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suas funções e irá operar sobre dois registros diferentes: um registro adaptativo,

A) O ORDENAMENTO PERVERSO

O ordenamento perverso corresponde àquilo que impropriamente se chama de "estrutura perversa" na linguagem psiquiátrica. Na realidade, trata-se apetlas de um ordenamento particular, originado diretamente do tronco comum, por certo muit o mais estável que os ordenamentos anteriormente descritos, tão estável, na maioria dos casos, que em geral mostra-s e dificilmente reversível. Entretanto não se pode reconhecer-lhe o estatuto da estrutura, dada a sua es- sência narcisista anaclítica e antidepressiva, que não permite dispô-lo em qual-

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FIGURA 8: Slntese da gênese e da evolução das linhagens estruturais.

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(Deveria ser posto bem no alto do quadro)

REGRESSÃO PSICOSSOMÁ TICA

quer das duas estruturas autênticas, neurótica ou psicótica, e o deixa em uma dependência longlnqua e relativa, mas economicamente efetiva, tendo em vista a organização limltrofe da qual decorre geneticamente.

O ordenamento perverso resulta de um longo caminho para o protogeni- tal, sob o abrigo e a excitação parenta( (mais comumente materna}, levando aos poucos o individuo a "bancar o genital" sem ter, como a maioria dos sujeitos li- mftrofes, atingido para tanto um nfvel de organização realmente genital. Além disto, neste caso preciso, o jogo pseudogenital assum e um aspecto particular- mente ruidoso e aberrante . Tudo se passa como se a vantagem proporcionada aqui pela inabitual solidez do ordenamento narcisista se pagasse às custas de muitas outras complicações.

Na organização perversa a angústia depressiva acha-se evitada devido ao êxito de uma negação que incide apenas sobre uma parte muito focalizada do real:

o sexo da mulher.

Este objeto parcial não deve existir ao mesmo tempo que o objeto parcial fálico, cuja falta corresponde encontrar-se intensa e complementarmente su- perinvestido no registro narcisista.

Tal ordenamento situa-se, pois, bem próximo da linhagem estrutural psi-

cótica (fig. 8), pois o perverso opera ao mesmo tempo uma negação e uma espé- cie de "delfrio" igual ao de uma estrutura psicótica, mas no caso do ordena- mento perverso esta dupla atitude de negação e "delfrio" limita-se exclusiva- mente a um campo sensorial único, circunscrito em torno do sexo da mulher e de suas representações simbólicas.

O narcisismo primário encontra-se, assim, mal integrado e fixado ao nfvel

da atração por um objeto parcial cheio de mistério, em uma evolução afetiva que permaneceu indecisa entre um auto-erotismo ainda não completamente supe- rado e um estãgio objetai apenas alucinado, que jamais foi realmente atingido.

A precocidade da excitação libidinal foi tal que pulsão e objeto parcial sol- daram-se cedo demais e o objeto total não pôde constituir-se.Parece provável, ao estudar clinicamente este gênero de casos, que o "trauma precoce" indutor de um tal desvio no modo de estabelecimento do estatuto do objeto não corres- ponde ao exemplo clássico intenso e brutal habitualmente descrito ao nível do tronco comum, mas tem seu equivalente quantitativo na soma algébrica de mi- cro-impactos sucessivos causados por um verdadeiro descondicionamento con- tinuo operado mais comumente pela mãe e incidindo sobre as primeiras repre- sentações genitais triangulares.

A injeção repetida de um ego materno exclusivo e angustiante atua sobre

o sujeito, da mesma forma que uma injeção de apomorfina, para desgostá-lo (comumente para sempre, pois este condicionamento mostra-se muito eficaz e precoce) da genitalidade diferencial, transformando o falo em pênis e fazendo com que apareça, ao mesmo tempo, a representação de um sexo feminino au- têntico, no lugar da antiga imagem de uma castração fálico- narcisista. A criança

.acuada na solução perversa não consegue atingir esta imagem verdadeiramente sexual e exaltante do pólo genital feminino. Todo risco de aparecimento, em seu campo perceptivo consciente, de uma representação desta ordem , imediata-

mente cria um efeito de desgosto. O sujeito sente-se como um apomorfinado diante de um copo de álcool; além disso, opera uma fuga em direção ao falo as- segurador e estes dois movimentos vêem-se ainda consideravelmente reforça- dos pelo fato de o sujeito sentir que ocupa, fantasmaticamente, ele próprio uma deliciosa e incrfvel posição feminino-passiva, castrada no registro fálico-narci- sista.

Conforme evocou FREUD em seu artigo

A diferença anat(Jmica entre os se- xos

(1925 j}, na criança, uma parte do ego reconhece a castração, ao passo que outra parte a nega; esta dualidade durará por toda a vida no sujeito que se de- senvolveu segundo o modo perverso. Encontramo-nos, pois, finalmente, diante de duas séries paralelas de defesas: uma incide sobre o interior do sujeito (recal -

camento e mecanismos anexos); a outra diz respeito ao que permanece no exte- rior (negação e forclusão).

O ordenamento perverso funciona, pois, em dois registros simultâneos: por um lado, um registro banal bem adaptado

à

realidade em relação a tudo o

que permanece estranho ã representação do sexo fe minino e, por outro lado, um registro aberrante e desreal para tudo aquilo que possa lembrar esta repre- sentação.

A este respeito, convém manifestar um radical desacordo com uma ten-

dência da moda, que se pretenderia mais avisada, mais sincera e liberal, ao pro- clamar que "somos todos perversos.-" (subentendido: com igualdade de estru- tura).Certamente existe em cada individuo um resfduo da atitude fundamental- mente ambivalente da criança, descrita por FREUD e citada acima. Mas isto em nada obriga o funcionamento mental do homem comum a desenvolver dois se- tores estanques, dependendo do lugar ocupado pela representação do sexo fe- minino; quando muito, no adulto comum, uma reativação de tais fixações anti- gas traz alguns imprevistos (nem sempre desastrosos) na relação. Uma coisa completamente diferente é o ordenamento perverso, no qual o sistema de defe- sa contra o genital é verdadeiramente

organizado

e

organizador

e não mais um simples núcleo residual esparso, ao lado de muitos outros núcleos residuais ar- caicos que contribuem para constituir a originalidade de cada um e se traduzem em traços de caráter, conforme veremos em nossaterceira parte(111-2).

A negação do ordenamento perverso, na medida em que permanece foca- lizado em um único gênero de representações, poderia ser comparado

ã

nega- ção das "parapsicoses", das quais falamos a propósito das organizações psicóti- cas, igualmente centradas em desrealizações restritas. A diferença essencial en- tre um ordenamento perverso e uma parapsicose, ao nlvel da negação, reside na escolha da representação sobre a qual se opera esta negação, em um e outro ca- so: uma parapsicose (cf. observação n'? 6) pode fazer sua negação (e seu dellrio) incidir sobre qualquer ponto da realidade, ao passo que no ordenamento per- verso a negação incide

apenas

sobre a representação do sexo da mulher.

Maurice BENASSY (1959) distinguiu, de outra parte, dois modos possiveis de negação: o primeiro incidiria sobre a percepção dos objetos, o segundo, uni- camente sobre a significação afetiva destes mesmos objetos. O primeiro modo

primitiva do menino neste embrião reversfvel de perversão, constitu!do por sua primeira negação da percepçao do sexo da mulher, tal como a descreveu S. FREUD em seu artigo sobre

Algumas conseqü6ncias psicológicas

da áferença anat mica entre os sexos (1925 j). O segundo modo de negação, ao contrário, en- quanto negação do sentido a ser dado ao sexo da mulher, se

aplicaria majs ao ordenamento caracterial que examinaremos mais adiante e, de um modo mais geral, àquilo que FREUD, no mesmo artigo, atribui ao comportamento especifi- co da menina diante de sua descoberta, uma vez por todas no plano perceptivo, mas colocando problemas quanto à significação da diferença anatômica exis- tente entre os dois sexos.

S. FREUD (1905 d) falou da •neurose como negativo da perversSo" e da "criança como perversa polimorfa"; expressou-se em termos tão evocadores em virtude das fixações que persistem no perverso, tanto ao nfvel das tendências parciais, quanto ao nfvel das zonas erógenas parciais. Estas fixações estão liga- das às primeiras experiências da criança e não puderam ser integradas pelo ego ou pelo primado do genital e na totalidade do genital, em virtude da incomple - tude narcfsica e maturativa que não paramos de pôr em evidência em todas as organizações limftrofes e seus derivados.

Com maior evidência ainda do que em todas as demais categorias do mesmo grupo, o superego do perverso não pôde ser formado no sentido pós- edipiano do termo.Fala-se comumente, a propósito do perverso, de "superego permissivo"; a expressão parece-nos abusiva, quando já se sabe que em toda organização limftrofe o superego permanece muito incompleto, na falta de uma suficiente vivência edipiana no plano organizador e, por motivos mais fortes ainda, em um ordenamento tão próximo da linhagem psicótica.

O perverso funciona sobretudo com base em um ideal de ego narcisista, maternal e fálico. Como não conseguiu reparar convenientemente seu narcisis- mo, nem encontrar um objeto total e elaborar processos secundários suficien- temente eficazes, o perverso acha-se na obrigação de recorrer a satisfações bastante incompletas, com objetos parciais e zonas erógenas parciais. Pelos mesmos motivos, não pode deixar de obedecer às impulsões imperativas, ime- diatas e sem amanhã, de seus processos primários.

No ordenamento perverso, a ferida narcisista esconde-se por detrás de to- da e qualquer representação objetai (ainda mais feminina ,vivida como castrada narcisicamente). A brecha narcisista mostra-se irreparável; os processos primá- rios violentamente exigem satisfações ligadas a pulsões parciais, a objetos par- ciais e zonas erógenas parciais.

F. PASCHE (1962) mostrou que o perverso jamais pode mostrar-se com- pleto; apesar de sua negação especffica, refere-se incessantemente ao falo ma- ternal.Sua angústia profunda permanece fixada à incompletude narcfsica diante das pessoas-sem-falo;

é

uma angústia de perda de objeto, mas de perda do ob- jeto parcial, neste caso particular de angústia depressiva .A aposta parece ainda mais delicada neste sentido, na medida em que a parte representa o todo.Como em todos os sujeitos limftrofes, não se trata de uma angústia de castração geni- tal.

Dentre todo o grupo dos ordenamentos limftrofes,

é

o perverso que se defende contra a angústia depressiva mais dramática;

é

ele que mais se aproxi- ma da fragmentação psicótica, sem poder, contudo, beneficiar-se do repouso reestruturante paradoxalmente aportado por um verdadeiro delfrio.

A propósito de um caso de masoquismo perverso, M. de M'UZAN (1972) parece trazer ao ponto de vista que acaba de ser exposto, uma confirmação es- trutural bastante rara entre os psicanalistas que por tanto tempo ligaram perver- são e genitalidade. M. de M'UZAN mostra que no perverso "o vfnculo fundamental entre mutilação genital e castração esté1 radicalmente modificado, at mesmo destruf- do"; ele fala de primado do falo, de posição orgástica megalomanfaca. A diferen- ciação entre pai e mãe seria caracterológica, e não sexual. A personalidade se acharia "estruturada fora da problemática edipiana",

margem do Édipo". O autor descreve igualmente a ameaça de despersonalização e o "triunfo do or- gulho" do perverso.

M. de M'UZAN, em suas reflexões, parte do conhecimento que tem das

regressões psicossomáticas. Vimos aqui o quanto estes gêneros de regressão ti- nham pontos em comum com nossa economia limftrofe,e não nos surpreende que com bases tão próximas cheguemos a constatações paralelas.

Não poderfamos concluir este parágrafo acerca do ordenamento perverso sem colocar em evidência as razões que por vezes levaram os psicanalistas a cometerem certas confusões acerca da natureza estrutural dos perversos.

Parece, com efeito, que não se distingue com suficiente precisão o que

é

realmente perverso e o que permanece neurótico (logo, genital).

No voyeurismo de estatuto neurótico, por exemplo, existe uma busca do incesto com a mãe enquanto esposa do pai, ao passo que no voyeurismo de es- tatuto perverso trata-se apenas de um mero corpo feminino impessoal; neste caso, não há superego em atividade, nem culpa, mas uma necessidade narcisista compulsiva e agressiva temperada apenas por uma eventual vergonha, não por um medo de punição.

O obsessivo luta contra um desejo de sujar o objeto edipiano, ao passo que o coprofflico suja deliberadam nte qualquer objeto e, em geral, um objeto parcial.

O artista de estatuto genital cria imagens mais ou menos detalhadas e va- riadas destinadas a um número ilimitado de outros humanos, ao passo que o perverso limita-se a imagens bastante precisas, todas do mesmo tipo, reserva- das ao seu prazer pessoal ou unicamente aos seus semelhantes.

O fetichismo, girando em torno do ideal de ego, orienta -se para uma limi- tação do objeto parcial feminino, ao passo que os simbolismos autenticamente genitais representam sempre um objeto total.

A homossexualidade, da mesma forma que o masoquismo ou a fobia, po- de ser encontrada em qualquer modo de estruturação. A homossexualidade psi- cótica

é

encontrada, por exemplo, na paranóia, constituindo uma tentativa de re- solidificação do ego sobre posições duais irrealistas mas tanqüilizadoras; a ho- mossexualidade neurótica não passa de uma defesa contra o Édipo positivo; quanto à monossexualidade perversa, esta diz respeito

à

relação mãe-filho nos

estágios pré-edipianos, isto é, uma busca da completude narcisista pelo jogo da imagem em espelho.

Para compreender bem a especificidade e a verdadeir a natureza econômi- ca do ordenamento perverso, mostra-se indispensável separá- lo seletivamente de outras entidades estruturais vizinhas que conservam o mesmo aspecto ma- nifesto mas não correspondem, absolutamente, aos mesmos marcos metapsi - cológicos latentes.