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Adriana Brambilla & Maria Manuel Baptista

2. O viajante e o turista

Para uma melhor compreensão da influência do turismo na vida das pessoas, consideramos interessante discutir o assunto com base nas fases do turismo, que, de forma geral, dividem-se em pré-turismo, relacionado com a sociedade tradicional, turismo industrial, relacionado ao turismo de massa refletindo a Modernidade, e pós-turismo, análogo à Pós-Modernidade.

O pré-turismo refere-se à fase em que o ser humano viajava motivado por aprendizado, por isso as viagens eram vistas como um processo de aprendizagem muito ativo, um meio de viver a história e completar a educação, sendo este pré-turismo, chamado de grand tour, considerado a origem do turismo cultural, uma vez que, era um meio para aprender mais sobre as culturas de diferentes partes do mundo e de refletir sobre a própria cultura (Richards, 2006).

O turismo, enquanto atividade característica da sociedade industrial surge no século XIX, como uma forma de descanso, e, após a Segunda Guerra Mundial, passa a ser caracterizado como uma atividade de massa. Krippendorf (1989) refere-se ao turismo como uma atividade criada pela sociedade industrial, pois, o grande êxodo das massas é consequência das condições geradas pelo desenvolvimento industrial e analisa que a era industrial, em que se insere o turismo de massa, é submissa à economia, uma vez que esta reina soberana na civilização. O autor faz uma diferenciação entre o ser humano que viajava motivado por aprender, por ter novas experiências, do turista industrial, que considera como aquele que viaja, não por uma necessidade própria, mas por uma imposição da sociedade, mesmo que disfarçada por outras razões.

Esta era industrial é caracterizada por um rígido controle da produção, como forma de maximizar a quantidade de bens produzidos, e pela recompensa pela produtividade, isto é, pela remuneração com base no que se gera. Dias (2006) analisa que os lugares turísticos, na era industrial, encontravam-se, fisicamente, próximos dos núcleos emissores, mas, simbolicamente distantes, pois prevalecia a concepção de turismo como um modo de repor as energias gastas no trabalho. Ainda nesta linha de raciocínio, o autor explica que os locais de férias eram predominantemente distintos dos locais de trabalho, geralmente regiões relacionadas ao turismo de sol e praia. O turista, resultante dessa sociedade, é caracterizado como um indivíduo fatigado, devido à excessiva mecanização do trabalho e à concentração no aumento sucessivo da produção, encontrando no turismo uma “fuga da rotina”. Por isso, pode-se observar que muitas definições de turismo, ao se referirem à atividade, neste período, incluem essa fuga da rotina como uma importante motivação de viagem. Nesta fase, o turista é visto como um indivíduo que encontra nas viagens uma forma de descanso, de mudanças mesmo que temporárias, em sua rotina estressante. Krippendorf (1989) usa o termo indústria do lazer para se referir ao turismo, como um bem de consumo oferecido pela sociedade industrial que se apoderou do tempo livre e, ofereceu às pessoas, formas de lazer. O autor denomina a essa relação de ciclo de reconstituição do ser humano, em que as viagens “recarregavam as baterias” para que as pessoas, ao voltarem das férias, estivessem mais produtivas. Consideramos assim que, nesta fase,

os responsáveis pelas indústrias, e organizações em gerais, vêem a atividade turística como uma alternativa para a manutenção ou aumento da produtividade da mão-de-obra, pois após uma viagem, geralmente as pessoas voltam mais descansadas e preparadas para o trabalho, enquanto os turistas encontram nas viagens uma espécie de libertação da mecanização do seu dia-a-dia.

Krippendorf (1989) vê os turistas como invasores que buscam somente o prazer imediato, sem se preocupar com os impactos causados ao local, sejam eles socioculturais ou ambientais, pois o único intuito destes visitantes é fazer uso das pessoas e dos recursos locais para sua diversão. Esta visão do autor pode ser entendida como uma forma de pós-colonialismo, em que povos, neste caso, viajantes de origens dominantes, enxergam os locais visitados e seus habitantes, como áreas a serem conquistadas para que se usufrua dos seus atrativos. Essa posição pode ser evidenciada pelas expressões que utiliza para se referir aos turistas como bando de invasores, exploradores dos moradores locais, se referindo a uma relação entre visitantes e visitados baseada na humilhação causada pelos turistas que se aproveitam do deslumbramento da população receptora. “O turismo cria duas categorias de seres humanos: os servidores e os servidos, de onde podem resultar sentimentos de inferioridade e superioridade” (Krippendorf, 1989: 107). Ao perceberem esta nova forma de colonização, sugere o autor, há uma reação por parte dos moradores, cujo único interesse passa a ser pelo dinheiro que poderão receber dos turistas: “We speak English… and love $ and Euro” (Krippendorf, 1989: 107).

O turismo industrial é, assim, resultado da pressão da rotina de trabalho a que as pessoas estão subordinadas, funcionando como uma válvula de escape do dia-a-dia (Krippendorf, 1989), como explica Urry (1990), ao considerar o turismo um tempo de oposição ao trabalho, pois o turismo e o trabalho encontram-se em esferas separadas nas sociedades industriais. Esse turismo de massa, baseado no modelo fordista, tinha como base a oferta de poucos atrativos para o maior número de turistas possível, em uma relação típica da economia de escala, que levava ao excesso de carga e a saturação dos locais. Diante dessa saturação, tanto por parte da oferta turística como da demanda, o turismo começa a buscar alternativas em resposta a esse modelo, entrando na fase do pós-turismo em uma analogia à sociedade pós-industrial. Essa sociedade caracterizada por uma era de riscos, de incertezas (Galbraith, 1986), de dúvidas perante às ameaças que surgem frente a essa sociedade, e típicas da sociedade pós-industrial (Drucker, 1995) ou da sociedade do descarte (Tofler,1970), é explanada por Beck (1992) em uma análise sobre a questão do risco na Modernidade Reflexiva, pois considera que os impactos negativos causados pela sociedade industrial agora são conhecidos. Neste sentido, as questões da sustentabilidade do turismo são uma característica da era pós-industrial, isto é, do pós-turismo, como resultado do conhecimento dos impactos causados pelo turismo de massa, característicos da sociedade Moderna. Essa conscientização dos impactos do turismo está relacionada a noção de risco que segundo Beck, “marca uma intensificação geral da insegurança ontológica; um senso geral de ansiedade sobre a ameaça tecnológica que representa para a continuidade da vida” (Abbinnett, 2003: 25) e que afeta diretamente as identidades culturais.

Na era pós-industrial conhecida também como era do conhecimento ou ainda do capital intelectual, o incentivo é ao pensamento, à inovação, e portanto, em oposição ao Fordismo, o grande valor não é a força aplicada pelo trabalhador, mas sim sua capacidade intelectual, onde o conhecimento passa a ser o grande ativo das organizações (Drucker, 1992, 1995, 1999). Essa transição mostra a relação entre o controle, a racionalidade característica da Modernidade e a ausência de controle total, a subjetividade relacionada à Pós-Modernidade. Na primeira, os meios de produção são totalmente controlados pelo produtor, que detém o capital, os equipamentos e o know-how, enquanto no segundo, embora os meios também pertençam ao produtor, este perdeu o poder de controlador único, uma vez, que depende diretamente dos conhecimentos, das informações do contratado, ou seja, depende de sua capacidade intelectual. Essa era pós-industrial, segundo Harvey (1997) caracteriza-se pela compressão

Por que viajamos? || Adriana Brambilla & Maria Manuel Baptista

do tempo-espaço, identificando a Pós-Modernidade a um ritmo de vida mais acelerado, caracterizada pelo indivíduo perdido no tempo e no espaço, pela volatilidade e efemeridade em um processo de descontinuidade que afeta as sociedades, e, portanto, afeta as formas e motivações de viagens.

3. Considerações finais

Redfoot (1984) afirma que, historicamente, havia muitas razões para se viajar, e que podiam abranger desde a conquista de terras até as viagens motivadas por peregrinações religiosas, em que os viajantes eram considerados heróis ao se aventurarem para locais totalmente desconhecidos. O autor considera este viajante, muito diferente do turista de massa, pois enquanto o viajante aventureiro era um produtor de experiências, o turista é apenas um consumidor de atrações já conhecidas, pois como expõe Krippendorf (1989), o turismo faz parte das necessidades criadas pela sociedade, em que as viagens passaram a ser a forma de lazer mais desejada pelos membros da sociedade de consumo. Carlos (in Yázigi, 1996) argumenta que de atividade espontânea, o turismo, passou a ser cooptado pela sociedade de consumo que tudo o que toca transforma em mercadoria, tornando o homem um elemento passivo, perdendo sua espontaneidade, e passando a ser também um produto de consumo. Alguns pesquisadores, a exemplo de Craik (1997), analisam que o turismo pode ser interpretado como uma estratégia pós-colonialista, principalmente quando os destinos turísticos são regiões mais desfavorecidas economicamente, mas também podemos constatar que o próprio poder público aliado ao trade (entendido como o conjunto de empresas que oferecem serviços turísticos), muitas vezes, se aproveitam da própria história do país, enquanto ex-colônia, como forma de divulgação turística, esquecendo-se do planejamento da atividade com o envolvimento comunitário ativo e real.

Mas, outros autores consideram o turismo como uma atividade essencialmente cultural, pois se trata de um processo de interações entre comunidades distintas, que ocupam espaços distintos socialmente construídos, e que, por essa diversidade, tornam-se atraentes para o conhecimento do outro- o turista, aquele que viaja para conhecer novos locais. (Barreto, 2007; Dias, 2005 e Funari & Pinsky, 2001).

Diante do exposto, nosso posicionamento é que na atualidade podemos encontrar pessoas viajando por diversos motivos, incluindo o aprendizado, o encontro com novas culturas e o interesse por adquirir novos conhecimentos, mas também podem se deslocar de suas residências com o objetivo de simplesmente descansarem, de fugirem de suas rotinas. Ainda, o turismo pode ser visto como uma atividade intimamente relacionada ao pós-colonialismo (Hall e Tucker, 2004). Por isso, julgamos interessante a análise de Redfoot, que considera que, enquanto muitos estudiosos consideram o turismo um consumidor de culturas, uma metáfora para a inautenticidade geral da vida moderna, a exemplo de Fussell (1980), que considera o turismo uma forma decadente de viajar quando comparado às viagens de exploração, e de Boorstin (1964) que considera que o viajante, enquanto explorador, costumava viajar para encontrar o inexplorado, e o turista, usa as agências de viagens, para evitar esses encontros, outros autores, tem uma posição oposta como MacCannell (1976) que vê os turistas como peregrinos. Neste sentido, compartilhamos da análise de Redfoot ao considerar que, mesmo com visões opostas, esses estudiosos concordam que o turismo representa uma metáfora para aspectos mais profundos da sociedade atual. E por isso, o autor vê que o turista é condenado por todas atitudes: condenado a inautenticidade se ele permanece satisfeito com a realidade superficial, condenado ao absurdo de “correr atrás dos vestígios de uma realidade que desapareceu” se ele busca uma existência mais autêntica, e prossegue citando Fussell (1980: 49)”... os anti-turismo iludem apenas a si mesmo. Somos todos turistas, agora, e não há como escapar.”

a trazê-lo para posteriores discussões, utilizando para esse fim a pesquisa bibliográfica elaborada a partir de material já publicado (Gil, 2002). De acordo com o autor, um pesquisador deve reconhecer as limitações de seu trabalho e as contribuições dos estudos futuros empreendidos tanto pelo próprio pesquisador como por demais interessados no assunto. É esse nosso objetivo: iniciar uma discussão sobre um assunto tão complexo e abrangente como o turismo e as relações humanas.

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