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IRRADIAÇÃO DO VERBO SOLAR

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 88-92)

Esta é a lenda de Krishna, reconstituída em seu todo orgânico e reintegrada na perspectiva da história.

Ela esclarece bastante as origens do bramanismo. Certamente é impossível estabelecer, mediante documentos positivos, se por trás do mito de Krishna, se esconde um personagem real. O tríplice véu que encobre a eclosão de todas as religiões orientais é mais espesso na Índia: do que em qualquer outro lugar. Isto porque os brâmanes, senhores absolutos da sociedade hindu, únicos detentores de suas tradições, muitas vezes as modelaram e retocaram no decurso dos tempos. Todavia, é justo acrescentar que eles conservaram todos os elementos e que, se sua doutrina se desenvolveu com os séculos, o centro dela jamais se deslocou. Não poderíamos, pois, explicar uma figura como a de Krishna à maneira da maior parte dos sábios europeus, dizendo: é um conto de fadas inspirado num mito solar, tecido sobretudo com uma fantasia filosófica. Não é assim, acreditamos nós, que se funda uma religião que dura milhares de anos, que produz uma poesia maravilhosa e várias grandes filosofias, e que resiste ao tremendo ataque do budismo(1), às invasões mongólicas, maometanas, à conquista inglesa, e que conserva até na profunda decadência o sentimento de sua elevada e imemorial origem. Não é assim, efetivamente. Pois há sempre um grande homem na origem de uma grande instituição. Considerando o papel dominante da personagem de Krishna. na tradição épica e religiosa, seu aspecto humano de um lado, e de outro sua identificação constante com Deus manifesto ou Visnu, somos forçados a crer que ele foi o criador do culto visnuísta, que dá ao bramanismo sua virtude e seu prestígio. É lógico pois admitir que, no meio do caos religioso e social surgido na Índia primitiva através da invasão dos cultos naturalistas e passionais, aparecesse um reformador luminoso, que renovasse a pura doutrina ariana mediante a idéia da trindade e do verbo divino manifesto, selasse sua obra com o sacrifício de sua própria vida, e desse

assim à Índia sua alma religiosa, seu molde nacional e sua organização definitiva.

A importância de Krishna nos parecerá maior ainda, e de um caráter verdadeiramente universal, se notarmos que sua doutrina encerra duas idéias-mães, dois princípios organizadores das religiões e da filosofia esotérica. Quero dizer, a doutrina orgânica da imortalidade da alma ou das existências progressivas por meio da reencarnação, e a doutrina correspondente da trindade ou do Verbo divino revelado no homem. Nada mais fiz, que mostrar o alcance (2) filosófico desta concepção central, que, bem compreendida, tem sua repercussão animadora em todos os domínios da ciência, da arte e da vida. Devo limitar-me, para concluir, a uma observação histórica.

A idéia de que Deus, a Verdade, a Beleza e a Bondade infinitas se revelam no homem consciente com um poder redentor que invade as profundezas do céu pela força do amor e do sacrifício, esta idéia, fecunda entre todas, aparece pela primeira vez em Krishna. Ela se personifica no momento em que, ao sair da juventude ariana, a humanidade mergulha cada vez mais no culto da matéria. Krishna revela a idéia do Verbo divino, que jamais será esquecida. A humanidade, desde então, sentirá tanto mais sede de redentores e de filhos de Deus, quanto mais profundamente sentir sua decadência.

Depois de Krishna. inicia-se uma poderosa irradiação do verbo solar através dos templos da Ásia, da África e da Europa. Na Pérsia, será Mitras, o reconciliador do luminoso Ormuz e do sombrio Arimã; no Egito, Hórus, o filho de Osíris e de Ísis; na Grécia, Apolo, o deus do sol e da lira; e Dionísio, o ressuscitador das almas. Em toda parte o deus solar é um deus mediador, e a luz é também a palavra de vida. E não é dela também que brota a idéia messiânica? Seja o que for, foi por intermédio de Krishna, que esta idéia surgiu no mundo antigo; e é por Jesus que ela se irradiará sobre toda a Terra.

Na seqüência desta história secreta das religiões, mostrarei como a doutrina do temário divino se liga à da alma e de sua evolução, como e por que elas pressupõem uma à outra e se completam reciprocamente. Podemos dizer desde já que seu ponto de contato constitui o centro

vital, o foco luminoso da doutrina esotérica. Se considerarmos as grandes religiões da Índia, do Egito, da Grécia e da Judéia apenas por seu aspecto exterior, nelas só veremos discórdia,, superstição, caos. Porém, penetrem-se nos símbolos, interroguem-se os mistérios, busque- se a doutrina-mãe dos fundadores e dos profetas – e na luz se fará a harmonia. Por caminhos muito diferentes e muitas vezes tortuosos, chegaremos ao mesmo ponto, de sorte que penetrar no arcano de uma dessas religiões é penetrar no de todas as outras. Então, um fenômeno estranho se produz.

Pouco a pouco, mas em uma esfera crescente, vê-se reluzir a doutrina dos iniciados no centro das religiões, como um sol deslindando sua nebulosa. Cada religião aparece como um planeta diferente. Em cada um deles, mudamos de atmosfera e de orientação celeste, mas é sempre o mesmo sol que nos ilumina. A Índia, a grande sonhadora, nos faz mergulhar com ela no sonho da eternidade. O Egito, grandioso, austero como a morte, nos convida à viagem além-túmulo. A encantadora Grécia nos arrebata para as festas mágicas da vida e dá a seus mistérios a sedução de suas formas, ora encantadoras, ora terríveis, de sua alma sempre apaixonada. Pitágoras, enfim, formula cientificamente a doutrina esotérica, dá-lhe a expressão talvez mais completa e a mais sólida que já teve; Platão e os alexandrinos foram apenas seus vulgarizadores. Nós acabamos de remontar à sua origem, nas florestas do Ganges e nas solidões do Himalaia.

(1). A grandeza de Sáquia Muni reside em sua caridade sublime, em sua reforma moral e na revolução social que ele causou por meio da inversão das castas ossificadas. Buda provocou no bramanismo envelhecido um abalo semelhante ao do protestantismo no catolicismo há trezentos anos; forçou-o a se preparar para a luta e a se regenerar. Sáquia Muni, porém, nada acrescentou à doutrina esotérica dos brâmanes; apenas divulgou algumas de suas partes. Sua psicologia é, no fundo, a mesma, embora seguindo um caminho diferente. (Vide meu artigo sobre a “Lenda de Buda”, Revue des Deux-Mondes. 1º-07- 1885).

Se Buda não figura neste livro, não é porque menosprezamos seu lugar na série dos grandes iniciados, e sim por causa do plano especial desta obra. Cada um dos reformadores ou filósofos escolhidos por nós está destinado a mostrar a doutrina dos Mistérios sob novo aspecto e numa outra etapa de sua evolução. Sob este ponto de vista, Buda seria uma repetição inútil, de um lado, com Pitágoras, através do qual desenvolvi a doutrina da reencarnação e da evolução das almas; por outro, com Jesus Cristo, que proclamou tanto para o Ocidente como para o Oriente a fratemidade e a caridade universais.

Quanto ao livro, aliás muito interessante e digno de ser lido, Esoteric

Buddhism, de M. Sinnett, cuja procedência algumas pessoas atribuem a

pretensos adeptos vivendo atualmente no Tibete, é impossível para mim, até nova ordem, ver nele algo além de uma complicação bastante hábil do bramanismo e do budismo, com algumas idéias da Cabala, de Paracelso, e alguns dados da ciência moderna.

LIVRO III

HERMES

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 88-92)