos essenciais para interpretar a evidência visual, a computação gráfica e o Web design, por outro lado , oferecem as ferramentas para investigar o que pode ser convenientemente chamada a estética do opaco: a vasta gama de imagens dedicadas à presença de populações indígenas e africanas histórica que nunca foram pintadas:

Imagem 3. Estética do opaco

220 nações indígenas dentro dos perímetros do Estado nacional brasileiro. Contra uma crença de longa data de que populações indígenas, inevitavelmente, seriam extintas e/ou assimiladas dentro da grande amálgama nacional mestiça-cabocla, a maioria das nações indígenas contemporâneos não só conseguiu fortalecer suas identidades locais e pan-indígenas, mas também a crescer a um grande ritmo mais rápido do que outras populações dentro território brasileiro. Além disso, outro dado interessante é que algumas nações indígenas que haviam sido declaradas extintas por historiadores e antropólogos têm gradualmente “reaparecido”, enquanto novas continuam a surgir através de processos intrincados de “etnogênese”.

O uso do termo “nações” aqui é intencional. Apesar de incitar ressentimentos de muitos brasileiros que preferem o termo “etnia”, “tribos” ou “grupos”, a maioria das nações indígenas e apoiadores no Brasil têm insistido em usar o termo “nações indígenas” como instrumento político. A principal razão para isto é que, em uma sociedade como a brasileira, que tende a ver-se como verdadeiramente “unificada” e “homogênea”, os termos opcionais de “etnia” ou “tribos” têm-se revelado politicamente “fracos” (Ramos, 1994).

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Este uso político do termo “nações” também pode ser estendido para complementar e concluir a presente análise historiográfica. De fato, se é necessário relembrar como a nação brasileira foi unilateralmente criada em torno do ano de 1822 e, de forma gradual, foi “cumpulsoriamente” estendida a todos os indivíduos presos nos perímetros do estado nacional, é igualmente verdade que, dentro da agenda de pesquisa e conduta ética dos atuais pesquisadores, se exija a representação de uma imagem mais heterogênea das “nações” que coexistiram em torno do período de independência.

Como contribuição a este tema, as imagens que se seguem são as primeiras fases de uma sequência de historio(midio)grafias para reinterpretar a história do Brasil do século XIX, através da utilização conjunta de linguagens escritas, visuais e sonoras.6 Os indivíduos representados são descendentes

contemporâneas de algumas das nações indígenas que foram previstas serem absolutamente assimiladas ou tornarem-se, necessariamente, extintas com as passagens de tempo nacional. Os novos rostos que aparecem sobre e rasuram a velha tela tentam reafirmar a necessidade de se buscar narrativas históricas heterogêneas, polifônicas e plurinacionais:

Diferente da pintura original de Pedro Américo, no qual uma perspectiva pictórica conduz à

6 Todas essas imagens, juntamente com outras tentativas de re-narrar capítulos da história visual brasileira, com a ajuda de ferramentas de multimídia, estão atualmente hospedados em www.genaro.me, um site concebido como um capítulo digital de minha tese de doutorado e projeto de pós-doc em andamento.

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figura dominante de Pedro I, e em que a perspectiva histórica parece uma mera rota linear para a unicidade do Estado e da Nação, a pintura recriada sugere vários caminhos de resistência, força e adaptação7.

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Nos olhares calmos e desafiadores de populações cuja indigeneidade já foi considerada um sinal de fraqueza e de aniquilação natural, pode-se, talvez, ler um lembrete irônico: nações que pré- dataram o surgimento dos estados nacionais, nações que coexistiram durante e após o surgimento do estados nacionais, são nações que poderão, possivelmente, muito em breve, estar narrando a brevidade histórica dos estados nacionais.

7 Como foi dito, estas imagens rascunhadas fazem parte de um experimento em andamento para utilizar multimídia para narrar a história do Brasil de uma perspectiva decolonial. Por certo, da forma como estas estão reproduzidas neste artigo, pode-se inevitavelmente apontar uma possível falta de agência e historicidade na representação desses grupos indígenas: primeiro , todos eles são fotografados como indivíduos isolados e , em segundo lugar , eles estão olhando para a câmera, imobilizados , numa pose etnográfica. Em terceiro lugar, eles parecem ser os objetos que estão sendo observados dentro de um microscópio, diante do nosso próprio olhar, ao invés de seres humanos envolvidos em alguma prática histórica e significativa. Diante dessas críticas compreensíveis e antecipadas, é importante rebater que as próximas etapas deste projecto historiomediográfico será abordar estas questões, especialmente enfatizando cenas em grupo, em que indígenas estarão representados em atividades históricas, específicas e significativas. Além dos exemplos esboçado acima, a tarefa principal deste projecto baseado em computação gráfica e na Web, reformulando discursos de história tradicionais exemplarmente representadas na pintura de Américo , é contribuir para o esforço geral daqueles defendendo a necessidade de estética descoloniais e policêntricas (Shohat ; Stam , 2000) . Não há necessidade de descrever todos os recursos do projeto da Web . Uma vez que se destina a ser uma narrativa auto- explicativa e auto-suficiente da história do Brasil - inteligível também para aqueles que nunca lerão esse artigo. Limito-me portanto a indicar o seu endereço on-line : www.genaro.me

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(UEFS) – procuramos realizar um trabalho com a proposta de apresentar o objeto ex-votivo enquanto patrimônio imaterial e fonte primordial de memória, objetivando com o estudo desenvolvido, debater o papel dos agentes folkcomunicacionais na perpetuação de uma tradição em torno do santuário do Bomfim, em Salvador, Bahia.

Palavras-chave: Memória Social; Folkcomunicação; Ex-

votos; Tradição; Santuário.

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