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ROMPIMENTO DO TRONCO COMUM

suas funções e irá operar sobre dois registros diferentes: um registro adaptativo,

A) DESCOMPENSAÇÃO DA SENESCÊNCIA

8) ROMPIMENTO DO TRONCO COMUM

Uma descompensação do mesmo tipo pode sobrevir Je forma ainda muito mais aguda a qualquer momento da vida do sujeito, por ocasião de um segundo trauma psíquico desorgan izado r (cf. fig. 8).

Trata-se de uma grande crise de angústia, impropriamente chamada de

neurose de angústia, descrita por

J .

A. GENDROT e P.C. RACAMIER (1967) co- mo um estado paroxfstico e transitório, ao mesmo tempo pré-psicótico, pré- neurótico e pré-psicossomático. É, também, um estado regressivo do ego, muito próximo dos esboços de despersonalização descritos por M. BOUVET (1967).

A causa desencadeante externa pode ser de natureza extremamente varia- da: pós-parto, casamento, luto, transtornos sociais, acidentes afetivos ou cor- porais1. Este trauma desperta, por sua vivência fntima, uma antiga frustração narcísica pré-depressiva correspondente ao primeiro trauma desorganizador, dito "precoce",cuidadosamente evitado até então.

Diante de um tal excesso de sobrecarga pulsional, e diante desta situação

que reativa o primeiro trauma, o ordenamento provisório e imperfeito do ego acha-se completamente tanstornado, as defesas muito pouco especfficas em- pregadas até então tornam-se totalmente importantes e a angústia agora es- corre livremente ao registro consciente, ligada a representações ansiogênicas das mais diversas.

Poderfamos considerar-nos em plena "crise da adolescência", uma cari-

1 As operações cirúrgicas "a coração aberto"colocam em evidência grande quantidade de tais descompensa ç ões.

catura da crise da adolesc ência, ao mesmo tempo brutal e intensa, tardia, re::.u· mida, voltada a pôr em questão toda a organização profunda do ego e seus or- denamentos provisórios anteriores.

A partir deste mome nto, não existe mais qualquer ordenamento mediano

possfvel: é preciso encontra r,o mais rápido possível, um sistema defensivo mais eficaz ,senão o suj eit o será levado à morte, quer por suicfdio evidente, quer devi- do a um colapso qualquer, favor ecido por uma fraqueza orgânica localizada em algum órgão. O c aso de Julien (observação n'2 3) correspondente a um fim deste tipo .

Habitualme nte, entretanto, o sujeito dirige- se a uma das três vias psico- patológica s bem conhecidas, desde que não tenha sido ultrapassado o "ponto sem retorno" em relação ao a ntigo ordenamento limftrofe:

A via neur ótica (cf. fig. 8), se o superego se mostrar ainda suficientemente consistente para autorizar uma alianç a com a parte sadia do ego contra as pul- sões intempestivas do id. O nível genital da estruturaç ão edipiana finalmente se realizará, por ocasião de uma possfvel melhor relação e utilizando a energia acessór ia liberada pelo trauma psíquico. A entrada na linhagem neurótica parece produzir-se mais facilmente ao nfvel da histerofobia ou dos mecanismos obses - sivos.

A via psk;tjtica, ao contrário. se as f orças pulsionais varrerem a parte do

ego que até ent ão havia permanecido bem adaptada à realidade, graças as suas defesas anteriores. E ntramos então na linhagem psicótica (cf. fig. 8), mas nunca em um modo de organização esquizo f rênica demasiado arcaica. Parece que co- mumente os elementos depressivos de estatuto "limftrofe" levam o sujeito rumo a uma psicotiza ção e m torno do mesmo núcleo depr essivo no registro melancó- lico, o obj eto anaclftico que havia chegado a faltar é introjetado e os sentimentos de vergonha e desgosto em relação ao ideal de ego anterior podem assim dar-se livre curso, sob a forma das auto - recriminaç ões que caracterizam este modo de organização psicótica.

Contudo, outras formas de evolução psicótica parecem ser igualmente possfveis, tais como formas alucinatór ias cr_ônicas ou forma delirantes paranói- des de evolução tardia, lenta e bastante focalizada (tal como no exemplo clássico n'2 12, citado mais adiante).

A via psicossomé1tica, quando as manifestações mentais acham-se desse-

xualizadas, desinvestidas e autonomizadas em benetrc io de um modo de regres- são ao mesmo tempo somático e psfquico (cf. fig. 8), mal diferenciado quanto

à

excitação e à expressão, tal como foi descrita por A. BECACHE (1972), na linha dos trabalhos da escola francesa de psicossomática (M. FAIN e P. MARTY, M. de M'UZAN, C. DAVID).

Fica evidente que estes não são os modos habituais de entrada em tais en- tidades patológicas, mas a clfnica mostra-nos a realidade e a freqüência não ne- gligenciável desta espécie de evolução.

Convém igualmente observar que tanto o primeiro quanto o segundo trauma podem, por vezes, achar -se substitufdos por uma série de "microtrau- mas" repetidos e próximos, cuja soma de efeitos praticamente corresponde a

um trauma único mais importante.

Eis aqui resumida a observação clfnica de descompensação psicótica de um estado limftrofe:

Obs. n!! 12

Albertina tem 50 anos. Casada, sem filhos, entrou no hospital há um ano devido a um episódio delirante focalizado em um tema único: "Eu quero ser enterrada em X ... junto com papai e mamãe."

Esta paciente conserva um bom estado geral, apesar de uma cardiopa -

tia mitral; mui corretamente vestida, ela se faz muito de "dama em visita" quando se pede que venha ter entrevistas com os médicos no consultório.

Ela fala com voz de menininha, tem gestos graciosos, quase afetados. Comporta-se de maneira muito adaptada no diálogo acerca de seu passa- do ou da situação atual em geral.

Em contrapartida, permanece silenciosa quando se fica em silêncio diante dela, e se nossas perguntas se tornam mais pressionantes quanto aos seus problemas atuais, imediatamente aparece o tema delirante: "Eu quero ser enterrada em X ... junto com papai e mamãe." Nada mais se ob- tém, no máximo um "pois vej a só! ..•", seguido de um silêncio tenaz, ou então ela repete os mesmos dizeres .

Evidentemente encontramos temas sexuais em muitos dellrios de psi-

cóticos, mas tais temas permanecem como núcleos esparsos, não muito organizados e, sobretudo, não muito organizadores do processo delirante. Aqui, pelo contrário, Albertine organiza seu dellrio especificamente em torno de uma imagem de aparência edipiana, em torno de um núcleo de aparência "neurótica": parece buscar, na neo-realidade tranqüilizadora de seu tema delirante, uma satisfação interdita de menina no leito dos pais, reunindo proteção narclsica e prazer erótico de uma só vez, satisfação du- pla, porém ilusória, pela qual aliás imediatamente se pune pela representa- ção de sua própria morte.

Mecanismos tão sutis e elaborados em geral não correspondem à sim-

plicidade e bruta lidade das construções psicóticas. No máximo poderiam ser vistos em alguns comportamentos paranóicos; porém, de acordo com todas as evidências, não nos encontramos aqui em presença deste modo dê organização.

Obviamente não poderi.< tratar-se da passagem de uma estrutura neu-

rótica para uma estrutura psicótica, não apenas porque tal passagem

é

contrária às nossas próprias concepções, mas por ser evidente que o pas- sado de Albertina j amais se desenrolou sob um primado genital de organi- zação.

Com efeito, para começar, se Albertina tivesse conhecido um modo de

estruturação neurótica em algum momento de sua evolução e em segui- da uma descompensação, esta descompensação teria se revestido apenas de um aspecto agudo e episódico (como por vezes se encontra na histeria),

ou então, no caso de uma organização obsessiva, terfamos encontrado defesas de ordem completamente diferentes das apresentadas aqui.

De outra parte, as vivências passadas da paciente estariam muito mais nitidamente marcadas pelo Édipo e pela genitalização.

Ora, Albertine nasceu numa cidade do interior; viveu af até os 13 anos, quando partiu para morar em um pensionato. Trocou várias vezes de es- cola e, por isto, não conseguiu fixar-se em imagens identificatórias está- veis, nem em pontos fixos ideais, como comumente ocorre por ocasião da adolescência.

Ela obtém seu diploma e depois conhece um farmacêutico mais velho do que ela, que a pede em casamento.

Sua mãe opõe-se ao casamento em virtude da diferença de meio social. Albertine se submete, mas cai enferma (pleuris).As hesitações de depen- dência entre o farmacêutico mais velho e a mãe parecem evidentes; não há rivalidade edipiana vivida em relação

à

mãe. A segurança junto

à

mãe pre- valece sobre um eventual encontro do homem.

Esta mãe é descrita como sendo muita ativa, envolvida na polftica local, ouvida na região e muito sectária. Fala-se pouco do pai, pequeno agricul- tor e criador, mais velho, insignificante, porém estável, tendo sobrevivido

à

sua esposa em 10 anos.

Existe um irmão, um ano mais velho, professor de lfnguas vivas, casado com uma "estrangeira", sem filhos, vivendo ao longe, na obscuridade tranqüila de um minúsculo colégio nas montanhas.

Seguindo os conselhos de sua mãe, Albertina aceita casar-se aos 22 anos com (diz ela) "Senhor S...1, um bravo camponês, com o minha mãe o havia feito" (sic).

Albertine rapidamente adoece.

É

internada em um hospital, depois em

uma casa de repouso' (salpingite tuberculosa). Depois de restabelecida, faz um curso de contabilidade e passa a ocupar um posto de ajudante de con- tabilidade em uma pequena indústria, ficando ali por cinco anos, muito fe- liz, diz ela.

Dois acontecimentos, porém, vieram perturbá-la quando chegou aos

quarenta anos: a infidelidade do marido e a morte da mãe. Isto desenca- deia uma impressiona nte hemorragia nasal, havendo necessidade de tam- ponamento posterior, sem dúvida relacionada a distúrbios cárdio-vascu- lares não detectados até então.

A vivência da "hemorragia" narcisista desta importante perda de san- gue junta-se aos lutos afetivos de amor do marido e da proteção da mãe. Segue-se um sério episódio depressivo. Ela entrou em um serviço psi- quiátrico de urgência, onde lhe administraram uma série de eletrochoques, bem como uma boa dose de neurolépticos.

Tal terapêutica vem, evidentemente, juntar-se

à

soma algébrica dos

traumas desorganizadores sofridos em tão pouco tempo.

Durante seis anos permanece pré-depressiva , vivend o ju nto ao paie

às

recordações da mãe e,ao final deste período, aos 49 anos, por ocasião da morte do pai, Albertine se descompensa em um primeiro quadro psicótico clássico, com esteriotipias, maneirismos, apragmatismo, risos imotiva dos e aparecimento do tema delirant e: "Eu quero ser enterrada em X ... junt o com papai e mamãe."

Tratamentos médicos detalhados conseguem amenizar os sinais exte- riores. Apenas persiste o delfrio focalizado, a cardiopatia evoluiu muito pouco. A doente permanece calma no serviço, sai com bastante freqüência para um passeio ou uma visita ao seu marido (sobretudo quando este pre- cisa dela para a colheita das frutas ou para as vindimas), e não aceita qual- quer outra solução que não permanecer sob a dependência e proteção dos médicos: "Eles sabem o que eu preciso."

Evidentemente não se tratava para começar, de uma estrutura neuróti- ca, nem psicótica. O ordenamento imperfeito de sua personalidade repou- sava sobre uma dependência anaclftica dos outros. Um primeiro trauma sobrevém, reunindo v árias frustrações afetiva s e uma perda de segurança, depois um segundo, quebrando todos os vínculos com a mãe, a não ser por intermédio do pai, fez com que esta pobre "menininha" já idosa mer- gulhasse na crise de angústia aguda, donde não conseguiu sair a não ser pela via psicótica irreversível.