• Nenhum resultado encontrado

A hipótese prevista no artigo 173, II, do Código Tributário Nacional

LIVRO II – PARTE ESPECIAL – DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUA

4 A DISCIPLINA DA DECADÊNCIA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

5.1 A hipótese prevista no artigo 173, II, do Código Tributário Nacional

O art. 173, inciso II, do CTN deve ser utilizado como o marco decadencial para os casos de anulação do lançamento por vício formal, como já abordamos em capítulo anterior. Entretanto, tal dispositivo também tem sido alvo de severas críticas, por tratar-se de controversa hipótese de interrupção do prazo decadencial.

Diz a lei:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados:

[…]

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal o lançamento anteriormente efetuado.192

Embora já tenhamos adiantado nosso posicionamento, reconhecemos que se trata de ponto de delicada abordagem, eis que a interrupção do prazo decadencial seria por muitos considerada inadmissível, pois uma das mais conhecidas particularidades do instituto da decadência estaria justamente na circunstância de que seus prazos não se suspendem e nem se interrompem.

Aqueles que se postavam contra a interrupção da decadência traziam do direito civil o conceito largamente conhecido de que prazo decadencial não se

192 BRASIL. Receita Federal. Código Tributário Nacional – Lei nº 5. 172, de 25 de Outubro de 1966.

Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e Institui Normas Gerais de Direito Tributário Aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm>. Acesso em: 13 maio 2013.

interrompe, nem se suspende. Todavia, tal afirmação, considerada quase um dogma do direito privado, não pode ser considerada imutável.

Isso significa, em outras palavras, que não se constitui em um limite intransponível para o legislador. Tanto assim é que pode a lei estabelecer expressamente o contrário, como fez o Código Tributário Nacional no dispositivo em questão.

Atento a essa possibilidade, Paulo de Barros Carvalho assevera que:

[…] a legislação tributária pode modificar a definição, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, desde que não utilizados pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Igualmente certo, também, que nada custaria à doutrina reconhecer que a decadência, no direito tributário, oferece aspectos estruturais que não se compaginam, por inteiro, com os do direito privado.193

Conquanto alguns autores, como Hugo de Brito Machado, entendam tratar- se de hipótese de suspensão do prazo decadencial194, parece-nos, com toda a vênia, que não há como negar tratar-se de hipótese de interrupção, uma vez que o enunciado prescritivo dispõe que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos contados da data quando se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

O que chamamos de interrupção, segundo Eurico Diniz de Santi é “[…] o reinício de um novo prazo decadencial, decorrente do fato jurídico da anulação do

193

Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 484.

194

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.

lançamento anterior pelo vício formal”195. E prossegue o autor196, com a propriedade que lhe é peculiar:

Muitos autores criticam o enunciado do art. 173, II, do CTN, simplesmente porque a doutrina não aceita essa interrupção. Que fazer se o direito positivo prescreve que o prazo prescricional interrompe ou suspende? Se sabemos que o direito cria suas próprias realidades, como dizer que o direito está errado, que não corresponde à realidade? Que ciência é essa que pretende dizer que seu objeto está errado? É como se o geólogo, fazendo ciência, gritasse para o terremoto: “Você não pode acontecer, não está em meus cálculos”.

Entendemos, pois, que o foco de resistência contra a interrupção da decadência se encontra instalado no argumento de autoridade importado acriticamente da teoria do direito privado: magister dixit, como faz alusão ROQUE CARRAZZA.

[…]

A interrupção da decadência do direito do Fisco nada mais é do que o reinício (termo preferível àquele) de um novo prazo decadencial, decorrente do fato jurídico da anulação do lançamento anterior por vício formal. É o que estabelece a regra da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior, que não interrompe prazo de outra regra nem tem seu prazo interrompido, ela simplesmente incide quando realizado o evento decadencial previsto em sua hipótese (decorrer cinco anos do fato da anulação do lançamento anterior por vício formal). Deveras, os prazos de formação relativos às diversas regas decadenciais são intercorrentes, conformando normativamente fatos jurídicos decadenciais distintos, cada qual com seu termo inicial.

A não aceitação da possibilidade da “interrupção” da decadência decorre da crença de que existe apenas uma regra de decadência. Isto não é verdade no direito tributário, que congrega diversas hipóteses com conteúdos distintos e objetivos distintos ex vi: da primeira parte do § 4º do art. 150; da segunda parte do § 4º do art. 150; do art. 173, I; do 173, II; do parágrafo único do art. 173, e do art. 156, V.

Também convicto na mesma conclusão, Paulo de Barros Carvalho afirma que um lançamento anulado por vício formal é ato que existiu, tanto assim que foi anulado por vício formal. Ora, a decisão final que declare a anulação do ato nada mais faz que interromper o prazo que já houvera decorrido até aquele momento.

E exemplifica o mestre:

195

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. 4 ed. São Paulo:

Max Limonad, 2011, p. 126.

196

[…] digamos que a decisão anulatória do ato ocorra três anos depois de iniciada a contagem regular do item I ou do parágrafo único do art. 173. O tempo decorrido será desprezado, recomeçando novo fluxo, desta vez qüinqüenal, a partir da decisão final administrativa. A hipótese interruptiva apresenta-se clara e insofismável, brigando com a natureza do instituto cujas raízes foram recolhidas nas maturadas elaborações do Direito Privado.197

No mesmo sentido é a interpretação de José Eduardo Soares de Melo, para quem:

[…] ao Fisco é reaberto um novo prazo de cinco anos para proceder a novo lançamento, sanando a irregularidade (formal), revelando-se nítida a excepcional interrupção de decadência, uma vez que se reinicia toda a contagem desse prazo, desprezando-se o lapso de tempo anterior.198

Entendemos que, de fato, a decadência, no direito tributário, possui aspectos de estrutura que não são compatíveis, ao menos por inteiro, com os contornos que o instituto teve, historicamente, no direito privado. Essa discussão, no entanto, nos parece em parte superada, tendo em vista a disposição do artigo 207 do novo Código Civil Brasileiro: “Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”

Conclui-se, portanto, que o próprio direito privado atual já admite que disposição legal específica determine a interrupção do prazo de decadência, de modo que não subsistem mais quaisquer razões sólidas para negar a mesma possibilidade ao direito tributário.

197 Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 483-484. 198 Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 397.

5.2 A hipótese prevista no artigo 173, parágrafo único, do Código Tributário