• Nenhum resultado encontrado

OS ORDENAMENTOS CARACTERIAIS

suas funções e irá operar sobre dois registros diferentes: um registro adaptativo,

B) OS ORDENAMENTOS CARACTERIAIS

A partir do tronco comum ordenado das organizações limltrofes desta - cam-se, em direção à linhagem neurótica, ordenamentos bastante estáveis que mais ou menos imitam os comportamentos neuróticos, sem contudo fazerem parte da linhagem estrutural genital. Estes são os ordenamentos ditos "caracte- riais".

Tais ordenamentos originam-se quando a angústia depressiva por medo da perda do objeto chega a ser rejeitada para o exterior e permanece ar mantida de maneira bastante durável. Esta manutenção da angústia no exterior do ego apenas é posslvel ao preço de um grande dispêndio de energia pslquica, permi- tindo o êxito de formações reativas complicadas bastante bem adaptadas às condições da realidade externa. O consumo de energia pslquica necessário a este êxito é grande, pois estas formações reativas devem ser incessantemente

,mantidas, sob pena de a angústia reaparecer no interior do ego, o que sempre pode produzir-se por ocasião de um momento depressivo, do qual os "caracte- riais" não se acham, absolutamente, livres.

P. C. RACAMIER (1963) descreveu três "doenças do caráter" que corres- pendem sensivelmente aos nossos ordenamentos caracteriais: a "neurose" de caráter, a "psicose" de caráter e a "perversão" de caráter.

No cuidado com o rigor terminológico, cujas exigências não parei de pro- clamar ao longo de todo meu trabalho, evidentemente não me é posslvel aceitar os termos "neurose", "psicose" e "perversão" acolados à expressão "de cará- ter" de P. C.RACAMIER para definir estas três entidades.

Em contrapartida, como minha aversão pelos neologismos inúteis mostra-

se igualmente muito profunda, e como ainda não concebi definições melhores até o presente momento, contentar-me-ai em manifestar minha insatisfação e, de outra parte, me sacrificarei à modéstia, sem depressão, usando termos que não me convêm, mas ilustram bastante bem o meu propósito. O compromisso provisório a que finalmente cheguei consiste em sempre colocar os termos "neurose", "psicose" e "perversão" entre aspas, todas as vezes em que me achar na obrigação de empregá-los, por necessidade, em um sentido que, se- gundo meu ponto·de vista, certamente não lhes cabe no plano estrutural.

Estou, todavia, plenamente de acordo com o conteúdo que P. C. RACA - MIEB colocou sob tais rubricas em suas exposições de 1963. ,

Não me estenderei longamente, neste capftulo sobre estas três categorias

tão ricas em nuances, devendo a segunda parte deste trabalho constituir o de- senvolvimento de cada um destes pontos, a partir da ótica clfnica e relaciona! (cf. 11, 3). Limitar-me-ei, aqui, a expor rapidamente suas situações reciprocas:

a) "Neuroses" de caráter

As "neuroses" de caráter não podem pretender o estatuto estrutural neuró- tico, pois em nada repousam sobre um conflito ente o id e o superego. Elas não sucedem a um conflito edipiano, pois não conseguiram vivenciá-lo de modo or- ganizador. Sua angústia permanece pré-depressiva, de perda do objeto, não de castração. Não existe qualquer sintoma-compromisso de naturez-a neurótica. São acima de tudo doenças da relação, que repousam sobre formações reativas, utilizando o anaclitismo, ou seja, a dependência sob o aspecto de uma apar ente dominação exitosa do objeto, mais de imitação do que de identificação.

É

o meio maltratado que se queixa, com o tempo, ao invés do sujeito, na medida em que suas formações reativas funcionarem ou não.

Trata-se, pois, aqui, de um ramo que se estirou a partir do tronco comum das organizações limftrofes (cf. fig. 8), constituindo o tentáculo mais pronuncia- do emitido por este tronco comum em direção à linhagem estrutural neurótica autêntica. A "neurose" de caráter joga

moda da neurose", sem ter a sua ri- queza estrutural genital. Esta trapaça exige, pois, um muito grande dispêndio de energia, "a fundo perdido" em onerosos contra-investimentos que enganam muito bem o

meio familiar, profissional ou social, enquanto for possfvel man- tê-los. Estes sujeitos são muito mais dóceis que os neuróticos, em virtude de suas necessidades anaclfticas, muito mais zelosos e menos inquietantes genital- mente, dai boa parte do seu sucesso junto a colegas e patrões de todos os nfveis (••• pelo menos durante um certo tempo). Com efeito, eles correm o perigo de envelhecerem mal, de verem suas defesas ou formações reativas se endurece - rem (e assim serem pior suportadas pelo outro) ou mesmo romperem (casos de descompensações da senescência, citados acima).

b) As "psicoses" de carc1ter

As "psicoses" de caráter em nada dependem da linhagem estrutural psicó- tica, pois a este nivel não existe dificuldade de contato com a realidade. Trata-se unicamente de um erro de avaliação afetiva desta realidade. Em conseqüênc ia de um duplo funcionamento, em um registro real e um registro anaclitico distintos, em conseqüência também do importante desenvolvimento das projeções para o exterior que dai resultam para tudo o que concerne aos elementos constrange- dores das representações, o sujeito chega a cometer erros sensiveis na avaliação de um número cada vez maior de aspectos objetivos da realidade.

Trata-se, ainda aqui, de um ramo saldo a partir do tronco comum doses- tado s limftrofes rumo às organizações neuróticas (cf. fig. 8), aproximando-se,

contudo, desta vez, muito menos da linhagem estrutural neurótica, pemanecen- do,porém, nesta direção buscada. O infantilismo e a falta de êxito prático ocor- rem muito mais nas "psicoses" do que nas "neuroses" de caráter.

c) As ''perversões" de car ter

As "perversões" de car ter correspondem aos "perversos" acometidos de perversidade e não aos "perversos" acometidos de

perversão, pois o mesmo ad- jetivo corresponde, em português (também em francês - N. do T.), a dois substantivos muito diferentes em sua significação cllnica e teórica.

Não mais se trata, nas "perversões" de caráter, de operar uma negação do sexo da mulher, como no caso das perversões. A negação das "perversões" de caráter refere-se unicamente ao direito dos outros de terem um narcisismo todo seu: para tais sujeitos, os outros não devem possuir interesses próprios e, menos ainda, investimentos em outras direções; todo objeto relaciona! pode servir ape- nas para assegurar e completar o narcisismo falho do "perverso" de caráter. O objeto é mantido pelo sujeito em uma relação sadomasoquista muito estreita.

Estes ordenamentos igualmente têm sua origem na economia anaclltica do tronco comum das organizações limltrofes (cf. fig. 8). Eles são menos sólidos que as "neuroses" ou mesmo as "psicoses" de caráter, pois em geral são muito menos suportados pelo meio que, em virtude da sua agressividade à flor da pe- le, tende a tratá-los de "pequenos paranóicos".