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LIVRO II – PARTE ESPECIAL – DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUA

4 A DISCIPLINA DA DECADÊNCIA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

4.1 Os prazos do artigo 173, I e II, do Código Tributário Nacional e a disciplina da

4.1.2 A regra do artigo 173, II, do Código Tributário Nacional

4.1.2.1 A questão do vício formal

Cabe indagar, nesse momento, o que se entende por vício formal, eis que, por ser autorizador da reabertura de um novo prazo para o lançamento, é bastante relevante.

A questão é controversa, tanto que isso fez com que o Grupo de Investigação e análise, aglutinado pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, sob a coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, propusesse até mesmo a supressão do dispositivo que prevê a reabertura do prazo decadencial, em virtude da imprecisão do conceito154.

O dispositivo, entretanto, continua pertencendo ao sistema, razão pela qual cremos que, ante a falta de enunciado expresso no direito positivo, caberia à doutrina estabelecer o conteúdo desse termo, mediante percurso gerador de sentido.

Segundo o vasto estudo empreendido por Renata Elaine Silva, o vício formal é o erro de forma, de processo, na construção do lançamento, ou seja, na construção da norma individual e concreta que é o produto obtido do processo de lançamento155. Dessa lição podemos entender que o vício formal será o erro do processo que estiver marcado no produto, ou seja, trata-se das equivocadas marcas da enunciação no enunciado, que é o ato de lançamento.

Ainda de acordo com a autora, o processo de elaboração do produto, lançamento, inicia-se na fase de fiscalização e prossegue até a regular notificação do

154 Decadência no imposto sobre a renda: investigação e análise. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.

159.

155 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

contribuinte. Com base nisso, listou os procedimentos que podem ser considerados vícios formais.

Dada a relevância, passamos a reproduzir essa lista de vícios que autorizariam a realização de um novo lançamento, quando reconhecidos por decisão anulatória definitiva. Trata-se de lista construída a partir do que dispõem os artigos 33 a 44 do Decreto 7.574/2011, que trata do processo administrativo fiscal. Esses artigos, em especial, abordam o procedimento da construção do lançamento tributário em âmbito federal e por isso viriam a socorrer o artigo 173, II, do Código Tributário Nacional, que atribuiu ao vício de natureza formal a possibilidade de abertura de novo prazo de decadência, sem, contudo, se preocupar em delimitar o termo. Vamos, pois, aos itens156:

(i) Ausência de documento escrito, praticado por servidor competente, cientificando o sujeito passivo sobre a obrigação tributária da realização do procedimento de fiscalização;

(ii) Ausência de individualização dos autos de infração ou notificação do lançamento para cada tipo de tributo ou penalidade, exceto nos casos de regime especial unificado de arrecadação de tributo;

(iii) Ausência de instrução do auto de infração ou lançamento com os documentos que comprovem o ilícito, tais como termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova;

(iv) Ausência de servidor competente para lavratura do auto de infração;

(v) Ausência de qualificação do sujeito passivo;

(vi) Ausência de indicação do local, data e hora da lavratura; (vii) Ausência de descrição do fato;

(viii) Ausência da fundamentação e da disposição legal infringida; (ix) Ausência de notificação com determinação de prazo para

cumprimento da exigência ou impugnação no prazo de 30 dias; (x) Ausência de assinatura da autoridade administrativa e indicação

de seu cargo, função e número de matrícula, dispensada a assinatura no caso de notificação de lançamento emitida por processo eletrônico.

156 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

A Súmula nº 21 do Conselho Administrativo de Recurso Fiscais exemplifica exatamente o vício formal previsto no item “x”. Vejamos: “Súmula CARF nº 21: É nula, por vício formal, a notificação de lançamento que não contenha a identificação da autoridade que a expediu.”

Pois bem. Cabe agora diferençar o vício formal, que possibilita a reabertura de prazo para um novo lançamento, do vício material, que não permitirá a reabertura de novo prazo para constituição do crédito.

Segundo a linha de diferenciação traçada por Renata Elaine Silva157, que adotamos neste trabalho, o vício material, em contraposição ao formal, encontra-se na formação do crédito ou, melhor dizendo, no vínculo jurídico que faz nascer a obrigação de pagar o valor a título de tributo. Diz respeito, assim, à essência do lançamento, ou seja, aos elementos que compõem o fato jurídico e a relação jurídica, em especial:

(i) Ausência de hipótese de incidência, que corresponde a não comprovação de ocorrência de fato, considerando seus critérios material, espacial e temporal, em conformidade com as provas apresentadas;

(ii) Erro na formação da base de cálculo; (iii) Erro na composição da alíquota aplicável;

(iv) Erro na composição do valor devido e da penalidade aplicada;

(v) Erro na composição do sujeito ativo e passivo (note-se que a autora coloca como erro formal a fata de qualificação e aqui o erro é na

157 Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica.

composição, não na mera qualificação), incluindo a atribuição de responsabilidade.

Outra questão que se relaciona diretamente à regra ora em estudo diz respeito à autoridade que pode proferir a decisão anulatória do lançamento por vício formal. Seria somente a autoridade administrativa ou também a autoridade judiciária? O comando jurídico introduzido pelo inciso não responde a essa indagação de maneira expressa, o que é suficiente para gerar controvérsias a respeito.

Entendemos que o contribuinte, ao se deparar com um ato de lançamento formalmente viciado, pode, a fim de proteger o seu direito, optar tanto pela via administrativa como pela via judicial, em razão do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Necessário advertir, todavia, que, se por um lado o contribuinte não precisa esgotar as vias administrativas para recorrer ao Poder Judiciário, por outro ele não pode optar por ambas as vias de maneira concomitante.

Como dispõe o artigo 38 da Lei nº 6.830/80158, a opção pela via judicial antes da apreciação final na via administrativa implica em renúncia desta última. Isso porque a decisão judicial transitada em julgado sempre prevalecerá em face da decisão administrativa.

158

“Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução,

na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

Parágrafo Único - A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.” (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe

sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 13 maio 2013, grifo nosso).

Nesse sentido, também, é a Súmula nº 1 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais:

Súmula CARF nº 1: Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial.

Feita essa observação, podemos concluir no sentido de que a decisão que reconhece o vício formal, ensejando a reabertura de prazo para um novo lançamento, pode ser proferida tanto na esfera administrativa, como na esfera judicial.

Nosso entendimento, neste particular, converge com o magistério de Zelmo Denari159:

O dispositivo, como se vê, supõe a fluência do segundo termo decadencial e acede à reabertura de novo termo, se, por vício formal, for proferida decisão – e aqui, tanto se pode falar em decisão administrativa como em judicial – anulatória do lançamento anteriormente efetuado, vale dizer, anulatória do procedimento em curso.

4.2 O prazo do artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional e a