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O caráter

A) O CARÁTER ESQUIZOFRÊNICO

8) O CARÁTER PARANÓICO

Também neste caso, comumente é difícil distinguir o que constitui um "caráter paranóico" daquilo que já pertence a manifestações paranóicas mórbi- das, tanto mais porque, classicamente, os comportamentos descritos sob o ter- mo paranóia variam sensivelmente de um autor a outro e de uma forma clfnica a outra.

Para H. EY, P. BERNARD e Ch. BRISSET (1967), o caráter paranóico per- maneceu fixado a um temperamento agressivo ou a formas primitivas de expe- riências de frustração ou de reivindicação.

Os principais elementos que definem a tradução caracterial de uma estru- tura paranóica resumem-se a uma certa exaltação bastante constante, acompa- nhada de um comportamento sistematicamente obj etador, reivindicador e ran- coroso, vingativo e idealista, pouco realista, até fanático no plano ideológico, no que diz respeito

à

ordem em geral, mais especificamente

à

ordem social; o ca- ráter paranóico dá mostras, de forma muito constante, de orgulho e desconfian- ça, de frieza afetiva e deformação nos seus julgamentos.

O que predomina em tal modo de caráter diz respeito, ao mesmo tempo, a

falhas narcisistas primárias e

à

vivacidade das defesas contra os desej os homos- sexuais passivos, reparadores do fracasso da relação com a mãe.

Não se deve confundir com o autêntico caráter paranóico todo e qualquer comportamento de reação às frustrações ou mesmo de agressividade manifesta correspondente

à

variabilidades de humor, bem como todo comportamento que não apresenta a defesa particular contra a homossexualidade .

Da mesma forma, a proj eção utilizada no paranóico continua sendo a clás- sica proj eção sobre o obj eto, descrita por FREUD (1895), e não concerne aos me- canismos de proj eção

no

objeto, para assegurar-se do domfnio e de sua proxi- midade tranqüilizadora, do tipo da identificação proj etiva da escola kleiniana. No

mecanismo paranóico são as representações e até as pulsões globalmente recu- sadas pelo ego que se encontram proj etadas

sobre o obj eto que imediatamente torna-se persecutório e nunca

é

preservado como útil e assegurador. Os tratados de psicopatologia transbordam de descrições de "pequenos

paranóicos". Mostram-nos um cliente ranzinz a, um pai suscetfvel, suportando mal as frustrações banais da vida, um viaj ante irascível, um doente que se acre- dita maltratado, um cidadão protestador, um locatário encrenqueiro, um falso modesto, um idealista desaj eitado, um instável afetivo, etc .

Ora, sob tais quadros, comumente tivemos dificuldade em reconhecer os aspectos fundamentais da estrutura paranóica, descritos acima; o mais comum é que se confunda casos particulares de caráter narcisista ou de "neuroses de ca- ráter" (cf. 11-3) com o eco caracterial de uma estrutura paranóica.

A personalidade sensitiva de KRETSCHMER (1948), que compreende uma fragilidade do ego, com hiperemotividade, indecisão, escrupulosidade, incapaci- dade de enfrentar os choques afetivos e as adversidades, mais por depressão que por revolta, não pode ser disposta ao lado das organizações de modo para- nóico, mas deve permanecer ligada ao grupo dos estados limítrofes.

Neste instante do desenvolvimento de minhas hipóteses, chegando ao fim das descrições que se reportam aos diferentes aspectos mórbidos, estruturais ou caracteriais que podem revestir as estruturas tanto neuróticas quanto psicóticas, cabe notar, mais uma vez, que a todo momento, diante do exame de uma enti- dade psicopatológica funcional ou estrutural dada, dependendo de uma ou outra das linhagens clássicas, vemos misturarem-se, nas descrições mais correntes,

àquilo que pertence

à

estrutura nomeada, elementos heterogêneos, de natureza

narcisista, anaclítica ou pré-depressiva, que imitam o que quer que seja do lado das estruturas neuróticas ou psicóticas da vizinhança .

Foi contra esta confusão que quis levantar-se a minha pesquisa, não por

simples interesse especulativo ou entomológico, mas em virtude das indispen- sáveis conseqüências, tanto psicossociológicas quanto psicopatológicas, e sobre- tudo, profiláticas e terapêuticas que se deve tirar desta distinção.

As manifestações aparentes do caráter paranóico são bem conhecidas, mas é útil precisá-las a fim de evitar a clássica confusão com a perversão de ca- ráter.

A superestima ção do ego acarreta o orgulho (no sentido habitual do termo, ou sej a, reprovador) e a vaidade, por vezes mascarada sob uma falsa rnod{!stia que jamais chega a enganar (como em certos caracteres narcisistas); o sujeito é or a levado a atitudes de estoicismo, ora, ao contrário, a extravagâncias, ou mes- mo ao proselitismo, mais ou menos ligado a um

exibicionismo mental.

A desconfiança, habitual desde o esca lão caracterial, prepara as impressões de perseguição, de isolamento, e a suscetibilidade muito constante.

Os erros de julgamento conservam um dialética mental (ao passo que nos perversos de caráter eles necessitam de justificação racional). A lógica da qual o caráter paranóico parece presa não arrasta a convicção dos observadores. As fa- ses de excitação e depressão se sucedem, porém jamais atingem o comporta- mento físico (como nas organizações anaclfticas).

O mesmo vale para a alternância entre os movimentos egocêntricos e pseu-

do-altrufstas. A inadaptabilidade social relativa do caráter pararaóico vem tanto de suas interpretaç6es err6neas da realidade, quanto

de sua incapacidade de discipli- na coletiva e de sua ausência de espfrito de grupo. Resulta dai uma certa vida solitá- ria, revoltas

freqüentes, por vezes até uma verdadeira "vagabundagem mental".

Um certo número de psicopatias da literatura psiquiátrica clássica devem ser resolutamente dispostas no quadro dos caracteres paranóicos.

A superestimação de si, encontrada no caráter paranóico, corresponde a uma perda dos limites razoâveis do narcisismo. A ausência de autocrítica deve- se ao mesmo processo de perda de limites da necessidade de poder narcisista, compensador, ao mesmo tempo, da falta narcisista nos fenômenos essenciais constitutivos do "eu" e, igualmente, da falta de segurança no domfnio do ero- tismo anal. Este dois aspectos perfeitamente complementares jamais devem achar-se dissociados quando s e desej a falar de economia profunda de modo paranóico. Se a ênfase for colocada apenas no primeiro movimento, corremos o risco de confusão com a economia esquizofrênica, e se acentuarmos apenas o segundo movimento, situamo-nos demasiado próximos dos mecanismos ob- sessivos.

Outro aspecto do caráter paranóico deve ser notado:

é

a pouca sociabilida-

de dos sujeitos, que mais comumente acham-se bastante isolados na vida, ao passo que os caracteres narcisistas,com os quais o caráter paranóico

é

muitas vezes confundido, procuram, e habitualmente obtêm, uma presença tranqüiliza-

dora nos grupos sociais.

Os problemas somáticos entram, em boa parte, na distinção entre caráter paranóico, e linhagem narcisista, quer trate-se de um simples "carâter narcisis- ta", ou então de uma "neurose de caráter". De infcio, conforme vimos a respeito das caracterologias de critérios físicos, a forma pela qual o suj eito apresenta seu corpo aos outros depende de seus próprios dados caracteriais; ora, a estrutura paranóica comporta uma rigidez afetiva e relaciona! que se traduz de forma

bastante constante e específica por um "porte altivo", muitas vezes caricatura!;

é

raro encontrar um caráter paranóico autêntico entre os obesos, os depressivos corporais ou os famosos "sangüfneos". A forma corporal de afirmar a necessi- dade de isolamento em relação aos outros, própria do caráter paranóico, jamais é encontrada na linhagem narcísico-anaclítica que busca, ao contrário, "fazer-se bem visto" para seduzir o outro e ligar-se a ele para assegurar-se.

De outra parte,

é

comum lembrar que o caráter paranóico desfruta de uma

"saúde de ferro". Na realidade, ele recusa-se sobretudo a deixar que o outro se enterneça pelos pequenos incômodos ffsicos que possa experimentar e esconde- os cuidadosamente, ao passo que o narcisista anaclftico coloca-os em destaque, em um desejo de seduzir e produz ir compaixão pela menor bobagem capaz de comover seu interlocutor.

Isto leva-nos a uma reflexão acerca das relações entre caráter paranóico e funcionamento masoquista. Th. REIK (1940) já se havia estendido sobre este assunto, posteriormente retomado por

J.

NYDES (1963) .

Os dois comportamentos dizem respeito, ao mesmo tempo, ao amor pré-

genital, sentimento este que repousa sobre a ambivalência e a dependência, e ao sentimento de força compensatória, tirado a partir da onipotência infantil para mascarar a atitude laten•e de fragilidade e demanda de proteção.

O carâter paranóico renuncia ao amor na tentativa de salvar um senti- mento de força, ao passo que o funcionament o masoquista, ao contrário, renun- cia

à

força para tentar preservar o vínculo amoroso.

De outra parte, o caráter paranóico utiliza, de preferência, conforme vimos, o mecanismo projetivo clássico para defender-se contra a noção de vergonha, ao passo que a identificação com o agressor fica mais no registro sadomaso- quista. Em ambos os casos não pôde haver uma identificação válida com o pai (parent) do mesmo sexo, que permaneceu todo-poderoso; o caráter paranóico

precisa defender-se contra este presumido adversário, do qual aceitar o amor seria considerado como submeter-se

à

castração fálico-narcisista e à "degrada-

ção" homossexual passiva.

Colocarei aqui uma observação característica de um caráter paranóico, para melhor ilustrar o meu propósito.

Obs. n 15

Um Caráter paranóico

Alphonse

é

tão desconhecido no restante do departamento, quanto im- possível de ignorar no importante aglomerado que atormenta. Sessenta anos, porte altivo, andar rígido, emendado r de erros e dador de conselhos, este curioso personagem importuna com grandiloqüência qualquer um que cruze seu caminho e inquieta particularmente os fracos; arranja -se, contudo, para ser nomeado vice-presidente de numerosas associações lo- cais, quer de músic a ou de automóveis, no escritório da assistência social ou na associação desportiva municipal, sem contudo ser m sico ou des- portista, muito menos filantropo. Não tendo qualquer contato humano po- sitivo, tornou-se advogado; conhecido por suas intensas necessidades de dinheiro, ocupa por necessidade as funções de "conselho" de várias So- ciedaçles Imobiliárias importantes, mas bastante administrativas, pois ra- pidamente rompeu com qualquer empresa de direção mais "pessoal".

Embora permaneça um "civilista" medfocre,

é

escutado por temor e se recorre a ele porque

é

temido. Sua habilidade consiste em afirmar com

autoridade todo e qualquer ponto de vista favorável a seu partido, em apoiar-se sobre um único aspecto válido da conjuntura para depois esma- gar seus adversários com seu mau humor, a partir desta ilhota de certeza. Em uma terceira etapa, colocando-se no offcio de "justiceiro" fora da justi- ça, só lhe resta apresentar um compromiss o condesce ndente, vantaj oso para o conselho da administração anônima da sociedade que representa e não oneros o demais para o adversário, que teme encontrar no Tribunal um adversário tão feroz e impiedoso.

Embora tenha obtido em sua subprefeitura todas as funções honorfficas enumeradas acima, (mais algumas condecorações) não

é

porque o amem, que o apreciem, mas porque

é

temido e "se deve muito a ele": com efeito, faz donativos "principescos" à maior ia das associações locais; não que seja afortunado, não que seja "bom", nem mesmo simpático, como um sim- ples narcisista que desejaria que se gostasse dele••. Ao contrário, compor-

ta-se desdenhosamente, como um aristocrata, e não se pode, em troca, tratá-lo diferente. Não lhe confiam qualquer função prática importante, nem a presidência (ele é temido demais), nem o secretariado (ele não é su- ficientemente adaptado), mas sempre lhe concedem "vice-presidênciais", um "postinho" bem representativo. Mediante isto, realizou seu desejo; omitindo verbalmente o corretivo "vice" diante do termo "presidente", dá os cumprimentos, em nome das ditas associações, nos casamentos, fune- rais, inaugurações e cerimônicas oficiais ou oficiosas diversas. Tem seu lu- gar nos jogos de bridge ou nas recepções do subp refeito, do procurador, do coronel das comunicações ou de alguns industriais ou grandes comer- ciantes locais.

Alphonse era rico de nascença? Absolutamente. Nascido de pais peque- nos comerciantes que faleceram cedo, tem grandes dificuldades financei-

ras e numerosas dívidas.

Tanto que o contador da maior das sociedades para as quais trabalha teve de fazê-lo aceitar um curioso arranj o destinado a evitar que Alphonse fosse despedido e eventualmente preso: o dito contador conser va com ele os honorários devidos ao advogado e regula diretamente, mês a mês, os principais credores: proprietário, alfaiate, açougue, armazém, etc., me- diante o que Alphonse continua a dispor do restant e de seus rendimentos para suas múltiplas liberalidades incessantemente repetidas.

De fato, sabe-se que Alphonse é casado, mas sabe-se principalmente que desposou uma mulher tfmida, mais jovem, que nunca sai e de má saúde; sabe-se também que tem dois filhos, mas também não os conhece; a filha mais velha, de 28 anos, asmática, é professora auxiliar em uma es- cola particular mantida por uma irmã de sua mãe; o filho, de 24 anos, não conseguiu terminar seu curso em uma escola de comércio; ele agor a está "colocado" junto a um procurador da justiça, em um departamento vizi- nho; nenhum dos dois é casado.

Aqueles que conhecem Alphonse perguntam-se por que este homem, sempre só na cidade e na vida, achou que seria bom casar-se; é certo que Alphonse concebeu o casamento como uma obrigação social de bom tom, da mesma forma que saber montar a cavalo, aderir

à

"Ação Francesa" ou preparar o pelotão dos alunos oficiais da reserva. Além disto, se desconhe- ce que tenha qualquer ligação feminina; ele é conhecido por sua rudeza em relação às mulheres e por seu sadismo para com os jovens de ambos os sexos (levado por meu pensamento, escreveria: "para com os jovens dos dois sexos"),

Alphonse j amais sorri, nunca se inclina ou se curva. lnflexfvel como o gládio da justiça, está pronto para abater-se sobre quem falhar ; irrita-se por um nada, desde que entrevej a um fantasma, ainda que pouco cons- ciente, no qual poderia ser ameaçado de torpeza por alguém. Tem um profundo desdém por quem o ignore, mas toda relação próxima torna-se par a ele, imediatamente, uma possfvel ameaça e, ao menor alerta mais real, uma agressão. Facilmente se entrevê a radical defesa contra a homos-

De out ra parte, o caráter paranóico utiliza, de preferê ncia, confor me vimos, o mecanismo projetivo clássico para defender-se contra a noção de vergonha, ao passo que a identificação com o agresso r fica mais no registro sadomaso -

quista. Em ambos os casos não pôde haver uma identificação válida com o pai (parent) do mesmo sexo, que permaneceu todo-poderoso; o caráter paranóico precisa defender -se contra este presumido adversário, do qual aceita r o amor seria considerado como submeter - se

à

castração fálico - narcisista e

à

"degrada-

ção" homossexual passiva.

Colocarei aqui uma observação característica de um caráter paranóico, para melhor ilustrar o meu propósito.

Obs. n!? 15

Um Caráter paranóico

Alphonse

é

tão desconhec ido no restante do departa mento, quanto im- possível de ignorar no importante aglomerado que atormenta. Sessenta anos, porte altivo, andar rígido, emendado r de erros e dador de conselhos, este curioso personagem importuna com grandiloqüênc ia qualquer um que cruze seu caminho e inquieta particularmente os fracos; arra nja -se, contudo, para ser nomeado vice-presidente de numerosas associações lo- cais, quer de música ou de automóveis, no escr itório da assistência social ou na associação desportiva municipal, sem contudo ser m sico ou des- portista, muito menos filantropo. Não tendo qualquer contato humano po- sitivo, to r nou- se advogado; conhecido por suas intensas necessidades de dinheiro, ocupa por necessidade as funções de "conselho" de várias So- ciedades Imobiliárias importantes, mas bastante administrativas, pois ra- pidamente rompeu com qualquer empresa de direção mais "pessoal".

Embora permaneça um "civilista" medrocre,

é

escutado por temor e se

recorre a ele porque

é

temido. Sua habilidade consiste em afir mar com autoridade todo e qualquer ponto de vista favorável a seu partido, em apoiar - se sobre um único aspecto válido da conj untura para depois esma- gar seus adversários com seu mau humor, a partir desta ilhota de certeza. Em uma terceira etapa, colocando-se no offcio de "justiceiro" fora da justi- ça, só lhe resta apresentar um compromisso condescendente, vantaj oso para o conselho da administração anônima da sociedade que representa e não oneroso demais para o adversário, que teme encontrar no Tribunal um adversário tão feroz e impiedoso .

Embora tenha obtido em sua subprefeit ura todas as funções honoríficas enumeradas acima, (mais algumas condecorações) não

é

porque o amem, que o apreciem, mas porque

é

temido e "se deve muito a ele": com efeito, faz donativos "principescos"

à

maioria das assoc iações locais; não que seja afortunado, não que seja "bom", nem mesmo simpático, como um sim- ples narcisista que desejaria que se gostasse dele••.Ao contrário, compor-

ta-se desdenhosamente, como um aristocrata, e não se pode, em troca, tratá-lo diferente. Não lhe confiam qualquer função prática importante, nem a presidência (ele

é

temido demais), nem o secretariado (ele não

é

su-

ficientemente adaptado), mas sempre lhe concedem "vice-presidênciais", um "postinho" bem representativo. Mediante isto, realizou seu desejo; omitindo verbalmente o corretivo "vice" diante do termo "presidente", dá os cumprimentos, em nome das ditas associações, nos casamentos, fune- rais, inaugurações e cerimônicas oficiais ou

oficiosas diversas. Tem seu lu-

gar nos jogos de bridge ou nas recepções do subprefeito, do procurador, do coronel das comunicações ou de alguns industriais ou grandes comer- ciantes locais.

Alphonse era rico de nascença? Absolutamente. Nascido de pais peque-

nos comerciantes que faleceram cedo, tem gra ndes dificuldades financei- ras e numerosas dívidas. Tanto que o contador da maior das sociedades para as quais trabalha

teve de fazê-lo aceitar um curioso arranjo destinado a evitar que Alphonse fosse despedido e eventualmente preso: o dito contador conserva com ele

05. honorários devidos ao advogado e regula diretamente, mês a mês, os principais credores: proprietário, alfaiate, açougue, armazém, etc., me- diante o que Alphonse continua a dispor do restante de seus rendimentos para suas múltiplas liberalidades incessantemente repetidas.

De fato, sabe-se que Alphonse é casado, mas sabe-se principalmente

que desposou uma mulher tfmida, mais jovem, que nunca sai e de má saúde; sabe-se também que tem dois filhos, mas também não os conhece; a filha mais velha, de 28 anos, asmática, é professora auxiliar em uma es- cola particular mantida por uma irmã de sua mãe; o filho, de 24 anos, não conseguiu terminar seu curso em uma escola de comércio; ele agora está "colocado" junto a um procurador da justiça, em um departamento vizi- nho; nenhum dos dois

é

casado.

Aqueles que conhecem Alphonse perguntam-se por que este homem, sempre só na cidade e na vida, achou que seria bom casar-se; é certo que Alphonse concebeu o casamento como uma obrigação social de bom tom, da mesma forma que saber montar a cavalo, aderir à "Ação Francesa" ou preparar o pelotão dos alunos oficiais da reserva.Além disto, se desconhe- ce que tenha qualquer ligação feminina; ele é conhecido por sua rudeza em relação às mulheres e por seu sadismo para com os jovens de ambos os sexos (levado por meu pensamento, escreveria: "para com os jovens dos dois sexos").

Alphonse jamais sorri, nunca se inclina ou se curva. lnffexfvel como o gládio da justiça, está pronto para abater- se sobre quem falhar ; irrita-se por um nada, desde que entreveja um fantasma, ainda que pouco cons- ciente, no qual poderia ser ameaçado de torpeza por alguém. Tem um profundo desdém por quem o ignore, mas toda relação próxima torna-se para ele, imediatamente, uma possfvel ameaça e, ao menor alerta mais real, uma agressão .Facilmente se entrevê a radical defesa contra a homos-

sexualidade passiva, latente por detrás de tais comportamentos manifestos e isto assinala, do ponto de vista funcional e