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LIVRO II – PARTE ESPECIAL – DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUA

3 CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E DECADÊNCIA

3.3 Constituição do crédito pela autoridade judiciária

Mencionamos nos tópicos anteriores a possibilidade de constituição do crédito tributário pelo particular. A questão que se põe, agora, é bastante controversa e diz respeito à possibilidade de constituição do crédito tributário pela autoridade judiciária.

São duas as hipóteses sobre que mais se discute essa possibilidade. Analisaremos cada uma delas individualmente.

A primeira hipótese que se coloca seria a do depósito judicial realizado no bojo de uma ação declaratória – antes da constituição do crédito – em que se discuta a relação jurídica tributária. Em sendo julgado improcedente o pedido, poderia o juiz constituir o crédito por meio de sentença? Poderia o depósito ser entendido como um pagamento antecipado?

Em que pesem algumas decisões judiciais em contrário, entendemos que não existe, no ordenamento positivo, norma que autorize esse tipo de constituição de crédito tributário. A autoridade judiciária, neste caso, s.m.j., seria autoridade incompetente.

Todavia, ressaltamos posição de peso em sentido contrário. No ponto, segue o entendimento de Eurico Marcos Diniz de Santi:

Na ação declaratória de negativa de existência de relação jurídica tributária com a efetivação de depósito, a decisão denegatória que ‘declara’ a existência da relação jurídica tributária, identificando o sujeito ativo, sujeito passivo, a base de cálculo e alíquota, não só constitui o crédito tributário, dispensando, por conseguinte, a prática do lançamento tributário, como também extingue o crédito tributário, mediante a conversão do depósito ex vi do inciso VI, do art. 156, do CTN. Como são vários os objetos possíveis de uma ação declaratória, é preciso deixar claro que apenas quando todos os elementos integrativos do crédito tributário forem identificados na decisão é que a ação declaratória terá o condão de constituir o crédito sem necessidade de lançamento, não havendo, portanto, decadência.136

Concluímos, todavia, como acima consignado, que por ausência de previsão em regra jurídica neste sentido, a autoridade judiciária, nesse caso, não é competente para constituir o crédito tributário. Renata Elaine Silva compartilha do mesmo entendimento e pontua: “O que nos parece, salvo melhor juízo, é que a autoridade julgadora tenta proteger o fisco, que tinha o dever de ofício de constituir o crédito e não o fez, para que este, fisco, não venha sofrer os efeitos do popular ‘ganhou mas não levou’.”137

Ora, não cabe à autoridade julgadora proteger o fisco, devendo, como se sabe, manter-se equidistante das partes. Na hipótese ventilada, acreditamos que a melhor solução seria mesmo que o representante judicial da Fazenda Pública que ocupa o polo passivo de tal ação declaratória, ao tomar conhecimento dela e do depósito efetuado, informasse imediatamente a autoridade administrativa para que

136 Decadência e prescrição no direito tributário. 4 ed. São Paulo: Max Limonad, 2011, p. 146. 137 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

efetuasse o lançamento, antes do decurso do prazo decadencial. É o que se chama de ‘lançamento tributário destinado a prevenir decadência’.

Não por outro motivo, há atos normativos que disciplinam, de forma vinculante, a atuação da Secretaria da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional, relativa à comunicação mútua, nas situações de créditos tributários questionados judicialmente, ex vi a Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 2, de 9 de agosto de 1999, e a Portaria PGFN nº 30, de 20 de janeiro de 2011138.

Com relação ao lançamento para prevenir a decadência, é certo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial, seja por depósito ou por decisão liminar/antecipatória de tutela não impede o Fisco de efetuar tal lançamento. Nesse sentido o acórdão da Segunda Turma139:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CAUSAS SUSPENSIVAS DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. LANÇAMENTO. AUSÊNCIA DE ÓBICE. DECADÊNCIA. 1. A suspensão da exigibilidade do

crédito tributário na via judicial impede o Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu

138 A título exemplificativo dessa comunicação, a Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 2, de 1999 dispõe

em seus artigos 2º e 3º que:

“Art. 2º A unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, na hipótese de denegação, revogação ou cassação de liminar, comunicará a ocorrência, imediatamente, à unidade da Secretaria da Receita Federal, a fim de que esta possa efetuar a cobrança dos tributos questionados ou, se for o caso, iniciar ação fiscal para constituição do crédito tributário.

Art. 3º A unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional comunicará, imediatamente, à unidade da Secretaria da Receita Federal, o teor do despacho judicial em ações anulatórias de débito, pedidos de tutela antecipada ou mandado de segurança, no que interferir com a cobrança do crédito tributário, informando, de logo, sobre a existência de depósito do valor devido e seu respectivo montante, ou sua inexistência”. (BRASIL. Receita Federal. Portaria Conjunta

SRF/PGFN nº 2 de 09/08/1999. Estabelece procedimentos para acompanhamento de ações judiciais

referentes a matéria de natureza fiscal, a serem observados no âmbito da Secretaria da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Brasília, 10 ago. 1999).

139 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº

1.129.450/SP. Relator: Castro Meira.

Julgamento: 17 fev. 2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 28 fev. 2011 (grifos nossos).

crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir a decadência do direito. Precedente: EREsp 572.603/PR, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJ 05/09/2005.

Passamos agora a analisar a segunda hipótese de constituição do crédito tributário pela autoridade judiciária. Trata-se daquela relacionada à emenda constitucional nº 45/2004, que alterou o texto da Constituição Federal para, inserindo o inciso VIII em seu artigo 114, outorgar permissão à Justiça do Trabalho para executar de ofício os créditos tributários de natureza previdenciária140.

Nesse caso não há como deixar de reconhecer que existe a regra jurídica, inserida pelo veículo da emenda constitucional, que atribui a competência à autoridade judiciária. A possibilidade de constituição do crédito pela autoridade judiciária, portanto, existe no sistema do direito positivo.

James Marins141 salienta que foi criada uma função judicial sui generis, ou anômala para o juiz, qual seja, a de autoridade administrativa. Critica, ainda, que a figura do lançamento tributário, como desenhada pelo Código Tributário Nacional, teria sido completamente distorcida.

140

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[…]

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). (BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de

dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105,

107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm>. Acesso em: 13 maio 2013).

Também atenta a essa realidade, Renata Elaine Silva142 observa que, embora os comandos rígidos não tenham sido feridos diretamente, o sistema do Direito Tributário sofre com alterações constitucionais dessa natureza, pois a possibilidade de constituição do crédito pela autoridade judiciária não encontra previsão no Código Tributário Nacional. Ademais, sendo o objetivo apenas o de aumentar a eficiência arrecadatória, entende que o legislador constituinte derivado vem equivocadamente aniquilando o sistema do Direito Tributário, seus institutos e sua estrutura, o que torna cada vez mais insegura a vida dos contribuintes, como ocorre no caso da execução fiscal no bojo do processo trabalhista.

A crítica da autora é merecedora de transcrição:

Vê-se que a decisão judicial proferida por meio de sentença tem um caráter dúplice: condenar a parte ré em conformidade com o mérito da decisão e ainda constituir o crédito tributário. Ambos estão no corpo da sentença, emitindo duas normas individuais e concretas: uma decorrente da sua função típica de dar provimento jurisdicional e outra atípica de autoridade administrativa. Esse regime acaba excepcionando todo o sistema de constituição de crédito tributário e estabelece um precedente perigoso que, a nosso sentir, deixa o sistema jurídico tributário vulnerável, pois a autoridade judiciária não pode ser considerada autoridade competente para realizar constituição de crédito tributário.143

Apesar de concordarmos com o posicionamento da autora no sentido de que a autoridade judiciária não deveria ser autoridade competente para constituir crédito tributário, temos que reconhecer que o texto constitucional emendado – que não está livre de verificação acerca de sua constitucionalidade – inseriu no direito positivo essa possibilidade, e com ela, portanto, temos que trabalhar.

142 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

São Paulo: Noeses, 2013, p. 109.

Assim, admitindo-se a constituição do crédito tributário pelo Juiz do Trabalho, a questão que se coloca em seguida é com relação ao marco inicial da contagem do prazo de decadência. O prazo decadencial teria início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, conforme prevê o artigo 173, I, do CTN, ou da data do fato gerador, conforme o artigo 150, § 4º, do CTN?

Mais uma vez é Renata Elaine Silva quem empreendeu esse estudo. Vejamos suas conclusões:

Entendemos que o início da contagem do prazo de decadência deve respeitar a natureza do lançamento, uma vez que não foi criada [sic] regras diferentes para a constituição realizada pela autoridade judiciária trabalhista, assim deve respeitar o que estabelece o art. 150, § 4º, do CTN, isso é, data do fato gerador […] A data que deve ser considerada para a contagem do prazo é aquela em que ocorreu o pagamento dos salários (fato gerador).144

Esse é o posicionamento com o qual concordamos e que também tem expressão precisa nas palavras de Gustavo Nascimento Fiuza Vecchietti:

Note-se que há caducidade do direito de constituição do crédito previdenciário, em razão de o fato gerador consistir no momento em que ocorreu o pagamento dos salários do período correspondente, quando se iniciou o prazo para o INSS apurá-lo, constituí-lo e cobrá- lo. De acordo com as transcrições acima perfilhadas, não é possível instituir como requisito para início do prazo decadencial a intimação da União Federal de sentença condenatória trabalhista. E mesmo que haja a intimação do órgão arrecadador, esse ato processual em nada altera (ou permite alteração) dos dispositivos que norteiam a decadência do crédito tributário.145

144 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

São Paulo: Noeses, 2013, p. 111-112.

145 Decadência das contribuições previdenciárias através de lançamento pela sentença condenatória

trabalhista. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 20, n. 104, 2012, p. 25.

4 A DISCIPLINA DA DECADÊNCIA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO