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INICIAÇAO DE MOISÉS NO EGITO SUA FUGA PARA A CASA DE JETRO

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 135-144)

Ramsés II foi um dos grandes monarcas do Egito. Seu filho se chamava Meneftá. Segundo o costume egípcio, ele recebeu sua instrução dos sacerdotes. no templo de Âmon-Ra, em Mênfis, sendo a arte real considerada um ramo da arte sacerdotal. Meneftá era um jovem tímido, curioso e de inteligência medíocre. Tinha pelas ciências ocultas uma paixão pouco esclarecida, a qual o tornou mais tarde vítima dos mágicos e dos astrólogos de baixo nível. Seu companheiro de estudos era um jovem de gênio áspero, de caráter estranho e fechado.

Hosarsif (1) era primo de Meneftá, filho da princesa real, irmã de Ramsés II Filho adotivo ou natural? Jamais se soube (2). Hosarsif era, antes de tudo, o filho do templo, pois crescera entre suas colunas. Votado a Ísis e Osíris por sua mãe, era visto desde a adolescência como levita, na coroação do faraó, nas procissões sacerdotais das grandes festas, levando o efodo, o cálice ou os incensórios; depois, no interior do templo, grave e atento, ouvindo as orquestras sagradas, os hinos e os ensinamentos dos sacerdotes.

Hosarsif era de pequena estatura, tinha a fisionomia humilde e pensativa, com uma fronte como a de um carneiro e olhos negros penetrantes, de uma fixidez de águia e de uma profundidade inquietante. Chamavam-no “o silencioso”, tanto se concentrava em si mesmo, quase sempre mudo. Muitas vezes gaguejava ao falar, como se procurasse as palavras ou temesse manifestar seu pensamento. Parecia tímido. Depois, de repente e como um relâmpago uma idéia extraordinária explodia numa palavra e deixava atrás de si rastros de luz. Compreendia-se então que, se um dia “o silencioso” se pusesse a agir, ele seria de um arrojo assustador. Já estava marcada, entres suas sobrancelhas, a ruga fatal dos homens predestinados às penosas tarefas; e sobre sua fronte pairava uma nuvem ameaçadora.

As mulheres temiam o olhar desse jovem levita, olhar insondável como o túmulo, e sua face impassível como a porta do templo de Ísis. Dir-se-ia que elas pressentiam um inimigo do sexo feminino nesse futuro representante do princípio masculino em religião, naquilo que ele tem de mais absoluto e de mais intratável.

Contudo, sua mãe, a princesa real, ambicionava para o filho o trono dos Faraós. Hosarsif era mais inteligente do que Meneftá e podia esperar uma usurpação do trono com o apoio do sacerdócio. Os Faraós, na verdade, designavam seus sucessores entre os próprios filhos. Mas, às vezes, os sacerdotes anulavam a sentença do príncipe após sua morte, e isto no interesse do Estado. Mais de uma vez, eles afastaram do trono os indignos e os fracos, para dar o cetro a um iniciado real. Meneftá tinha ciúmes do primo; Ramsés vigiava-o e desconfiava do levi silencioso.

Um dia, a mãe de Hosarsif encontrou o filho no Serapeum de Mênfis, imensa praça, semeada de obeliscos, de mausoléus, de pequenos e grandes templos, de colunas triunfais, uma espécie de museu a céu aberto das glórias nacionais, onde se chegava por uma avenida ladeada por seiscentas esfinges. Diante da real mãe, o levi inclinou-se até o chão e esperou, segundo o costume, que ela lhe dirigisse a palavra. Disse-lhe ela:

– Vais penetrar nos mistérios de Ísis e de Osíris. Não te verei mais por muito tempo, meu filho. Mas não te esqueças de que és do sangue dos faraós e que sou tua mãe. Olha ao teu redor... se quiseres, um dia... tudo isto pertencerá a ti!

E com um gesto circular ela apontou-lhe os obeliscos, os templos, Mênfis e todo o horizonte.

Um sorriso de desdém aflorou na fisionomia de Hosarsif, habitualmente lisa e imóvel como uma face de bronze. E ele falou:

– Queres, então, que eu governe este povo que adora Deuses com cabeça de chacal, de íbis e de hiena? De todos estes ídolos, em alguns séculos, o que restará?

Hosarsif abaixou-se, apanhou um punhado de areia fina do deserto e a deixou deslizar para o chão por entre os dedos magros e, aos olhos da mãe espantada, acrescentou:

– Tanto quanto isto.

– Desprezas, portanto, a religião de nossos pais e a ciência de nossos sacerdotes?

– Ao contrário! Eu aspiro a elas! Mas a pirâmide é imóvel. É preciso que ela se ponha em marcha. Não serei um Faraó. Minha pátria está longe daqui... ao longe. . . no deserto!

A princesa reprovou-o, dizendo:

– Hosarsif! Por que blasfemas? Um vento de fogo te trouxe a meu seio e, estou percebendo, é a tempestade que te levará! Eu te coloquei no mundo e não te conheço. Em nome de Osíris, quem és tu, então, e o que vais fazer?

– E eu mesmo o sei? Somente Osíris o sabe. Talvez ele me revelará um dia. Mas, dá-me tua bênção, minha mãe, a fim de que Ísis me proteja e a terra do Egito me seja propícia.

Hosarsif ajoelhou-se diante da mãe, respeitosamente cruzou as mãos sobre o peito e curvou a cabeça. Desprendendo-se da fronte a flor de lótus que trazia, segundo o costume das mulheres do templo, ofereceu-lhe para aspirar seu perfume, e, vendo que o pensamento do filho permaneceria para ela um eterno mistério, afastou-se murmurando uma prece.

Hosarsif atravessou triunfalmente a iniciação de Ísis. Alma de aço, vontade de ferro, ele se divertiu com as provas. Espírito matemático e universal, desdobrou uma força de gigante na inteligência e no manejo dos números sagrados cujo simbolismo fecundo e aplicações eram então quase infinitos. Seu espírito, desdenhoso das coisas que nada mais são que aparência e dos indivíduos que passam, só se sentia bem nos princípios imutáveis. Lá do alto, tranqüila e seguramente, ele penetrava, ele dominava tudo, sem manifestar nem desejo, nem revolta, nem curiosidade.

Tanto para seus mestres como para sua mãe, Hosarsif continuava sendo um enigma. O que mais os impressionava era que ele era íntegro

e inflexível como um príncipe. Sentiam ser impossível curvá-lo ou desviá-lo do caminho traçado. Ele marchava em sua estrada desconhecida como um corpo celeste em sua órbita invisível. O pontífice Membra se perguntava até onde iria aquela ambição concentrada: procurou sabê-lo.

Um dia, Hosarsif carregara, com três outros sacerdotes de Osíris, a arca de ouro que precedia o pontífice nas grandes cerimônias. Aquela arca encerrava os dez livros mais secretos do templo, que tratavam de magia e de teurgia.

Entrando no santuário com Hosarsif, Membra lhe disse:

– És de sangue real. Tua força e tua ciência estão acima de tua idade. O que desejas?

– Nada além disto.

E Hosarsif pousou a mão na arca sagrada que as tarrafas de ouro fundido cobriam com suas asas cintilantes.

– Queres tornar-te, então, pontífice de Âmon-Rá e profeta do Egito?

– Não. Mas saber o que existe nestes livros.

– Como sabê-lo-ias tu, uma vez que ninguém, exceto o pontífice, deve conhecê-los?

– Osíris fala como quer, quando quer, a quem quer. O que contém esta arca não passa de letra morta. Se o Espírito vivo quiser falar a mim, ele falará.

– E para isto, o que pretendes fazer? – Esperar e obedecer.

Essas respostas transmitidas a Ramsés II aumentaram-lhe a desconfiança. Ele temeu que Hosarsif aspirasse ao faraonato, em detrimento de seu filho, Meneftá. O faraó ordenou, em conseqüência, que o filho de sua irmã fosse nomeado escriba sagrado do templo de Osíris. Esta função era importante, abrangendo a simbologia sob todas as formas, a cosmografia e a astronomia; todavia, afastava-o do trono. O filho da princesa real desempenhou com o mesmo zelo e uma submissão perfeita seus deveres de hierogramático, aos quais se ligava

também a função de inspetor de diferentes nomos ou províncias do Egito.

Hosarsif teria o orgulho que lhe atribuíam? Sim, se é por orgulho que o leão cativo ergue a cabeça e olha o horizonte por detrás das barras de sua jaula, sem mesmo ver os transeuntes que o encaram. Sim, se é por orgulho que a águia acorrentada, treme, às vezes, com toda sua plumagem e, com o pescoço estendido e as asas abertas, fita o sol. Como todos os fortes, marcados para uma grande obra, Hosarsif não se acreditava submetido ao cego Destino; sentia que uma Providência misteriosa velava por ele e o guiaria a seus fins.

Enquanto era escriba sagrado, Hosarsif foi enviado para inspecionar o Delta. Os hebreus tributários do Egito, que então habitavam o vale de Gossen, estavam submetidos a rudes tarefas. Ramsés II ligava Pelusa a Heliópolis por uma cadeia de fortes. Todos os homens do Egito deviam fornecer um contingente de operários para aqueles trabalhos gigantescos. Os Beni-Israel estavam sobrecarregados dos mais pesados serviços. Eram sobretudo talhadores de pedra e britadores. Independentes e altivos, eles não se curvavam tão facilmente quanto os indígenas sob o bastão dos gendarmes egípcios, mas se revoltavam e às vezes revidavam os golpes. O sacerdote de Osíris não pôde evitar uma secreta simpatia por esses intratáveis “de cabeça empertigada”, cujos Anciãos, fiéis à tradição abrâmida, adoravam simplesmente o Deus único, que veneravam seus chefes, seus hags e seus zakens, mas resistiam ao jugo e protestavam contra a injustiça.

Um dia, ele viu um gendarme egípcio cobrir de golpes um hebreu indefeso. Seu coração vibrou e ele se lançou sobre o egípcio, arrancou- lhe a arma e o matou incontinenti. Este ato, cometido na efervescência de uma indignação generosa, decidiu sua vida. Os sacerdotes de Osíris que cometessem um assassinato eram severamente julgados pelo colégio sacerdotal. O Faraó já supunha um usurpador no filho de sua irmã. A vida do escriba, portanto, estava por um fio. Ele preferiu exilar- se e impor-se a si mesmo à expiação.

Tudo o impelia para a solidão do deserto, para o vasto desconhecido – seu desejo, o pressentimento de sua missão e, acima de

tudo, aquela voz interior, misteriosa, mas irresistível, que lhe disse em certas horas: “Vai! É teu destino!”

Além do Mar Vermelho e da Península do Sinai, no país de Madiã, erguia-se um templo que não estava subordinado ao sacerdócio egípcio. Essa região se estendia como uma faixa verde entre o golfo elamítico e o deserto da Arábia. De longe, para além do braço do mar, percebiam-se as massas sombrias do Sinai e seu píncaro descoberto. Encravado entre o deserto e o Mar Vermelho, protegido por um maciço vulcânico, aquele país isolado estava ao abrigo das invasões. O templo era consagrado a Osíris, mas ali se adorava também o Deus soberano, sob o nome de Eloim. Pois o santuário de origem etíope servia como centro religioso aos árabes, aos semitas e aos homens de raça negra que buscavam a iniciação.

Fazia séculos já que o Sinai e o Horeb eram o centro místico de um culto monoteísta. A grandeza nua e selvagem da montanha, erguendo-se completamente só entre o Egito e a Arábia, despertava a idéia do Deus único. Muitos semitas lá iam em peregrinação adorar Eloim. Eles ficavam alguns dias jejuando e rezando nas cavernas e galerias cavadas nos flancos do Sinai. Antes, porém, se purificavam e se instruíam no templo de Madiã.

Foi nesse local que se refugiou Hosarsif.

O grande sacerdote de Madiã ou o Raguel. (vigia de Deus) chamava-se então Jetro (3). Era um homem de pele negra (4). Pertencia ao mais puro tipo da antiga raça etíope, que quatro ou cinco mil anos antes de Ramsés reinara no Egito e que não perdera suas tradições, as quais remontavam às mais velhas raças do globo. Jetro não era nem um inspirado, nem um homem de ação, mas um grande sábio. Possuía tesouros de ciência acumulados na memória e nas bibliotecas de pedra de seu templo. E, além disso, era o protetor dos homens do deserto: nômades líbios, árabes, semitas. Esses eternos errantes, sempre os mesmos, com sua vaga aspiração ao Deus único, representavam algo de imutável em meio dos cultos efêmeros e às civilizações decadentes. Sentia-se neles como que a presença do Eterno, o memorial das eras longínquas, a grande reserva de Eloim. Jetro era o pai espiritual desses

insubmissos, desses errantes, desses livres. Ele conhecia sua alma e pressentia seu destino.

Quando Hosarsif pediu-lhe asilo em nome de Osíris-Eloim, ele o recebeu de braços abertos. Talvez, imediatamente, tenha adivinhado naquele fugitivo o homem predestinado a tornar-se o profeta dos banidos, o condutor do povo de Deus.

Hosarsif quis, primeiro, submeter-se às expiações que a lei dos iniciados impunha aos assassinos. Quando um sacerdote de Osíris cometia um assassinato, mesmo involuntário, estava sujeito a perder o benefício de sua ressurreição antecipada “na luz de Osíris”, privilégio que obtivera mediante as provas da iniciação, e que o colocava muito acima do comum dos homens. Para expiar seu crime, para recuperar sua luz interior, ele devia submeter-se a provas mais cruéis, e ainda uma vez expor-se à morte. Após um longo jejum e por meio de certas beberagens, o paciente era mergulhado num sono letárgico, depois era depositado num túmulo do Templo, onde ficava dias, às vezes até semanas (5). Durante esse tempo ele viajaria para o Além, para o Erebe ou para a região de Amenti, onde flutuam as almas dos mortos que ainda não foram desligados da atmosfera terrestre.

Lá, ele deveria procurar sua vítima, sofrer suas angústias, obter seu perdão e ajudá-la a encontrar o caminho da luz. Somente então considerava-se expiado seu crime de morte, somente então seu corpo astral ficava limpo das nódoas negras que lhe deixavam o sopro envenenado e as imprecações da vítima. Porém, dessa viagem real ou imaginária, o culpado podia muito bem não voltar, e muitas vezes, quando os sacerdotes iam despertar o réu de seu sono letárgico, encontravam apenas um cadáver.

Hosarsif` não hesitou em submeter-se a essa prova e a outras mais (6). Sob a impressão do assassinato que cometera, havia compreendido o caráter imutável de certas leis de ordem moral e a profunda perturbação que sua infração deixara no fundo da consciência. Foi com inteira abnegação que ofereceu seu próprio ser em holocausto a Osíris, pedindo-lhe, se voltasse à luz terrestre, força para manifestar a lei da justiça. Quando Hosarsif saiu do sono temível no subterrâneo do templo

de Madiã, sentiu-se um homem transformado. Seu passado estava como que desligado dele, o Egito deixara de ser sua pátria, e diante dele a imensidão do deserto, com seus nômades errantes, se estendia como um novo campo de ação. Ele avistou a montanha de Eloim no horizonte e, pela primeira vez, como uma tormenta que se pressentia nas nuvens escuras e espessas do Sinai, a idéia de sua missão perpassou-lhe o espírito: Formar com aquelas tribos instáveis um povo de combate que representasse a lei do Deus supremo em meio à idolatria dos cultos e anarquia das nações – um povo que transmitisse aos séculos futuros a verdade selada na arca de ouro da iniciação.

E naquele mesmo dia, para marcar a nova era que começava em sua vida, Hosarsif tomou o nome de Moisés, que significa: o Salvo.

(1). Primeiro nome egípcio de Moisés. (Maneton, citado por Filão). (2). O relato bíblico (Êxodo II, 1-10) apresenta Moisés como um judeu da tribo de Levi recolhido pela filha do Faraó nos caniços no Nilo, onde a astúcia materna o havia colocado para comover a princesa e salvar a criança de uma perseguição idêntica à de Herodes. Ao contrário, Maneton, o sacerdote egípcio ao qual devemos as informações mais exatas sobre as dinastias dos Faraós, informações hoje confirmadas pelas inscrições dos monumentos, afirma que Moisés foi um sacerdote de Osíris. Estrabão que extraiu suas informações da mesma fonte, isto é, dos sacerdotes egípcios, confirma-o igualmente.

A fonte egípcia tem, aqui, mais valor do que a fonte judaica, pois os sacerdotes do Egito não tinham nenhum interesse em fazer os gregos ou romanos acreditarem que Moisés era um dos seus, enquanto que o amor próprio nacional dos judeus impunha-lhes fazer do fundador de sua nação um homem do mesmo sangue. O texto bíblico reconhece, aliás, que Moisés foi educado no Egito e enviado por seu governo como inspetor dos judeus de Gossen. Este é o fato importante, capital, que estabelece a filiação secreta entre a religião mosaica e a iniciação egípcia. Clemente de Alexandria acreditava que Moisés era profundamente iniciado na ciência do Egito e que, de fato, a obra do criador do Israel seria incompreensível sem ela.

(4). Mais tarde (Números, III, 1), após o êxodo, Aarão e Maria, irmão e irmã de Moisés, segundo a Bíblia, reprovaram-no por ter esposado uma mulher da Etiópia. Jetro, pai de Séfora, era portanto dessa raça.

(5). Viajantes de nosso século constataram que faquires hindus se fizeram enterrar após terem mergulhado em sono cataléptico, indicando o dia preciso em que deviam ser desenterrados. Um deles, após três semanas de amortalhamento, foi encontrado vivo, são e salvo.

(6). As sete filhas de Jetro citadas na Bíblia (Êxodo,II,16-20) evidentemente têm um sentido simbólico, como todo esse texto que nos chegou sob uma forma lendária e inteiramente popularizada. É mais do que inverossímil que o sacerdote de um grande templo fizesse suas filhas apascentar rebanhos, e que reduzisse um sacerdote egípcio ao papel de pastor.

As sete filhas de Jetro simbolizam as sete virtudes que o iniciado era forçado a conquistar para abrir o poço da verdade. Esse poço, na história de Agar e de Ismael, era denominado “o poço do Vivente que me vê”.

III

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 135-144)