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A JUVENTUDE DE KRISHNA

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 55-71)

Ao pé do monte Meru se estendia um fresco vale coberto de pastagens e dominado por imensas florestas de cedro, onde sopravam os ventos puros do Himavat. Naquele distante vale habitava uma tribo de pastores, sobre a qual reinava o patriarca Nanda, amigo dos anacoretas. Foi ali que Devac encontrou refúgio contra as perseguições do tirano de Madura; e foi ali, na morada de Nanda, que pôs no mundo seu filho Krishna. Excetuando Nanda, ninguém sabia quem era a estrangeira e nem a origem de seu filho. As mulheres da região diziam simplesmente: “É um filho dos Gandarvas. (1). Os músicos de Indra devem ter presidido aos amores desta mulher, que se assemelha a uma ninfa celeste, a uma Apsara”.

O prodigioso filho da mulher desconhecida cresceu entre rebanhos e pastores, sob a vigilância da mãe. Os pastores chamaram-no “o Radiante”, porque somente sua presença, seu sorriso e seus olhos profundos tinham o dom de espalhar alegria. Animais, crianças, mulheres, homens, todo o mundo o amava, e ele parecia amar a todo o mundo, sorrindo para a mãe, brincando com as ovelhas e as crianças de sua idade, ou conversando com os velhos. O menino Krishna era destemido, cheio de audácia e de ações surpreendentes. Algumas vezes encontravam-no, nos bosques, deitado na relva, abraçando pequenas panteras e mantendo-lhes a boca aberta sem que elas ousassem mordê- lo. Ele vivia também momentos súbitos de imobilidade, de profundos espantos e estranhas tristezas. Então se mantinha isolado, sério, absorto, com o olhar vago como se nada visse. Mas, acima de todas as coisas e de todos os seres, Krishna adorava sua jovem mãe, tão bela, tão radiosa, que lhe falava do céu dos Devas, de combates heróicos e das maravilhas que aprendera com os anacoretas. E os pastores que conduziam seus rebanhos sob os cedros do monte Meru diziam: “Quem será esta mãe e este filho? Ainda que vestida como nossas mulheres, ela parece uma rainha. O filho, maravilhoso, é educado com os nossos, e, entretanto,

não se assemelha a eles. Será um gênio? Será um deus? Seja ele quem for, só nos trará felicidade”.

Quando Krishna. completou quinze anos, Devac foi chamada pelo chefe dos anacoretas. Um dia, ela desapareceu sem dizer adeus ao filho. Krishna, não a vendo, procurou o patriarca Nanda, perguntando-lhe:

– Onde está minha mãe?

Nanda respondeu, abaixando a cabeça:

– Meu filho, não me interrogues. Tua mãe partiu para uma longa viagem. Voltou para a região de onde veio, e não sei quando voltará.

Krishna nada respondeu, mas caiu num devaneio tão profundo que todas as crianças se afastavam dele, dominadas por um temor supersticioso. Krishna abandonou os companheiros, as brincadeiras e, perdido em seus pensamentos, foi sozinho para o monte Meru. Vagou assim por várias semanas. Certa manhã, subiu em um pico arborizado, cuja vista se estendia por toda a cadeia do Himavat. De repente, à luz matinal, percebeu junto de si um ancião com roupa branca de anacoreta, de pé sob os cedros gigantes. Parecia um velho de cem anos. Sua barba branca como neve e sua fronte calva fulguravam de majestade. O menino cheio de vida e o centenário olharam-se por longo tempo. Os olhos do velho pousavam com complacência sobre Krishna, que, de tão maravilhado ao vê-lo, ficou mudo de admiração. Embora o visse pela primeira vez, parecia conhecê-lo.

– Quem procuras? perguntou enfim o velho. – Minha mãe.

– Ela não está mais aqui. – Onde poderei encontrá-la?

– Junto d’Aquele que não muda jamais. – E como irei encontrá-lo?

– Procura.

– E tu, tornarei a ver-te?

– Sim. Quando a filha da Serpente impelir o filho do Touro ao crime, tu me verás de novo em uma aurora purpúrea. Então, degolarás o Touro e esmagarás a cabeça da Serpente. Filho de Maadeva, fica

sabendo que tu e eu formamos um só com Ele! Procura-O! Procura, procura sempre!

Então o velho estendeu as mãos abençoando-o. Depois voltou-se e caminhou sob os altos cedros na direção do Himavat. Repentinamente pareceu a Krishna que aquela forma majestosa se tornava transparente e depois, tremulando, desapareceu sob o brilho das ramagens pontiagudas, numa vibração luminosa

Quando Krishna desceu do monte Meru parecia transformado. Uma nova energia irradiava de todo o seu ser. Reuniu os companheiros e lhes disse: “Vamos lutar contra os touros e as serpentes; vamos defender os bons e abater os maus!” Com o arco nas mãos e espada na cinta, Krishna e seus companheiros, os filhos dos pastores transformados em guerreiros, puseram-se a percorrer as florestas lutando contra as feras. No fundo dos bosques, ouviam-se uivos de hienas, de chacais e de tigres e os gritos de triunfo dos jovens diante dos animais abatidos. Krishna matou e subjugou leões; lutou contra reis e libertou tribos oprimidas. A tristeza, porém, permanecia no fundo do seu coração, onde existia somente um desejo profundo, misterioso e inconfessado: reencontrar sua mãe e rever o estranho, aquele sublime ancião. Recordava-se das palavras dele e dizia consigo: “Não me prometeu ele que eu o tomaria a ver, quando esmagasse a cabeça da serpente? Não me disse ele que eu reencontraria minha mãe junto d’Aquele que não muda jamais?” No entanto, ele já tinha cumprido o seu destino de lutar, vencer e matar, e não tinha ainda revisto nem o velho sublime nem sua radiosa mãe.

Um dia, ouviu falar de Calaieni, o rei das serpentes, e foi, então, pedir para lutar com a mais terrível delas, em presença do feiticeiro negro. Diziam que esse animal, adestrado por Calaieni, já havia devorado centenas de homens e que seu olhar enregelava de pavor os mais corajosos. Ao chamado de Calaieni, Krishna viu sair do fundo do tenebroso templo de Cali um longo réptil de um azul esverdeado. A serpente lentamente ergueu o corpanzil, intumesceu sua crista vermelha e seus olhos penetrantes se iluminaram na monstruosa cabeça coberta de escamas reluzentes.

Calaieni disse:

– Esta serpente sabe muitas coisas. É um demônio poderoso. Mas só as revelará àquele que a matar, e ela mata aqueles que sucumbem. Ela te viu, olha-te e estás sob o seu domínio. Não te resta senão adorá-la ou perecer em uma luta insensata.

A estas palavras, Krishna se indignou pois sentia que seu coração era como a ponta do raio. Fixando o olhar na serpente, ele se atirou sobre ela, apertando-lhe o pescoço. Homem e serpente rolaram pelos degraus do templo. Mas, antes que o réptil conseguisse enlaçá-lo com seus anéis, Krishna decepou-lhe a cabeça com sua espada, e livrando-se do corpo que se torcia ainda, o jovem vencedor ergueu a cabeça da serpente com a mão esquerda, triunfalmente. Entretanto, a cabeça ainda vivia e, olhando sempre para Krishna, lhe disse:

– Por que me mataste, filho de Maadeva? Acreditas encontrar a verdade matando os vivos? Insensato, somente a encontrarás quanto tu próprio agonizares. A morte está na vida e a vida está na morte. Teme a filha. da serpente e o sangue derramado. Toma cuidado! Toma cuidado! – assim falando, a serpente morreu.

Krishna deixou cair a cabeça que segurava e foi-se embora, cheio de horror. Calaieni então declarou:

– Nada posso contra este homem; somente Cali poderá dominá-lo com seu encanto.

Após um mês de abluções e orações às margens do Ganges, e depois de ser purificado na luz do sol e no pensamento de Maadeva, Krishna voltou à sua terra natal, para junto dos pastores do monte Meru.

Sobre os bosques de cedro, a lua de outono exibia seu globo resplandecente, e o ar da noite se embalsamava com o perfume dos lírios selvagens, em tomo dos quais, ao longo do dia, sussurram as abelhas. Sentado à sombra de um grande cedro, na orla de uma clareira, Krishna, cansado dos inúteis combates terrenos, sonhava com combates celestes e com o infinito do céu. Quanto mais pensava em sua radiante mãe e no sublime ancião, mais suas façanhas infantis lhe pareciam desprezíveis e mais as coisas do céu se tornavam vivas para ele. Um encanto consolador, uma divina nostalgia o inundava totalmente. Então,

um hino de reconhecimento a Maadeva brotou-lhe no coração e extravasou por seus lábios numa melodia suave e divina.

Atraídas por esse canto maravilhoso, as Gopis, filhas e mulheres dos pastores, saíram de sua morada. As primeiras, tendo percebido os velhos da família em seu caminho, voltaram logo para casa, procurando dar a impressão de que estavam colhendo flores. Algumas continuaram adiante, chamando: Krishna! Krishna! Depois fugiram envergonhadas. Animando-se pouco a pouco, as mulheres cercaram Krishna em grupos, como gazelas tímidas e curiosas, encantadas por suas melodias. Mas ele, perdido no sonho com os deuses, não as via. Cada vez mais excitadas com aqueles cânticos, as Gopis começaram a se impacientar por não serem notadas. Nichidali, filha de Nanda, estava desfalecida, de olhos cerrados, numa espécie de êxtase. No entanto, Sarasvati, sua irmã, mais ousada, deslizou para junto do filho de Devac e bem próximo, com uma voz acariciante, disse:

– Krishna, não vês que te escutamos e não podemos mais dormir em nossas casas? Adorável herói, tuas melodias nos encantaram! E eis- nos aqui presas à tua voz, não podemos mais passar sem ti!

– Oh! Continua cantando – disse outra jovem -; ensina-nos a modular nossa voz!

– Ensina-nos a dançar - pede outra mulher.

E Krishna, despertando de seu sonho, olhou com benevolência para as Gopis. Dirigiu-lhes palavras doces e, tomando-lhes a mão, fê-las sentarem na relva, à sombra dos grandes cedros, sob o luar fulgurante. Contou-lhes, então, o que tinha visto em si mesmo: a história dos deuses e dos heróis, as guerras de Indra, e as proezas do divino Rama. Mulheres e moças ouviam encantadas as narrativas que se prolongaram até a aurora. Quando a aurora rosada subia por trás do monte Meru e os coquilas começavam a gorjear sob os cedros, as mulheres e as filhas dos gopas voltaram furtivamente para suas moradas. Mas, nos outros dias seguintes, assim que a lua mágica mostrava sua face, elas voltavam cada vez mais ávidas.

Krishna, vendo que elas se exaltavam com suas narrativas, ensinou- lhes a cantar com suas próprias vozes e a representar com seus próprios

gestos as ações sublimes dos heróis e dos deuses. Para algumas deu vinas de cordas frementes como almas, para outras, címbalos sonoros como corações de guerreiros, ou tambores que imitam o trovão. E, escolhendo as mais belas, animava-as com seus pensamentos. Desta maneira, com os braços estendidos, andando e se movendo como em um sonho divino, as bailarinas sagradas representavam a majestade de Varuna, a cólera de Indra matando o dragão ou o desespero de Maia repudiada. E, então, os combates e a glória eterna dos deuses que Krishna contemplara em si mesmo reviviam naquelas mulheres felizes e transfiguradas.

Certa manhã. as Gopis se dispersaram. Ao longe perdiam-se os timbres de seus variados instrumentos, de seus cantos e risos. Krishna, tendo ficado só sob o grande cedro, chamou para junto de si as duas filhas de Nanda: Sarasvati e Nichidali. Sentaram-se elas a seu lado. Sarasvati, enlaçando o pescoço de Krishna e fazendo ressoar seus braceletes, disse-lhe:

– Ensinando-nos os cantos e as danças sagradas, fizeste de nós as mais felizes das mulheres. Mas seremos as mais infelizes de todas quando nos deixares. O que será de nós quando não mais te virmos? Oh! Krishna! Casa conosco! Minha irmã e eu seremos tuas esposas fiéis e nossos olhos não sentirão a dor de te perder.

Enquanto Sarasvati assim falava, Nichidali cerrou as pálpebras como se caísse em êxtase.

– Nichidali, por que fechar os olhos? – perguntou Krishna.

– Ela está com ciúme – respondeu Sarasvati, rindo -, e não quer ver meus braços ao redor de teu pescoço.

– Não – respondeu Nichidali, corando. Fecho os olhos para contemplar tua imagem que está gravada no mais profundo do meu ser. Krishna, tu podes partir que eu jamais te perderei! ...

Krishna tornara-se pensativo. Sorrindo, desprendeu os braços de Sarasvati, apaixonadamente atados em seu pescoço. Depois, olhou alternadamente as duas mulheres e abraçou-as. Pousou primeiro a boca sobre os lábios de Sarasvati, e depois sobre os olhos de Nichidali. Naqueles dois longos beijos, o jovem Krishna pareceu experimentar e

saborear todas as volúpias da terra. Mas, de repente, estremeceu e exclamou:

– És bela, Sarasvati! Teus lábios têm o perfume do âmbar e de todas as flores! Tu és adorável, Nichidali! Tuas pálpebras ocultam os olhos profundos e sabes olhar para dentro de ti. Amo todas as duas... Mas como poderei desposá-las, uma vez que meu coração teria que se dividir?

Ah! Ele jamais amará! – clamou Sarasvati com despeito. – Eu só amarei com um amor eterno!

– O que é preciso para que ames assim? – perguntou Nichidali com ternura.

Krishna se levantara; seus olhos chamejavam.

– Para amar com um amor eterno? – falou ele, divagando. É preciso que a luz do dia se extinga, que o raio atinja meu coração e que minha alma escape de mim para o fundo do céu!

Enquanto ele falava, pareceu às jovens que sua estatura aumentava. Repentinamente, tiveram medo dele e voltaram para casa chorando.

Sozinho, Krishna tomou o caminho do monte Meru.

Na noite seguinte, as Gopis se reuniram mais uma vez para os folguedos costumeiros. Inutilmente, porém, esperaram o mestre. Ele havia desaparecido, deixando-lhes apenas uma essência, um perfume de seu ser: os cantos e as danças sagradas.

(1). Gênios que, em toda a poesia hindu, são tidos como executores dos casamentos de amor.

(2). É uma crença corrente na Índia que os grandes ascetas podem se manifestar à distância sob uma aparência visível, enquanto seu corpo continua submerso num sono cataléptico.

V INICIAÇÃO

O rei Cansa, tendo sabido que sua irmã Devac vivera entre os anacoretas e não tendo podido descobri-la, pôs-se a persegui-los e a caçá-los como animais selvagens. Eles, então, foram obrigados a se refugiar na parte mais distante e mais agreste da floresta. Então, seu chefe, o velho Vasichita, apesar da idade de cem anos, empreendeu uma longa caminhada para falar ao rei de Madura.

Os guardas viram, com espanto, um velho cego, guiado por uma gazela que ele segurava por uma trela, aparecer nos portões do palácio. Tomados de respeito pelo richi, deixaram-no passar. Vasichita se aproximou do trono onde Cansa estava sentado ao lado de Nisumba e disse:

– Cansa, rei de Madura, desgraçado de ti, filho do Touro, pois persegues os solitários da floresta santa! Desgraçada de ti, filha da Serpente, porque insuflas o ódio. Aproxima-se o dia do vosso castigo. Sabei que o filho de Devac está vivo. Ele virá coberto por uma armadura de escamas infrangíveis e te expulsará do trono que usurpas na ignomínia. De hoje em diante, tremei e vivei no pavor. Este é o castigo que os Devas vos destinam!

Os guerreiros, os guardas, os servidores tinham se prostrado diante do santo centenário, que se retirou conduzido por sua gazela, sem que ninguém ousasse tocá-lo. Mas, a partir daquele dia, Cansa e Nisumba sonhavam apenas com os meios de fazer desaparecer secretamente o rei dos anacoretas. Devac estava morta e ninguém, excetuando Vasichita, sabia que Krishna era seu filho.

Entretanto, já tinha chegado aos ouvidos do rei o rumor das proezas de Krishna. Cansa pensou: “Tenho necessidade de um homem forte para me defender. Aquele que matou a grande serpente de Calaieni não terá medo do anacoreta”. Então, mandou dizer ao patriarca Nanda: “Envia-me o jovem herói, Krishna. para que eu faça dele o condutor de meu carro e meu primeiro conselheiro (1) ". Nanda participou a Krishna

a ordem do rei, e sua resposta foi: “Eu irei”. Particularmente, ele pensava: “Será o rei de Madura aquele que não muda jamais? Por meio dele saberei onde está minha mãe”.

Cansa, vendo a força, a destreza e a inteligência de Krishna, agradou-se dele e confiou-lhe a guarda de seu reino. Nisumba, porém, diante do herói do monte Meru, estremeceu na carne com um desejo impuro, e seu espírito sutil tramou um projeto tenebroso, guiado por um pensamento pecaminoso. Sem que o rei soubesse, ela mandou chamar o condutor do carro em seu gineceu. Diabólica, ela possuía a arte de rejuvenescer momentaneamente por meio de filtros poderosos. O filho de Devac encontrou Nisumba com os seios de ébano desnudos sobre um leito de púrpura; anéis de ouro envolviam seus tornozelos e braços; um diadema de pedras preciosas brilhava em sua fronte. A seus pés ardia um defumador de cobre, de onde se evolava uma nuvem de perfume. Assim falou a filha do rei das serpentes:

– Krishna, tua fronte é mais serena do que a neve do Himavat e teu coração é como a ponta do raio. Em tua inocência resplandeces mais do que os reis da terra. Aqui ninguém te reconheceu; tu ignoras a ti mesmo. Somente eu sei quem tu és. Os Devas fizeram de ti o senhor dos homens, mas só eu poderei fazer de ti o senhor do mundo. Queres?

– Se é Maadeva quem fala por tua boca,– disse Krishna com a fisionomia séria – poderás me revelar onde está minha mãe e onde encontrarei o grande ancião que me falou sob os cedros do monte Meru.

– Tua mãe? – retrucou Nisumba com um sorriso desdenhoso. Certamente não será por mim que o saberás. Quanto ao teu ancião, não o conheço. Insensato! Persegues sonhos e não vês os tesouros da terra que te ofereço. Há reis que sustentam uma coroa e não são reis. Há filhos de pastores que trazem estampada a realeza na fronte e, no entanto, desconhecem sua própria força. Tu és forte, jovem, belo e os corações te pertencem. Mata o rei quando ele estiver dormindo que eu colocarei a coroa em tua cabeça e serás o senhor do mundo. Pois eu te amo e és predestinado para mim. Eu o quero! Eu o ordeno!

Assim falando, a rainha erguera-se imperiosa, fascinante, terrível como uma bela serpente. De pé sobre o leito, com seus olhos negros ela

lançou um jato de luz tão sombria nos olhos límpidos de Krishna, que ele estremeceu de espanto. Naqueles olhares apareceu-lhe o inferno. Ele viu, então, o abismo do templo de Cali, a deusa do Desejo e da Morte, e serpentes que lá se retorciam como numa agonia eterna. Subitamente, os olhos de Krishna pareceram duas espadas, que atravessaram a rainha de um lado ao outro. E o herói do monte Meru gritou:

– Eu sou fiel ao rei que me tomou como seu defensor, mas tu, saibas que morrerás!

Nisumba soltou um grito lancinante e rolou sobre o leito mordendo a púrpura. Toda sua juventude fictícia evaporara-se e ela voltou a ser velha e encarquilhada. E Krishna retirou-se, deixando-a entregue à sua cólera.

Atormentado dia e noite pelas palavras do velho anacoreta, o rei de Madura disse a seu condutor de carro:

– Desde que o inimigo pôs o pé em meu palácio não durmo mais em paz. Um mágico infernal chamado Vasichita, que vive numa profunda floresta, veio lançar-me sua maldição. Desde então não respiro; o velho envenenou meus dias. Mas contigo, que nada temes, eu não o temo também. Vem comigo à floresta maldita. Um espião, que conhece todas as sendas, nos conduzirá até ele. Assim que o vires, corre até ele e atinge-o antes que possa dizer uma única palavra ou lançar-te um olhar. Quando ele estiver ferido mortalmente , pergunta-lhe onde está o filho de minha irmã, Devac e qual é o seu nome. A paz de meu reino depende deste mistério.

– Fica tranqüilo, respondeu Krishna, eu não tive medo de Calaieni nem da serpente de Cali. Quem poderia me fazer tremer agora? Por mais poderoso que seja este homem, eu saberei o que ele te oculta.

Disfarçados em caçadores, o rei e seu guia saíram num carro puxado por cavalos fogosos e rodas rápidas. O espião, que tinha explorado a floresta, mantinha-se atrás deles. Era o começo da estação das chuvas. Os rios aumentavam de volume, uma vegetação densa cobria os caminhos e a fila branca das cegonhas se mostrava acima das nuvens. Quando eles se aproximaram da floresta sagrada, o horizonte

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 55-71)