• Nenhum resultado encontrado

Lembramos que a ideia de que a transnacionalização religiosa considera as adaptações das práticas importadas num contexto bem determinado, seus modos de se “tornarem locais“ e a incorporação de

novos sistemas de crença (Appadurai, 2004).

O caboclo Pena Dourada comemora em Portugal o dia 13 de maio (libertação dos escravos no calendário oficial brasileiro, dia de gira das almas e dos pretos velhos, considerados os espíritos dos escravos)

seguindo em geral as festas em que pais e filhos de santo participavam nos seus ilês ou nos

de sua família de santo.

O mesmo caboclo chamou atenção de seu cavalo para que nessas giras fizessem feijoada como prato principal.

Não apenas esse caboclo nesse terreiro, mas muitos

fazem como prato principal a feijoada (chamada de feijoada da vovó ou do espirito do vovô), prato considerado representativo do que é a nação brasileira como sendo constituida por uma nação de negros escravos. E muitos aconselhados pelos seus espíritos, tambem fazem bacalhau, pois conforme relata um pai de santo entrevistado (aconselhado pelo espirito do Caboclo Pena Dourada), “tendo os espiritos (eguns) migrados para outro continente temos também que homenagear os espiritos dos outros”9.

Os outros também são almas que circularam neste Atlantico Negro e suas comidas homenageiam essa história que contada pelo caboclo lhe reinvindica sua ancestralidade, pois os putamagaleses chegaram depois e agora o mesmo caboclo volta a Portugal, terra do avó de seu cavalo (aquele que lhe incorpora e que de algum modo também lhe transporta entre o Novo e o Velho Mundo).

Muitos portugueses que se iniciaram na religião evocam elementos reais ou imaginários, constituídos de uma origem afro descendente, que os permitem explicar uma predisposição quase natural às práticas de religiões consideradas não mais afro brasileiras, mas africanas. Conforme Halloy (2001-2002), temos a justificativa de um pai de santo belga que legitima sua escolha religiosa relacionando ao fato de que o Congo era belga, logo africano.

Por um lado acionam o Brasil como lugar do candomblé primeiro, que lhes confere uma legitimidade, especialmente diante de outros axés ou de brasileiros que conhecem suas famílias de santo. Muitos evocam o Brasil como um lugar “natural do sincretismo e da mistura de povos” e o compara as suas próprias origens étnicas, reconfigurando sua história com o candomblê.

O sincretismo tanto explica essa relação evocando o Brasil como lugar primevo da religião, quanto pode ser desconstruído no jogo acusatório em que os brasileiros por misturarem demais levariam o candomblé a perder a originalidade africana, sendo possível então aos portugueses refazer essa história.

9 Não sei em que medida isso pode ser considerado somente uma releitura étnica, mas temos também esta caracteristica no terreiro estudado na Alemanha (Bahia; 2012 e 2013). Nesse caso, em especial, há uma clara discussão racial e politica que relaciona o negro ao favelado, o que se aproxima mais da leitura politizada da sociedade alemã sobre a sociedade brasileira e do teor racial dos brasileiros envolvidos com o candomblé que reinterpretam essa mesma realidade.

A Descoberta de Portugal. Viagem de uma antropóloga a um país à rasca || Joana Bahia

Referências Bibliográficas:

Appadurai, A. (2004). Dimensões culturais da globalização. A modernidade sem peias. Lisboa: Editora Teorema.

Bahia, J. (2012). De Miguel Couto a Berlim: a presença do candomblé brasileiro em terras alemãs. Migração e globalização: um olhar interdisciplinar: Curitiba, Editora CRV, pp.223-244.

Bahia, J. (2013). As religiões afro brasileiras em terras alemãs e suíças. [Url: http://www.ics. ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp2013/wp2013_2.pdf].

Bhabha, H. (2001). O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG.

Birman, P. (2005), Transes e transas: sexo e gênero nos cultos afro brasileiros, um sobrevoo. Estudos Feministas : Florianópolis.

Boyer, V. (1993). Femmes et cultes de possession au Brésil: Les compagnons invisibles. Paris: L´Harmattan.

Capone, S. (2009). A busca da Africa no Candomblé: tradição e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria / Pallas.

Hall, S. (2003). Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG. Hayes, K. (2011). Holy Harlots. Feminity, sexuality and black magic in Brazil. Berkeley, Los Angeles, London : Univesity of California Press.

Halloy, A. (2001-2002). Un candomble en Belgique. Traces ethnographiques d´une tentative d´installation et ses difficultés, Psychopathie africaine: Dakar, pp.93-125.

Gilroy, P. (2001). O atlantico negro. Rio de Janeiro, Editora 34/UCAM. Machado, I. (2006). Imigração em Portugal. São Paulo: Estudos Avançados.

Pordeus Jr, I. (2009). Portugal em Transe. Transnacionalização das religiões afrobrasileiras: conversão e performances, Portugal, Coleção Antropologia Breve. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Prakash, G. (1995). After colonialism: imperial histories and postcolonial displaciments. Princeton University Press.

Santos, J. (1995). O dono da terra. O caboclo nos candomblés da Bahia. Salvador: Sarah Letras. Wafer, J. (1991) The taste of blood: Spirit possession in Brazilian Candomblé. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.

contextos multiculturais. É cada vez mais urgente reivindicar direitos sociais como educação e saúde para grupos em condições de vulnerabilidade social como o de mulheres migrantes. Qualquer opressão social pode aumentar as chances da incidência de doenças e do não atendimento aos direitos básicos de educação e saúde. Estas opressões também podem ser fatores que contribuem para que algumas mulheres desejem ou busquem o movimento de migrar dentro ou para fora do país. Para lidar com os desafios de conviver em sociedades plurais e desiguais o trabalho nas instituições educacionais e de saúde tem muitas vezes se valido ou necessitado de um mediador cultural. A conquista de qualquer direito, como o da educação e da saúde, está aliada a um processo mais amplo de fortalecimento das mulheres. Embora a conquista dos direitos possa vir a ser incerta, a luta coletiva por eles já é um grande conquista.

Palavras-chave: Mediador cultural; Mulheres; Direitos 1. Condições sociais e mobilidade de mulheres

O presente trabalho faz considerações sobre a busca e a conquista da educação e saúde pelas mulheres migrantes em contextos multiculturais onde é cada vez mais premente reivindicar direitos sociais como educação e saúde para grupos em condições de vulnerabilidade social como o de mulheres migrantes. O direito a educação e a saúde nem sempre pode ser reivindicado pela população migrante seja pela falta de documentação seja pela falta de conhecimento dos trâmites burocráticos no novo local ou sociedade.

A mobilidade populacional se articula com as mudanças na cultura, economia, política e sociedade como um todo. Embora possa se afirmar que a migração sempre foi um processo complexo e dinâmico, cada vez mais se estuda o seu caráter transnacional na medida em que muitas populações migrantes retornam tanto ocasionalmente quanto definitivamente aos seus países de origem

(

Schiller, Basch & Blanc-Szanton, 1992). Dentre as várias transformações sociais estão as relações de gênero. A migração feminina se relaciona com as novas possibilidades criadas pelas mulheres tanto no país de origem como no hospedeiro. Os deslocamentos das mulheres no interior de países ou do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo passaram a ser mais visíveis. Zlotnik (2003) argumenta que as mulheres vêm migrando como papéis mais protagonistas do que no passado sendo mais independentes das suas famílias e muitas vezes se tornando chefes de família.

Migrantes

Documentos relacionados