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LIVRO II – PARTE ESPECIAL – DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUA

1.2 Fundamento, objetivo e justificativa

Edvaldo Pereira Brito, em sua tese de livre docência denominada Decadência e prescrição tributárias no direito brasileiro58, referindo-se especificamente à decadência, encontra o seu fundamento no fato de que nenhum direito subjetivo “[…] pode ser para a eternidade, porque seria um atentado à harmonia

57 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

São Paulo: Noeses, 2013, p. 25.

58

Decadência e prescrição tributárias no direito brasileiro. 1997. Tese (Livre docência do

Departamento de Direito Econômico e Financeiro, Área de Direito Tributário). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1997.

social, se o titular, considerando a sua eternidade, dele dispusesse quando bem o entendesse”.

Partindo do pressuposto de que o direito positivo é um instrumento de ação social, concebido para ordenar as condutas intersubjetivas, orientando-as para os valores que a sociedade quer ver realizados, Paulo de Barros Carvalho frisa que “[…] organização dessa índole não pode compadecer-se com a indeterminação, com a incerteza, com a permanência de conflitos irresolvíveis, com o perdurar no tempo, sem definição jurídica adequada, de questões que envolvam controvérsias entre sujeitos de direito”.

Isso porque, enquanto sistema, a ordem jurídica aparece exatamente como forma de superar conflitos de interesse, determinando, ainda que coercitivamente, a direção que a conduta há de seguir, em nome do bem-estar social. Ainda nas palavras do mestre:

Essa tendência à determinação e à estabilização dos comportamentos intersubjetivos nem sempre se volta, de modo imediato, ao valor justiça. Antes, persegue o equilíbrio das relações, mediante a convicção de que uma solução jurídica será encontrada: eis o primado da certeza do direito, que opera para realizar, num segundo momento, o bem maior da justiça.59

Sob essa perspectiva, entendemos ser justamente esse o objetivo da decadência: impedir situações incertas, determinando-se a duração que se deve conceder para o exercício de um direito.

Pelas mesmas razões observa Luciano Amaro que

[…] a certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, da possibilidade de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclamá-lo. […]

Por isso, esgotado certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação ou defesa desse direito.60

Mesmo antevendo que o reconhecimento da decadência poderia consolidar situações de certo modo injustas, o legislador, no mais das vezes, acaba por entender que isso ainda é preferível à incerteza jurídica. Não se quer, com tal afirmação, dar a falsa impressão de que o legislador prestigia o princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da legalidade, dando ao primeiro uma posição superior a que dá ao segundo. Ao contrário, em análise mais detida, percebemos que, assim como os direitos que se sujeitam à decadência, também as próprias fórmulas preclusivas em geral possuem previsão normativa, de modo que não seria o caso de prevalência, mas, sim, de ponderação e convivência entre os mencionados princípios.

Assim observando, Rafhael Frattari sublinha que

[…] a escolha do legislador é entre o respeito ao dever descumprido, previsto em lei, e a segurança jurídica. Obviamente, não se trata de contrapor a legalidade à segurança jurídica, porque as fórmulas preclusivas são elas próprias decorrentes da ação legislativa, e, portanto, fixadas em lei. Compõem o ordenamento da mesma forma que as normas que estatuem os deveres desobedecidos.61

Eurico Marcos Diniz de Santi62 sustenta que a função da decadência, como mecanismo de estabilização do direito, seria filtrar do direito a instabilidade decorrente do direito subjetivo ainda não formalizado ou reconhecido por ente estatal.

Em resumo, o passado não pode se eternizar. Decorrido tempo excessivo, acaba-se tornando preferível a injustiça da certeza à reparação demasiadamente tardia ao ilícito. Nos dizeres de Luciano Amaro:

60 Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Saraiva, 2004, p. 383.

61 Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Belo Horizonte: Arraes, 2010, p. 55.

62 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. 4 ed. São Paulo:

[…] o tempo apaga a memória dos fatos, e, inexoravelmente, elimina as testemunhas. Decorrido certo prazo, portanto, as relações jurídicas devem estabilizar-se, superados eventuais vícios que pudessem ter sido invocados, mas que não o foram, no tempo que legalmente assinalado, e desprezado o eventual desrespeito de direitos, que terá gerado uma pretensão fenecida por falta do exercício tempestivo.63

Todas as vezes, portanto, que o transcurso de grande lapso temporal de algum modo ameaçar o mencionado equilíbrio das relações e a certeza do direito, o sistema preverá a ocorrência de fatos extintivos ou fórmulas preclusivas, que definirão, ainda que de maneira drástica, o conflito pendente.

Resta claro, ante tais ponderações, que o estudo da decadência justifica-se na medida em que gera estabilidade das relações jurídicas e, em especial no direito tributário, faz com que o direito de constituir o crédito, por parte do Fisco, não perdure ad aeternum em desfavor do contribuinte, o que certamente geraria incerteza e incômodo social.

Assim, concordamos com Eurico Marcos Diniz de Santi, quando afirma que a decadência (como a prescrição) não é forma de fazer justiça, mas forma concreta que o direito encontrou para conviver com esse deus tão poderoso: o tempo64.

Concordamos com Pablo Siolze Gagliano e Rodolfo Pamploma Filho, para quem “[…] o exercício de direitos deve ser uma conseqüência e garantia de uma consciência de cidadania, e não uma ameaça eterna contra os sujeitos obrigados, que não devem estar submetidos indefinidamente a uma espada de Dâmocles sobre as suas cabeças”65.

63 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Saraiva, 2004, p. 383-384.

64 Decadência e prescrição no direito tributário. 4 ed. São Paulo: Max Limonad, 2011, p. 34-35. 65 Novo Curso de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 475.

Concluímos, assim, no mesmo sentido do brocardo jurídico dormientibus non succurrit jus, ou seja, o direito positivo não pode socorrer a quem permanece inerte, durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus direitos. Essa ideia traduz com perfeição a essência da decadência, que, a partir de agora, passamos a abordar mais detidamente.