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LIVRO II – PARTE ESPECIAL – DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUA

1.6 NATUREZA JURÍDICA

1.6.2 Direito Material ou Direito Processual

A delimitação da natureza jurídica da decadência tem utilidade científica, pois permite estabelecer como as normas devem ser aplicadas e a qual tratamento jurídico devem se submeter. Conforme alerta Tácio Lacerda Gama, a natureza jurídica “[…] é o conjunto de atributos que permite separar um instituto jurídico de outro. Segregar a natureza de um instituto jurídico serve, por sua vez, para separar o regime jurídico que fundamenta a sua instituição e interpretação”92.

Pois bem, de longa data é de conhecimento, dentre os operadores do direito, que, pelo princípio da legalidade, o surgimento do crédito tributário deve ocorrer nos termos estritos da lei. Entretanto, parece-nos certo que por paralelismo entre as formas, e também pelo princípio esculpido no artigo 50, inciso I, da Constituição da República,

90 Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 350,

91 SILVA, Renata Elaine. Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito

e segurança jurídica. São Paulo: Noeses, 2013, p. XXXIV.

92 Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p.

bem como o disposto no artigo 97, inciso VI, do Código Tributário Nacional, somente lei pode versar sobre a extinção do crédito tributário.

Não é outro o entendimento de Paulo de Barros Carvalho, que em sua obra Curso de Direito Tributário dispõe que

[…] tanto o surgimento quanto as modificações por que passam durante sua existência, e assim também a extinção das obrigações tributárias hão de ocorrer nos precisos termos da lei. Nesse terreno, o princípio da estrita legalidade impera em toda a extensão e a ele se ajunta, em vários momentos, o postulado da indisponibilidade dos bens públicos93.

Assim, por ser matéria compreendida em reserva legal, todas as causas extintivas de créditos tributários devem ter previsão legislativa.

No ordenamento jurídico vigente, o próprio Código Tributário Nacional possui um capítulo exclusivamente destinado à extinção do crédito tributário. Trata-se do capítulo IV, sendo que em seu bojo insere-se o artigo 156, que traz um rol de modalidades de extinção.

E é exatamente no inciso V, do artigo 156 que o Código Tributário Nacional expressamente insere a decadência dentre as formas de extinção do crédito tributário, ao lado da prescrição.

Ocorre, entretanto, que nem sempre a linguagem jurídica competente para reconhecer a decadência tem lugar após o lançamento, de modo a possibilitar que seja considerada como uma causa de extinção do crédito tributário.

Como detidamente analisaremos no próximo capítulo, em muitos casos o que verificamos é que a eficácia jurídica do fato decadencial atinge o próprio direito

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subjetivo do Fisco em realizar o lançamento. Paulo de Barros Carvalho formulou exemplo que bem elucida tal situação:

Digamos que uma empresa esteja sendo objeto de fiscalização por agentes da Receita Federal. Pelo conteúdo das intimações recebidas, os dirigentes da empresa percebem, claramente, que o fisco pretende isolar certa operação tributável, celebrada há mais de cinco anos, circunstância que, no entendimento do sujeito passivo, qualificaria como decadência. Expondo seu ponto de vista em requerimento fundamentado, postula o contribuinte que a Fazenda Federal reconheça ter ocorrido o fato jurídico decadencial. E isso verdadeiramente acontece. A autoridade competente, ponderando sobre as razões contidas na peça que lhe foi dirigida, acolhe o pedido, reconhecendo ter sucedido o fato da decadência e, como corolário, ter desaparecido o direito do Poder Público em lavrar o ato administrativo do lançamento tributário, com referência à situação relatada.94

Pode-se afirmar, desse modo, que a decadência tem natureza jurídica de direito tributário material, sendo, no mais das vezes, causa extintiva do crédito tributário.

No mesmo sentido é a conclusão de Renata Elaine Silva:

As normas de decadência que estabelecem a medida do tempo e sua aplicação são normas de direito material. A decadência restringe a aplicação de um direito, qual seja, de constituir o crédito tributário, de fazer nascer o direito, que em matéria tributária é representado pela constituição do crédito tributário pela fazenda pública. Ela interfere na formalização e na individualização da relação jurídica. Caso esse procedimento não seja realizado dentro do limite temporal, por meio de linguagem competente, deixa de ser tributo, extingue-se, perde a juridicidade, o que imprime uma natureza eminentemente material ao instituto.95

Contudo, bem ressalta a autora que as normas de Direito Processual também podem delimitar a matéria, desde que não interfiram em seu prazo, criando hipóteses de suspensão, impedimento ou interrupção. Isso porque toda e qualquer

94 Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 276.

95 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

norma de direito material pode ter procedimentos de Direito Processual, sem descaracterizar suas premissas.

O exemplo utilizado refere-se à prescrição, mas bem poderia servir à decadência: compara-se o enunciado do artigo 174 do CTN, que é norma de direito material, e o enunciado do artigo 40, § 4º da Lei 6.830/8096, que, ao estabelecer que o juiz pode reconhecer a prescrição de ofício, mostra-se claramente como norma de direito processual.

Consideramos que seria perfeitamente possível que um novo enunciado do Código de Processo Civil, por exemplo, viesse a dizer o mesmo acerca da decadência, ou seja, que o juiz pode reconhecê-la de ofício. Aliás, disposição semelhante já existe no ordenamento, como se depreende da leitura do enunciado do artigo 210 do novo Código Civil97.

Concluímos, portanto, pela natureza jurídica de direito material do instituto, reiterando, todavia, que mesmo institutos que são de direito material podem ser objeto, eventualmente, de normas processuais específicas, sem que isso seja suficiente para modificar a sua natureza jurídica.

96 Art. 40, § 4º. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o

juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.