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OSÍRIS A MORTE E A RESSURREIÇÃO

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 112-117)

No entanto, o noviço não fora além do limiar da iniciação. Pois começavam agora os longos anos de estudo e de aprendizagem. Antes de chegar a Ísis Ucrânia, ele devia conhecer a Ísis terrestre, instruir-se nas ciências físicas e androgônicas. Seu tempo se dividia entre as meditações em sua cela, o estudo dos hieróglifos nas salas e nos pátios do templo tão vasto quanto uma cidade, e as lições dos mestres. Ele aprendia a ciência dos minerais e das plantas, a história do homem e dos povos, a medicina, a arquitetura e a música sacra. Nessa longa aprendizagem, ele não devia somente conhecer, mas transformar-se, ganhar força por meio da renúncia.

Os sábios antigos acreditavam que o homem somente possui a verdade se ela se tornar uma parte do íntimo de seu ser, um ato espontâneo da alma. Durante aquele profundo trabalho de assimilação, o discípulo era deixado sozinho consigo mesmo. Os mestres não o ajudavam em nada, e muitas vezes ele se espantava com sua frieza e indiferença. Vigiavam-no com atenção; submetiam-no a regras inflexíveis; exigiam dele obediência absoluta; mas não lhe revelavam nada além de certos limites. Ante suas inquietações e perguntas, respondiam-lhe: “Espera e trabalha!”

Vinham-lhe, então, revoltas súbitas, arrependimentos amargos, suspeitas horríveis. Teria ele se tornado escravo de impostores audaciosos da magia negra, que subjugavam sua vontade para um fim infame? A verdade fugia; os deuses o abandonavam; ele estava só e prisioneiro do templo. A verdade tinha-lhe aparecido sob a figura de uma esfinge. Agora, a esfinge lhe dizia: “Eu sou a Dúvida!” E a besta alada, com sua cabeça de mulher impassível e suas garras de leão, transportava-o para dilacerá-lo na areia ardente do deserto.

Porém, a esses pesadelos sucediam horas de calma e de pressentimento divino. Ele compreendia, então, o sentido simbólico das provas que atravessara ao entrar no templo. Porque, ai! o poço sombrio

em que ele quase caíra era menos negro do que a insondável verdade; o fogo que atravessara era menos temível do que as paixões que queimavam ainda sua carne; a água gelada e tenebrosa onde tivera de mergulhar era menos fira do que a dúvida em que seu espirito naufragava e se arruinava nas horas más.

Em uma das salas do Templo se estendiam, em duas filas, aquelas mesmas pinturas sagradas, cujo sentido tinham-lhe explicado na cripta durante a noite das provas, e que representavam os vinte e um arcanos. Esses arcanos, que se deixavam entrever no limiar da ciência oculta, eram as próprias colunas da teologia; mas era preciso ter atravessado toda a iniciação para compreendê-los. Depois, nenhum dos mestres tornara a falar-lhe deles. Permitiam-lhe somente passear naquela sala, meditar sobre aqueles sinais. Ele aí passava longas horas solitárias. Por aquelas figuras castas como a luz, graves como a Eternidade, a invisível e impalpável verdade se infiltrava lentamente no coração do neófito. Na muda sociedade daquelas divindades silenciosas e sem nome, cada uma das quais parecia presidir a uma esfera da vida, ele começava a experimentar algo de novo: primeiro uma descida ao fundo do seu ser, depois, uma espécie de desligamento do mundo que o fazia pairar acima das coisas. Às vezes, ele perguntava a um dos magos: “Ser-me-á permitido um dia respirar a rosa de Ísis e ver a luz de Osíris?” Respondiam-lhe: “Isto não depende de nós. A verdade não se dá. É encontrada em si mesma ou não é encontrada. Nós não podemos fazer de ti um adepto, é preciso torná-lo por ti mesmo. O lótus pulsa sob as águas do rio por muito tempo, antes de desabrochar. Não apresses a eclosão da flor divina. Se ela deve vir, virá no dia certo. Trabalha e ora!”

E o discípulo voltava aos estudos, às meditações, com uma alegria triste. Ele sentia o encanto austero e suave daquela solidão que passava como um sopro do ser dos seres. Assim corriam os meses, os anos. E ele percebia operar-se em si uma transformação lenta, uma metamorfose completa. As paixões que haviam assediado sua juventude se afastavam como sombras, e os pensamentos que o acometiam agora sorriam-lhe como amigos imortais. O que ele experimentava por momentos era o

desaparecimento de seu eu terrestre e o nascimento de um outro eu, mais puro e mais etéreo. Com esse sentimento, acontecia-lhe prosternar- se diante dos degraus do santuário fechado. Então, não existia mais nele revolta, nem desejo algum, nem arrependimento. Havia apenas um abandono perfeito de sua alma aos Deuses, uma oblação completa à verdade. “Oh! Ísis – dizia ele em sua prece – uma vez que minha alma não é mais do que uma lágrima de teus olhos, que ela caia como orvalho sobre as outras almas e que, morrendo, eu sinta seu perfume subir em tua direção. Eis-me aqui, pronto para o sacrifício!”

Após uma dessas orações mudas, o discípulo ainda em êxtase via, de pé perto dele, como uma visão saída do sol, o hierofante envolto nos cálidos clarões do pôr-do-sol. O mestre parecia ler todos os pensamentos do discípulo, penetrar todo o drama de sua vida interior. E dizia-lhe:

- Filho, aproxima-se a hora em que a verdade ser-te-á revelada. Tu já a pressentiste descendo ao fundo de ti mesmo e aí encontrando a vida divina. Vais entrar na grande, na inefável comunhão dos Iniciados. És digno dela pela pureza do coração, pelo amor da verdade e a força da renúncia. Mas ninguém transpõe a soleira de Osíris sem passar pela morte e pela ressurreição. Nós te acompanharemos até a cripta. Não tenhas medo, pois já és um de nossos irmãos.

No crepúsculo, os sacerdotes de Osíris, empunhando tochas, acompanhavam o novo adepto a uma cripta baixa, sustentada por quatro pilares assentados sobre esfinges. Em um canto se encontrava aberto um sarcófago de mármore (1). E o hierofante o advertia:

- Nenhum homem escapa à morte e toda alma viva está destinada à ressurreição. O adepto passa vivo pelo túmulo para, desta vida, entrar na luz de Osíris. Deita-te, pois, neste sarcófago e espera a luz. Nesta noite atravessarás a porta do Terror e alcançarás os umbrais do Mestrado.

O adepto deitava-se no sarcófago aberto, o hierofante estendia a mão sobre ele, para abençoá-lo, e o cortejo dos iniciados se afastava em silêncio da sepultura. Uma pequena lâmpada deixada no chão ilumina ainda, com sua luz incerta, as quatro esfinges que sustentam as colunas

atarracadas da cripta. Um coro de vozes profundas se faz ouvir, baixo e velado. De onde vem ele? É o canto dos funerais!..., Ele termina, a lâmpada lança um derradeiro clarão, depois se extingue completamente. O adepto está só nas trevas, o frio do sepulcro cai sobre ele e congela- lhe todos os membros. Passa gradualmente pelas sensações dolorosas da morte e cai em letargia. Sua vida desfila diante dele em quadros sucessivos, como algo irreal e sua consciência terrestre torna-se cada vez mais vaga e difusa. Mas à medida que sente seu corpo se dissolver, a parte etérea e fluida de seu ser se desprende. Ele entra em êxtase...

Que ponto brilhante e longínquo é este que aparece, imperceptível no fundo negro das trevas? Ele se aproxima, aumenta, transforma-se numa estrela de cinco pontas, cujos raios têm todas as cores do arco-íris e que lança nas trevas descargas de luz magnética. Agora é um sol que o atrai na brancura de seu centro incandescente. Será a magia dos mestres que produz essa visão? Será o invisível que se torna visível? Será o presságio da verdade celeste, a estrela flamejante da esperança e da imortalidade? – Ela desaparece; e em seu lugar um botão de flor desabrocha na noite, uma flor imaterial, mas sensível e dotada de uma alma. Abre-se diante dele como uma rosa branca; desabrocha suas pétalas e ele vê tremularem suas folhas vivas e avermelhar-se seu cálice inflamado.

Será a flor de Ísis, a Rosa mística da sabedoria que encerra o Amor em seu coração?

Mas, eis que de repente ela se evapora como uma nuvem de perfumes. Então, aquele que estava em êxtase se sente inundado num sopro quente e acariciante. E, depois de ter tomado formas caprichosas, a nuvem se condensa e se transforma numa figura humana. É a figura de uma mulher, a Ísis, do santuário oculto, porém, mais jovem, sorridente e luminosa. Um véu transparente a envolve em espiral e seu corpo brilha, revelando-se. Segurando um rolo de papiro, ela se aproxima docemente, inclina-se sob o iniciado deitado no túmulo e lhe diz: “Eu sou a tua irmã invisível, tua alma divina e este é o livro da tua vida. Ele contém páginas repletas de tuas existências passadas e páginas brancas das futuras. Um dia, desenrolarei todas diante de ti. Agora tu me conheces.

Chama-me e eu virei!” E enquanto ela fala, brota-lhe dos olhos um raio de ternura... presença de uma reprodução angélica, promessa inefável do divino, fusão maravilhosa no impalpável além!...

Mas tudo se rompe, a visão se desfaz. Uma dilaceração atroz... e o adepto se sente precipitado em seu corpo como em um cadáver. Volta ao estado de letargia consciente; círculos de fogo apertam-lhe os membros; um peso terrível comprime seu cérebro; ele desperta... e, de pé, diante dele, está o hierofante, acompanhado dos magos. Rodeiam- no, fazem-no beber um cordial e ele se levanta.

Proclama, então, o profeta:

- Eis que surges ressuscitado! Vem celebrar conosco o ágape dos iniciados e conta-nos tua viagem na luz de Osíris. Pois, de hoje em diante, és um dos nossos.

Transporterno-nos agora, com o hierofante e o novo iniciado, ao observatório do templo, no tépido esplendor de uma noite egípcia. Lá o chefe do templo fazia, ao adepto recente, a grande revelação, narrando- lhe a visão de Hermes Essa visão não estava escrita em nenhum papiro. Era apenas indicada por sinais simbólicos nas estrelas da cripta secreta, só conhecida pelo profeta. E sua explicação era transmitida, oralmente, de pontífice a pontífice.

– Presta atenção – dizia o hierofante –, esta visão encerra a história eterna do mundo e o círculo das coisas.

(1). Os arqueólogos viram, durante muito tempo, no sarcófago da grande pirâmide de Gisé, o túmulo do rei Sesostris, baseados na opinião de Heródoto, que não era iniciado e ao qual os sacerdotes egípcios confiaram apenas anedotas e contos populares. Mas os reis do Egito tinham sua sepultura em outro lugar. A estrutura interior e bizarra da pirâmide prova que ela devia servir para as cerimônias da iniciação e práticas secretas dos sacerdotes de Osíris. Encontra-se ali o Poço da Verdade, que descrevemos, a escadaria, a Sala dos arcanos... A chamada câmara do rei, que encerra o sarcófago, era aquela à qual conduziram o adepto na véspera de sua grande iniciação. As mesmas disposições estavam reproduzidas nos grandes templos da Idade Média e do Alto Egito.

V

No documento OS GRANDES INICIADOS (páginas 112-117)