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A TRADIÇÃO MONOTEÍSTA E OS PATRIARCAS DO DESERTO

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 127-135)

A revelação é tão velha quanto a humanidade consciente. Efeito da inspiração, ela remonta à noite dos tempos. Basta um olhar atento nos livros sagrados do Irã, da Índia e do Egito, para nos assegurarmos de que as idéias-mães da doutrina esotérica constituem sua base oculta, mas vívida. Nelas se encontra a alma invisível, o princípio gerador daquelas grandes religiões. Todos os grandes iniciadores perceberam, em um dado momento de sua vida, a irradiação da verdade central. No entanto, a luz que dela colheram rompeu-se e coloriu-se conforme seu gênio e seu mistério, de acordo com os tempos e os lugares.

Atravessamos a iniciação ariana com Rama, a bramânica com Krishna, a de Ísis e Osíris com os sacerdotes de Tebas. Podemos negar, depois disto, que o princípio imaterial do Deus supremo, que constitui o dogma essencial do monoteísmo e a unidade da natureza tenha sido ignorado pelos brâmanes e pelos sacerdotes de Âmon-Rá? Sem dúvida, eles não faziam o mundo nascer de um ato instantâneo, de um capricho da divindade como nossos teólogos primários. Mas, sábia e gradualmente, pelo caminho da emanação e da evolução, eles arrancavam o visível do invisível, o Universo das profundezas insondáveis de Deus.

A dualidade macho e fêmea saía da unidade primitiva, a trindade viva do homem e do Universo saía da dualidade criadora e assim sem interrupção. Os números sagrados constituíam o verbo eterno, o ritmo e o instrumento da divindade. Contemplados com maior ou menor lucidez e força, eles evocavam no espírito do iniciado a estrutura interna do mundo através de sua própria estrutura. Assim como a nota certa,

extraída por meio de um arco de um vidro coberto de areia, desenha em miniatura as formas harmoniosas das vibrações que enchem o vasto reino do ar com suas ondas sonoras.

Mas o monoteísmo esotérico do Egito jamais saiu dos santuários. Sua ciência sagrada conservou-o como privilégio de uma pequena minoria. Os inimigos de fora começavam a atacar vivamente aquele antigo baluarte de civilização. Na época a que chegamos, século XII antes de Cristo, a Ásia naufragava no culto da matéria. A Índia já marchava, a passos largos, para sua decadência. Um poderoso império erguera-se às margens do Eufrates e do Tigre! Babilônia, aquela cidade colossal e monstruosa, desvairando os povos nômades que rondavam em torno. Os reis da Assíria se proclamavam monarcas das quatro partes do mundo e aspiravam a assentar-se os limites de seu império lá mesmo onde termina a terra. Eles aniquilavam os povos, deportavam- nos em massa, reuniam-nos em brigada e os lançavam uns contra os outros. Nem direitos pessoais, nem respeito humano, nem princípio religioso, porém a ambição pessoal sem freio, tal era a lei dos sucessores de Ninus e de Semíramis.

A ciência dos sacerdotes caldeus era profunda, mas muito menos pura, menos elevada e menos eficaz do que a dos sacerdotes egípcios. No Egito, a autoridade permaneceu com a ciência. O sacerdócio lá exerceu sempre um poder moderador sobre a realeza. Os faraós foram seus discípulos e jamais se tornaram odiosos déspotas como os reis de Babilônia, onde, ao contrário, o sacerdócio esmagado foi, desde o princípio, só um instrumento da tirania. Em um baixo-relevo de Nínive, vê-se Nemrod, gigante atarracado, estrangulando com seu braço monstruoso um filhote de leão que ele aperta contra o peito. Símbolo expressivo: foi assim que os monarcas da Assíria sufocaram o leão iraniano, o povo heróico de Zoroastro, assassinando seus pontífices, degolando os colegas magos, espoliando seus reis. Se os richis da Índia e os sacerdotes do Egito fizeram a Providência reinar com certa moderação sobre a terra, mediante sua sabedoria, pode-se dizer que o reino de Babilônia foi o reino do Destino, isto é, da força bruta e cega. Babilônia tornou-se assim o centro tirânico da anarquia universal, o

espectador impassível da tempestade social que envolvia a Ásia em seus turbilhões; espectador impassível do Destino, sempre aberto, espreitando as nações para devorá-las.

O que podia o Egito contra a torrente invasora? Faltou pouco para os hicsos o devorarem. Resistia valentemente, mas isto não podia durar para sempre. Decorridos seis séculos, o ciclone persa, sucedendo ao ciclone babilônico, iria varrer seus templos e seus faraós. O Egito, que, aliás, possuiu no mais alto grau o gênio da iniciação e da conservação, jamais possuiu o gênio da expansão e da propaganda. Os tesouros acumulados de sua ciência iriam perecer? A maior parte certamente foi enterrada. E quando vieram os alexandrinos somente fragmentos puderam ser desenterrados.

Entretanto, dois povos de gênio oposto acenderam suas tochas naqueles santuários, tochas de raios diversos, um dos quais ilumina as profundezas do céu, e o outro clareia e transfigura a terra: Israel e Grécia.

A importância do povo de Israel para a história da humanidade salta aos olhos, logo à primeira vista, por duas razões. A primeira é que ele representa o monoteísmo; a segunda é que ele deu origem ao cristianismo. Mas, o fim providencial da missão de Israel somente se revela a quem, interpretando os símbolos do Antigo e do Novo Testamento, percebe que eles encerram toda a tradição esotérica do passado, ainda que sob uma forma muitas vezes alterada (no que concerne ao Antigo Testamento sobretudo), pelos numerosos redatores e tradutores, a maior parte dos quais ignoravam o seu sentido primitivo. Então, o papel de Israel torna-se claro. Pois este povo forma como que o elo necessário entre o antigo e o novo ciclo, entre o Oriente e o Ocidente.

A idéia monoteísta tem por conseqüência a unificação da humanidade sob um mesmo Deus e sob uma mesma lei. Porém, enquanto os teólogos tiverem de Deus uma idéia infantil e os homens de ciência o ignorarem e o negarem pura e simplesmente, a unidade moral, social e religiosa de nosso planeta não passará de um piedoso desejo ou um postulado da religião e da ciência impotentes para realizá-la. Ao

contrário, esta idéia orgânica se revela possível quando se reconhece, esotérica e cientificamente, no princípio divino a chave do mundo e da vida, do homem e da sociedade em sua evolução. Enfim, o cristianismo, isto é, a religião do Cristo, só se revela em sua altura e sua universalidade, mostrando-nos sua reserva esotérica. Somente então ele se mostra como a resultante de tudo o que o precedeu, sintetizando em si os princípios, o fim e os meios da regeneração total da humanidade. Não é senão em nós, desvendando seus últimos mistérios, que ele se tornará o que é verdadeiramente: a religião da promessa e da realização, quer dizer, da iniciação universal.

Moisés, iniciado egípcio e sacerdote de Osíris, foi incontestavelmente o organizador do monoteísmo. Por, seu intermédio, esse princípio, até então oculto sob o tríplice véu dos mistérios, saiu do fundo do templo para entrar no círculo da história. Moisés teve a audácia de fazer do mais alto princípio da iniciação o dogma único de uma religião nacional, e a prudência de revelar suas conseqüências somente a um pequeno número de iniciados, impondo-o à massa pelo temor. Além disso, o profeta do Sinai evidentemente teve visões longínquas que ultrapassavam de muito os destinos de seu povo.

A religião universal da humanidade, eis a verdadeira missão de Israel, que poucos judeus compreenderam, além de seus maiores profetas. Esta missão, para se concretizar, supunha o desaparecimento do povo que a representava. A nação judaica se dispersou aniquilada. A idéia de Moisés e dos Profetas venceu e cresceu. Desenvolvida, transfigurada pelo cristianismo, retomada pelo Islão, ainda que de um modo inferior, ela devia impor-se ao Ocidente bárbaro, reagir sobre a própria Ásia. Doravante a humanidade terá, inutilmente, agido, se revoltado, se debatido contra ela em sobressaltos convulsivos, pois tornará a girar em redor daquela mesma idéia central como a nebulosa em redor do Sol que a organiza. É essa a obra formidável de Moisés.

Para realizar essa empresa, a mais colossal desde o êxodo pré- histórico dos árias, Moisés encontrou um instrumento, já pronto, nas tribos hebraicas, particularmente naquelas que, tendo-se fixado no Egito, no vale de Gochen, ali viviam em regime de escravidão, sob o

nome de Beni-Jacó. Para o estabelecimento de uma religião monoteísta, ele tivera também precursores na pessoa dos reis nômades e pacíficos que a Bíblia nos apresenta sob a figura de Abraão, de Isac e de Jacó.

Consideremos esses hebreus e esses patriarcas. Tentaremos, em seguida, destacar a figura de seu grande Profeta das miragens do deserto e das sombrias noites do Sinai, onde ribomba o raio do Jeová legendário.

Há séculos, há milhares de anos eram conhecidos os ibrins, nômades infatigáveis, eternos exilados (1). Irmãos dos árabes, os hebreus eram, como todos os semitas, o resultado de uma antiga mistura da raça branca com a raça negra. Peregrinaram pelo norte da África, sob o nome de bedones (beduínos), homens sem morada e sem leito, depois, instalaram suas tendas móveis nos vastos desertos entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico, entre o Eufrates e a Palestina. Amonitas, elamitas, edomitas, todos esses viajores se assemelhavam. Tinham por veículo o burro ou o camelo; por casa, a tenda; por único bem, manadas errantes como eles mesmos e sempre apascentando em terra estrangeira. Como seus ancestrais, os guiborinos, como os primeiros celtas, esses rebeldes odiavam a pedra talhada, a cidade fortificada, a corvéia e o templo de pedra. No entanto, as cidades monstros de Babilônia e de Nínive, com seus palácios gigantescos, seus mistérios e suas libertinagens, exerciam uma irresistível fascinação sobre esses semi- selvagens. Atraídos a essas prisões de pedra, capturados pelos soldados dos reis da Assíria, alistados em seus exércitos, eles às vezes se entregavam às orgias de Babilônia. Outras vezes também os israelitas se deixavam seduzir pelas moabitas, aquelas atrevidas enganadoras, de pele negra, de olhos luzentes. Elas os arrastavam à adoração dos ídolos de pedra e de madeira e até ao culto de Moloque. Mas, de repente, a sede do deserto os acometia e eles fugiam. Voltando para os agrestes vales, onde só se ouvia o rugido das feras; para as planícies imensas, onde só se podiam guiar pelas luzes das constelações, sob o frio olhar daqueles astros que seus avós tinham adorado, eles tinham vergonha de si mesmos. Se, então, um patriarca, um homem inspirado lhes falasse do Deus único, de Elelion, de Eloim, de Sebaote, o Senhor dos exércitos

que tudo vê e pune o culpado, aquelas crianças selvagens e sangüinárias cobriam a cabeça e, ajoelhando-se para rezar, deixavam-se conduzir como ovelhas.

E, pouco a pouco, a idéia do grande Eloim, do Deus único, todo- poderoso, enchia sua alma, como no Padan-Harran o crepúsculo confunde todos os acidentes do terreno sob a linha infinita do horizonte, inundando as cores e as distâncias sob a igualdade esplêndida do firmamento e transformando o Universo em uma só massa de trevas coroada por uma esfera cintilante de estrelas.

Porém, quem eram os Patriarcas? Abram, Abraão, ou o pai Oram era um rei de Ur, cidade da Caldéia, próxima de Babilônia. Os assírios o representavam, segundo a tradição, sentado em um trono, fisionomia benevolente (2). Esse personagem, bastante velho, que passou pela história mitológica de todos os povos, pois que Ovídio o cita (3), é aquele mesmo que a Bíblia nos apresenta como emigrando do país de Ur para o país de Canaã, à voz do Eterno: “O Eterno lhe apareceu e lhe disse: Eu sou o Deus forte, todo-poderoso. Marcha diante de minha face e em integridade... Estabelecerei minha aliança entre mim e ti e entre a posteridade para ser uma aliança eterna, a fim de que eu seja teu Deus e o Deus da tua posteridade depois de ti” (Gen. XVI, 17, XVII,7). Esta passagem, traduzida em linguagem de nossos dias, significa que um chefe semita de nome Abraão, muito velho, que provavelmente recebera a iniciação caldaica, sentiu-se impelido pela voz interior a conduzir sua tribo na direção do Oeste e lhe impôs o culto de Eloim.

O nome de Isac, pelo prefixo Is, parece indicar uma iniciação egípcia, enquanto que os de Jacó e de José deixam entrever uma origem fenícia. Seja o que for, é provável que os três patriarcas tenham sido três chefes de populações diversas que viveram em épocas distantes. Muito tempo depois de Moisés, a lenda israelita os reuniu em uma só família. Isac tornou-se o filho de Abraão, Jacó o filho de Isac. Esta maneira de representar a paternidade intelectual pela paternidade física era muito usada entre os antigos sacerdotes. Dessa genealogia lendária ressalta um fato capital: a filiação do culto monoteísta através dos patriarcas iniciados do deserto. Que esses homens tenham tido pressentimentos

interiores das revelações espirituais sob forma de sonhos ou mesmo de visões no estado de vigília, isto em nada contraria a ciência esotérica, nem a lei física universal que rege as almas e os mundos. Esses fatos tomaram, na narrativa bíblica, a forma simples de visitas de anjos que se alojam nas tendas.

Teriam tido, esses patriarcas, uma visão profunda da espiritualidade de Deus e dos fins religiosos da humanidade? Sem dúvida alguma. Inferiores, na ciência positiva, aos magos da Caldéia como aos sacerdotes egípcios, provavelmente eles os ultrapassavam pela elevação moral e pela largueza de alma que uma vida errante e livre ocasiona. Para eles, a ordem sublime que Eloim implantou no Universo se traduz na ordem social em culto familiar, em respeito por suas mulheres, em amor apaixonado pelos filhos, em proteção a toda a tribo, em hospitalidade para com o estrangeiro. Em resumo, aqueles “velhos pais” são árbitros naturais entre as famílias e as tribos. Seu bastão patriarcal é um cetro de eqüidade. Eles exercem uma autoridade civilizadora e transpiram a mansuetude e a paz. Aqui e ali, sob a legenda patriarcal, vê-se manifestar-se o pensamento esotérico. Assim, quando em Betel, Jacó vê em sonho uma escada, com Eloim no alto e os anjos subindo e descendo seus degraus, reconhece-se ali uma forma popular, um resumo judaico da visão de Hermes e da doutrina da evolução descendente e ascendente das almas.

Um fato histórico da mais alta importância sobre a época dos patriarcas nos aparece, enfim, em dois versículos reveladores. Trata-se de um encontro de Abraão, com um confrade da iniciação. Depois de ter guerreado com os reis de Sodoma e Gomorra, Abraão, vai render homenagem a Melquisedec. Este rei reside na fortaleza que mais tarde será Jerusalém. “Melquisedec, rei de Salém fez servir pão e vinho. Pois ele era sacrificador de Eloim, o Deus soberano, possuidor dos céus e da terra.” (Gen. XIV, 18 e 19). Eis, portanto, um rei de Salém que é grande sacerdote do mesmo Deus de Abraão. Este o trata como superior, como mestre, comunga com ele sob as espécies do pão e do vinho, em nome de Eloim, o que, no antigo Egito, era um sinal de comunhão entre iniciados. Havia, pois, um laço de fraternidade, sinais de

reconhecimento e um fim comum entre todos os adoradores de Eloim, do fundo da Caldéia até a Palestina, e talvez até em alguns santuários do Egito.

Essa conjugação monoteísta esperava apenas um organizador. Assim, entre o Touro alado da Assíria e a Esfinge do Egito, que de longe observam o deserto, entre a tirania esmagadora e o mistério impenetrável da iniciação, avançam as tribos eleitas dos Abramitas, dos Jacobelitas, dos Beni-Israel. Fogem das festas indecorosas de Babilônia; passam, desviando-se, diante das orgias de Moa, dos horrores de Sodoma e de Gomorra e do culto monstruoso a Baal.

Sob a proteção dos patriarcas, a caravana segue seu caminho, cercado de oásis, marcado por raras fontes e esguias palmeiras.

Como uma longa fita ela se perde na imensidão do deserto, sob o sol abrasador, sob a púrpura do pôr-do-sol e sob o manto do crepúsculo que Eloim domina.

Nem os rebanhos, nem as mulheres, nem os velhos conhecem o fim da eterna viagem. Todavia, eles avançam ao passo dolente e resignado dos camelos.

Para onde vão eles assim, sempre?

Os patriarcas o sabem. E Moisés lhes revelará um dia.

(1). Ibrim quer dizer “os do outro lado, os do além, aqueles que atravessaram o rio”. Renan, Hist. du peuple d’Israel.

(2). Renan, Peuple d'Israel.

(3). Rexit Achaemenias pater Orchamus, isque Septimus a prisco

II

INICIAÇAO DE MOISÉS NO EGITO.

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 127-135)